O que irá mudar no Porto de Maputo até 2058? Como se pretende abordar a competitividade num contexto de forte concorrência? Poucos dias após a extensão da concessão do Porto à Maputo Port Development Company (MPDC), o CEO da instituição, Osório Lucas, esclarece dúvidas quanto à essência deste procedimento e alerta que há muito por corrigir e alinhar no âmbito da logística.
Em Fevereiro, o Governo e a Sociedade de Desenvolvimento do Porto de Maputo (Maputo Port Development Company, MPDC) formalizaram a prorrogação da concessão do Porto de Maputo por mais 25 anos, a contar de 2033, até 13 de Abril de 2058, portanto. Esta concessão, que anuncia mudanças profundas ao nível da gestão e objectivos ambiciosos a concretizar, suscitou desde cedo alguma especulação, inclusive por parte da imprensa. Nesta entrevista, o CEO da MPDC, Osório Lucas, no cargo desde 2012, esclarece todo o processo que se deve esperar, tanto na estrutura do Porto como na sua ligação com a economia no seu todo.
Gostaria que começasse por comentar a essência da extensão da concessão do Porto de Maputo.
O primeiro passo é compreender que o Porto de Maputo opera num contexto de competição ou de complementaridade, principalmente com os portos sul-africanos. E o maior mercado de alcance do Porto de Maputo é a economia sul-africana. Somos um porto de exportação em trânsito, em que mais de 70% do volume manuseado reside na exportação de minérios da África do Sul e alguma fruta. Realizámos investimentos na ordem dos 835 milhões de dólares que elevaram a capacidade nominal do Porto para 37 milhões de toneladas – o quanto pode manusear. Mas, historicamente, como no ano passado, por exemplo, o Porto manuseou 31 milhões de toneladas.
Qual é o potencial de mercado que o Porto tem actualmente?
Potencialmente, são entre 54 a 55 milhões de toneladas. E a questão é: como podemos aproximar a capacidade de um potencial em torno dos 50 milhões de toneladas até 2058? Só pode ser por via de investimento em equipamento, sistemas e pessoal. Parte do aumento da eficiência do Porto de Maputo resulta da capacitação feita a partir do nosso centro de formação, equipado com simuladores de ponta, onde formamos muitos profissionais, desde guindasteiros a operadores de máquinas. Além disso, para fazermos a aproximação entre a capacidade e o potencial, contratámos estudos de mercado da consultora Maritime & Transport Business Solutions (MTBS) e da Deloitte internacional, e, neste momento, estamos novamente num processo de revisão do nosso estudo de mercado com a MTBS, que é uma empresa australiana de dimensão internacional.
Mais do que como fazer a aproximação, a questão é quando fazer. E, neste aspecto, questiona-se o porquê de a extensão acontecer agora, um ano antes do fim do mandato do actual Governo…
Para mim, isso é uma discussão inócua. Sou jurista de formação e não conheço nenhuma limitação constitucional a decisões que sejam tomadas num período como este. Posso usar um exemplo recente em que um Primeiro-ministro em Portugal cessou funções antes do fim do mandato, tomando a iniciativa de colocar o seu lugar à disposição, e a sua demissão foi aceite.
Segundo estimativas, a extensão da concessão do Porto de Maputo deve aportar mais de oito milhões de dólares em rendas, dividendos e impostos directos à economia moçambicana
Entretanto, foi-lhe dado um tempo para tomar decisões vitais para o país, mesmo que já tivesse uma data de saída. No nosso caso, o processo começou formalmente em Outubro de 2022 e levou 14 meses a ser preparado. Houve muita discussão, foi criada uma comissão interministerial representada pelos Ministérios dos Transportes, da Economia e Finanças, do Ambiente, do Trabalho, do Comércio, Mar e Águas Interiores, e instituições como o Banco Central, o regulador marítimo, o regulador ferroviário, etc. Então, nós, por contrato, podíamos solicitar a extensão a qualquer altura até 2028, que eram cinco anos antes do fim do actual prazo.
Quais são os passos que se vão seguir?
