A organização não-governamental (ONG) americana Environmental Investigation Agency (EIA) publicou esta terça-feira (21) o relatório “Transporte de Floresta: Milhões de Toneladas de Madeira de Moçambique, Incluindo a de Conflito, São Exportadas Para a China Para Mobiliário de Luxo”, no qual explica que as exportações do produto ligadas à insurreição em Cabo Delgado fazem parte de um comércio mais vasto, em que centenas de milhares de toneladas estão a ser levadas ilegalmente para a China todos os anos.
Segundo o documento, citado pela Zitamar News, os contrabandistas que vendem o recurso natural para a China estão a financiar os insurgentes apoiados pelo Estado Islâmico, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.
“As exportações de madeira ligadas aos insurgentes fazem parte de um comércio mais vasto em que centenas de milhares de toneladas estão a ser levadas ilegalmente para a China todos os anos, desafiando a lei nacional e um tratado internacional sobre a vida selvagem ameaçada. De acordo com a legislação, a exportação de todos os toros de madeira não processados de qualquer espécie é proibida, assim como a exportação de certas espécies ameaçadas de extinção sob qualquer forma”, explica o relatório.
Alexandra Bloom, analista sénior de comércio e política da EIA, revela que várias fontes disseram à organização que “os insurrectos estão pessoalmente envolvidos no corte da madeira e na sua venda em Montepuez, província de Cabo Delgado, onde é misturada com outra e vendida para exportação”.
O relatório aponta fontes anónimas que afirmam que os insurgentes usam intermediários para traficar o recurso natural através da província, normalmente para o distrito de Montepuez, onde é vendida a empresas chinesas como a CAM International e a Mozambique First International Development, ambas com um historial de manuseamento de madeira comercializada ilegalmente.

“Os comerciantes chineses e os insurgentes estão deliberadamente a ofuscar a ligação entre si, usando corretores e intermediários moçambicanos”, disse Alexandra Bloom à Zitamar News.
A EIA aponta para cinco distritos de Cabo Delgado onde o abate ilegal de árvores ocorre em grande parte: Montepuez, Balama, Namuno, Mueda e Muidumbe. No entanto, não é claro até que ponto os insurgentes podem estar actualmente envolvidos na actividade, uma vez que nenhum destes distritos foi ocupado por insurgentes desde pelo menos 2022, com excepção do sul de Muidumbe.
O documento aponta que naquele distrito da província, uma concessão de madeira de dez mil hectares é controlada por Isabel Nkavandeka, uma antiga ministra do Governo e política “influente” no partido no poder (Frelimo), que em 2023 ainda estava a operar e a produzir espécies ameaçadas proibidas de exportação. Foi alegado que a licença de exportação de Nkavandeka foi usada em 2021 para exportar ilegalmente madeira para a China, que foi depois devolvida a Moçambique, sendo que, enquanto nove pessoas foram alegadamente acusadas, a antiga ministra não foi.
Exportações ilegais de madeira transformadas em artigos de luxo
“Mais de 89% das exportações de madeira de Moçambique para a China entre 2017 e 2023, no valor de 3,7 milhões de toneladas, provavelmente violaram a proibição nacional de exportação do recurso natural, com grande parte proveniente de áreas controladas por insurgentes. Cerca de 65% da madeira exportada do Porto de Pemba viola a proibição”, explica o relatório, acrescentando que uma fonte disse à EIA que 30% dos troncos correm um risco elevado de serem provenientes de florestas ocupadas por insurrectos.

A EIA explica, no seu relatório, que os seus investigadores falaram com um comerciante chinês de madeira, Yu Guofa, comummente chamado de “cabeça grande” ou chefe do abate ilegal de árvores, que admitiu que cerca de metade do produto que vendia não era transformado, o que torna a sua exportação ilegal. Disse ainda que também vende troncos de espécies protegidas e que tem concessões em Chapa, distrito de Montepuez, e nas áreas de Mueda e Nangade.
De acordo com a EIA, o contrabando ilegal da madeira através dos portos de Moçambique é facilitado por subornos e acordos corruptos entre comerciantes e funcionários locais, Ministérios do Governo e agentes da polícia e da segurança. Ademais, os funcionários das alfândegas foram subornados em cerca de 80 mil meticais (1250 dólares) para aprovar o embalamento de mais de 80 contentores de toros ilegais, incluindo espécies especificamente proibidas de exportar.
“O processo de transporte para o porto e de exportação é gerido por comerciantes, na sua maioria asiáticos, que durante anos trabalharam em conjunto para branquear madeira ilegal e exportar toros em violação da proibição de exportação”, disse Alexandra Bloom.
A EIA também acusa as principais companhias de navegação, incluindo a CMA CGM (empresa francesa de transporte marítimo e contentorização), a Maersk e a Mediterranean Shipping Company (MSC), de cumplicidade no transporte de madeira ilegal para o mercado chinês, onde é altamente valorizada como material para mobiliário de luxo. O produto que é comprado aos madeireiros por “alguns dólares” é transformada em mobiliário vendido a retalho por dezenas de milhares de pessoas.

A investigação descobriu que espécies protegidas de madeira nacional são frequentemente publicitadas abertamente nas redes sociais, e cadeiras feitas de pau-preto foram mesmo usadas na cimeira do G20 de 2016 em Hangzhou, China.
De acordo com o relatório, a grande maioria do pau-preto importado pela China é proveniente de Moçambique. Ao abrigo de um tratado internacional, o País é obrigado a realizar um estudo que demonstre que a exportação da madeira em perigo não ameaça a sua sobrevivência, mas não foi efectuada nenhuma pesquisa nesse sentido.
A EIA recomenda que as companhias de navegação suspendam o transporte de todos os toros. A agência também apela ao Governo para que combata a corrupção institucional e a lavagem de dinheiro, enquanto a China deve punir os seus cidadãos por subornarem funcionários estrangeiros e ajudar Moçambique a fazer cumprir a sua proibição de exportação de toros.