A Mafalala é um bairro histórico da capital, Maputo, que, para além de ser um dos mais famosos do País, é associado à emergência da identidade moçambicana, nomeadamente a oposição cultural e política africana à administração colonial portuguesa. O bairro viu nascer várias figuras moçambicanas, do desporto (Eusébio da Silva Ferreira – o Pantera Negra –, um dos maiores futebolistas africanos), Lurdes Mutola, das artes, nomes como Craveirinha, entre tantos outros.
Na Mafalala, há uma considerável concentração de pessoas vindas de quase todos os cantos do País e até além-fronteiras. Mas apesar de toda a riqueza histórica e cultural que lhe dão vida, o bairro abriga uma das maiores “bocas de fumo” da cidade, o que faz com que as crianças cresçam com grande exposição às drogas e à prostituição. E é aí, no campo onde joga a dificuldade que o desporto pode ajudar a ultrapassar barreiras e a vencer batalhas.
Porque se o desporto pode servir como catalisador do desenvolvimento social, promovendo a inclusão, o respeito pelo próximo, o trabalho em equipa, o rugby, pelos valores inerentes à sua prática – integridade, paixão, solidariedade, disciplina e respeito -, pode ser um importante farol de esperança para muitos dos jovens daquele bairro da periferia, igual a tantos outros espalhados pelo País. Criado em 2015, o Mafalala Rugby Clube nasceu numa altura em que o Parque dos Continuadores, no centro da cidade de Maputo, entrava em obras de reabilitação e as actividades desportivas que decorriam naquele recinto tiveram de ser interrompidas.

A necessidade aguçou o engenho e surgiu a ideia de levar o rugby para o bairro. A história do clube está muito ligada a Omar Aly, actual presidente do clube, o primeiro adolescente a fazer parte do projecto. Omar praticava a modalidade no Parque dos Continuadores, mas, uma vez fechado, tornou-se impossível continuar. Com a ajuda de antigos jogadores portugueses radicados em Moçambique, com destaque para Paulo Murinello, antigo internacional luso, e um dos ‘Lobos’ que fez parte da mítica primeira selecção portuguesa a participar num Mundial da modalidade, transferiram o rugby para a Mafalala.
A história deste clube assenta nas lições que o rugby pode ensinar para mudar as vidas de centenas de jovens da Mafalala
Desde os primeiros passos dados em 2016, quando a modalidade começou a ser divulgada no bairro, o clube tem feito um esforço contínuo para se estabelecer como uma força positiva na comunidade, tendo por lá já passado centenas de jovens que tiveram ali, no campo, as oportunidades que, fora dele, nunca encontraram. “A hipótese de competir, de estarem envolvidos num colectivo e, em alguns casos, de vir a ter uma carreira desportiva”, conta Paulo. No ano passado, o projecto oficializou-se como Associação Desportiva sem fins lucrativos, passando a integrar, além do desporto, outras componentes para promover o desenvolvimento social e a educação. Uma dessas acções foi a introdução da modalidade nas escolas do bairro, visando beneficiar cerca de mil crianças com idades entre os 6 e os 12 anos. Por causa das vulnerabilidades sociais do bairro, a associação não visa apenas a promoção da actividade física, mas também a construção de uma estrutura sólida de formação. Isso inclui capacitar monitores, treinadores, árbitros e directores de equipa. “Mas sobretudo o que o Clube quer mesmo é criar condições para as crianças e jovens do bairro singrarem na vida”.
Na Mafalala, onde a influência muçulmana é predominante e os desafios socioeconómicos são evidentes, Paulo Murinello explica que “a participação feminina no desporto ainda é escassa. No entanto, o clube está empenhado em garantir a inclusão de meninas, reconhecendo os benefícios da actividade desportiva como caminho para a inclusão”.
O projecto inclui um programa educacional abrangente, conhecido como “funil educativo”, que visa seleccionar crianças talentosas, não apenas no râguebi, mas também na academia. Os seleccionados receberam apoio extra, desde aulas de reforço de competências em áreas focais como o português, o inglês e a informática. Além disso, o clube procura fornecer suporte nutricional a cerca de mil crianças de escolas do Bairro que enfrentam desafios alimentares nas suas comunidades. “A fazer a seguir? Há muita coisa pela frente, precisamos de apoios, patrocínios… Mas o mais importante está aqui, e são os jovens da Mafalala!”.

Texto: Filomena Bande