Temos um plano director revisto que apresenta vários cenários: o do aumento da capacidade para 42 milhões de toneladas com dez anos de extensão, e outro de 54 milhões de toneladas com 25 anos de extensão. E porquê dez ou 25 anos? É tudo em função do nível de investimento e do tempo de retorno. O Governo, em consulta connosco, percebendo que a posição geográfica de Moçambique é um dos seus maiores activos, e que a oportunidade de se posicionar era esta, optou por um cenário de longo prazo que pressupõe investimentos na ordem dos 2 mil milhões de dólares, essencialmente em infra-estruturas, reabilitação ou aumento do cumprimento dos cais, investimento em equipamento, em sistemas e em capital humano. A maior componente, entretanto, são as infra-estruturas, porque estas ficam. Até 2058, e mais adiante, nem todos nós estaremos aqui, mas as infra-estruturas estarão lá, e o País ganhará em posicionar-se em tempo útil.
O Porto de Maputo tem condições naturais para crescer cada vez mais no futuro?
Ainda tem. Há duas variáveis que dependem do Porto e outras que não dependem e nas quais estamos a trabalhar. As que dependem do Porto são a componente marítima (profundidade) e a componente terra (infra-estrutura). O Porto ocupa cerca de 280 hectares entre Maputo e Matola, tem uma zona de expansão razoável, com uma aproximação da Matola a Maputo e vice-versa. Aliás, alguma desta expansão é isso mesmo: uma construção do cais da DP World em direcção à Matola e a expansão do Terminal de Carvão em direcção a Maputo. Este exercício está a acontecer paulatinamente. Mas, depois, temos de resolver as questões que não controlamos. O Porto só vai poder manusear aquilo que recebe e que é capaz de expedir. Não se pode olhar para o Porto como algo isolado. O sistema ferroviário e rodoviário tem de funcionar em sintonia. Esta decisão não está nas nossas mãos, mas podemos influenciar. Temos de resolver a componente de transporte rodoviário com o aumento de capacidade na estrada, temos de resolver a componente de transporte ferroviário com o aumento de capacidade na linha férrea e temos de resolver os problemas na fronteira, não só do lado moçambicano. O Porto de Maputo não tem de ter só capacidade e ser comercialmente atractivo. Tem de oferecer tarifas que façam com que aquele que tem de decidir ir ao Porto de Durban ou de Richard Bay, escolha Maputo.

Falou na questão da competitividade e complementaridade em relação ao Porto de Durban e outros da região. Quais seriam os aspectos em que o Porto de Maputo é preferível e em que outras situações se estabelece a complementaridade?
O segredo da competitividade é a logística e a eficiência, ou seja, o que se chama TAT (Turn Around Time), que é a capacidade de rodar o mais rápido possível. Pense no frete de um navio que pode custar entre 20 mil a 25 mil dólares por dia. Quando o navio fica parado, o operador perde muito dinheiro. Quanto menor for o tempo de espera, menor é o custo de ancorar em Maputo. E quanto menor for o custo de parar no Porto de Maputo, mais atractivo se torna. O segredo para parar em menos tempo é a eficiência do Porto em terra. E, para isso, a nossa capacidade de manuseamento tem de ser elevada, daí a componente da infra-estrutura e o investimento em equipamentos e no nosso centro de formação.
O Porto de Maputo tem cerca de 2000 funcionários directos e 8000 indirectos. Novos investimentos vão aumentar substancialmente estes números
A dragagem de aprofundamento é outro elemento crucial, pois quanto maior for o navio, maior é a economia do ganho de escala. Por exemplo, se este puder carregar 100 mil toneladas, é mais vantajoso do que se carregar 50 mil toneladas. Quanto à complementaridade, vamos a um exemplo: a economia sul-africana exporta 70% do crómio consumido mundialmente, o que corresponde a cerca de 17 a 18 milhões de toneladas, e nós representamos 54% da produção. Ou seja, o Porto de Maputo, sozinho, exporta mais crómio do que todos os portos sul-africanos juntos. Quando a logística contribui para a formação de preço, os países têm de ter a coragem de encontrar as soluções logísticas que tornam a sua economia mais atractiva.
Em que medida o mercado terá mudado desde 2012? E para o futuro, o que se pode prever?
Naquilo que nos afecta directamente, a China é um factor determinante porque é para lá que nós exportamos essencialmente. E o preço dos produtos que exportamos (o carvão, o crómio, o vanádio, etc.) é afectado pelo comportamento daquela economia. Nos últimos 12 anos, a China teve um movimento muito acentuado, e isso faz com que nós também tenhamos de reagir, porque, no final de contas, na formação do preço, a componente logística tem o seu peso e faz com que os exportadores procurem cada vez mais soluções que lhes permitam exportar com eficiência e poupar custos. Temos de estar neste campeonato. Não basta que o Porto seja capaz, o País tem de acordar, a linha férrea tem de funcionar, a TRAC tem de entrar no campeonato. Temos de tomar medidas de forma integrada.
E como é que a dinâmica da actividade portuária se transmite para a economia no seu todo?
Pense nos CFM como accionistas do Porto em 49%. A empresa ganha nos resultados, porque nós pagamos rendas fixas e variáveis no negócio. Cinquenta por cento dos ganhos vão para os CFM e outros 50% vão para o Estado. O País ganha quando geramos resultados, pagamos impostos e geramos empregos. Por sua vez, as pessoas pagam impostos, taxas de segurança social, etc. Eu gostaria de fazer uma simulação que consiste em fechar o Porto por um dia, só para percebermos o impacto disso. Talvez assim, o diálogo comece a mudar.
Mas existe alguma plataforma, digamos, oficial, onde vocês se juntem todos para discutir os desafios e prioridades do Porto?
Existe uma plataforma que é uma conferência promovida pelo Porto de Maputo a cada dois anos. Somos o único privado no sistema logístico, tirando a TRAC, já que os CFM e a TRANSNET são empresas públicas, e a fronteira é do Estado. Por exemplo, sendo os CFM accionistas da MPDC, quando esta submete uma proposta de extensão, é porque a sua Assembleia Geral e o Conselho de Administração aprovaram. Logo, os CFM concordaram. Mas, como se isso não bastasse, o pedido formal de extensão foi assinado por mim e pelo então PCA dos CFM. Como empresa privada, não entramos nas discussões do Governo. Quem defende os nossos argumentos na sessão do Conselho de Ministros são os CFM, entidade pública que é accionista do Porto de Maputo.
Em relação à questão de articular melhor a fronteira, sente que existe uma vontade de todos em melhorar a situação?
Sim, existe. Há, inclusive, uma plataforma que usamos e que permitiu uma grande melhoria no movimento de carga na fronteira. E essa plataforma digital pertence à MPDC. Isto é, a plataforma que as alfândegas usam para a gestão da fronteira é da MPDC. É muito raro ter uma empresa privada a colocar uma plataforma à disposição de uma instituição com a cultura das alfândegas, e estas utilizarem-na. Muitas das mudanças de legislação, desde a remoção das taxas de importação temporária (que hoje são zero) à conversão da fronteira de 18 para 24 horas de funcionamento, à introdução da legislação de transshipping, foram iniciativas da MPDC. Então, não posso dizer que o Governo não nos ouça. Temos tido esta capacidade de passar os nossos argumentos, e eu acredito que nos ouvem porque conseguimos demonstrar que um bom funcionamento do Porto é igual a um bom funcionamento da economia do País.
No dia em que se afastar deste cargo, o que é que lhe vai dar muito gosto de dizer que deixou como legado?
É estranho uma pessoa da minha idade, ou com o pouco que ainda terei feito na vida, pensar em legado. Mas se tiver de deixar um Porto com pessoas comprometidas e que acreditam no sonho que nós estamos a construir… acredito que isso estamos a conseguir. O segundo legado era deixar um porto em que as mulheres têm igual direito à palavra. Não por serem mulheres, mas porque já não há obstáculos. E isso já conseguimos: a CEO desta casa é uma mulher, a financeira é uma mulher, a comercial é uma mulher, a autoridade é uma mulher. Não era assim em 2012. A minha ansiedade é na componente de projectos sociais. Eu gostaria, estando fora do Porto, de não saber nada do que acontece com a componente comercial, mas continuar orgulhoso da componente social.
Texto: Pedro Cativelos • Fotografia: MPDC