A solidariedade pode ser um factor crucial para se alcançar a sustentabilidade, num mundo onde cresce o número de pessoas que vive à margem da sociedade. Dar alimento, educação e emprego a quem necessita acelera o desenvolvimento socioeconómico. O Porto de Maputo dá um exemplo que vale a pena conhecer.
Em 2022, com o apoio do Porto de Maputo (através da Empresa de Desenvolvimento do Porto de Maputo, MPDC), nasceu o projecto Invisíveis, com o propósito de proporcionar oportunidades de trabalho e inserção na vida activa a pessoas que vivem à margem da sociedade, muitas já sem esperança, sequer, de recuperar a dignidade. Liderado pelas representantes da MPDC, Vanda Pereira e Soraia Abdula, o projecto criou um conjunto de soluções, em diversas áreas de actividade, que hoje dão relevo a pessoas que eram, de facto, invisíveis perante a sociedade.
O Invisíveis foi inspirado noutro projecto de cariz solidário, uma iniciativa denominada Kaya, que, em língua tsonga, falada no sul de Moçambique, significa lar. A iniciativa Kaya faz parte da plataforma solidária Makobo, criada por um jovem moçambicano, com a missão de dar conforto a grupos desfavorecidos. Os seus dinamizadores circulavam pelas ruas para oferecer refeições a pessoas necessitadas, na cidade de Maputo, sobretudo à população sem-abrigo.
A iniciativa foi interrompida em 2020, devido às restrições impostas para travar a pandemia de covid-19. Nesse momento crítico, a equipa da MPDC ofereceu um dos seus espaços, permitindo a continuidade da iniciativa, respeitando as condições de segurança a que a pandemia obrigava. Ao ver de perto o que se fazia no âmbito do projecto Kaya e ao ouvir as histórias dos beneficiários, os responsáveis da MPDC desenharam formas de apoio adicional, dando origem ao programa de solidariedade Invisíveis.
Mais oportunidades, novos horizontes
Os beneficiários do programa Kaya passaram a dispor de novas oportunidades para refazer a vida. Numa primeira fase, 30 pessoas foram integradas no Invisíveis. A maior parte era composta por vendedores ambulantes que viviam nas ruas de Maputo, incluindo os que se deslocaram de outras províncias, à procura de emprego. Na primeira oportunidade que o MPDC teve para participar no Moçambique Fashion Week 2022 apresentou os integrantes do projecto: doze tiveram a oportunidade de desfilar na passerele. De desconhecidos, estes beneficiários passaram a ser notados pela sociedade de maneira positiva.
Uma das características do projecto Invisíveis é que não fornece apenas ajuda urgente, mas, principalmente, novas oportunidades e perspectivas de vida
A participação no desfile de moda foi o ponto de partida para um compromisso mais profundo por parte da MPDC, que decidiu oferecer mais apoios, incluindo acompanhamento psicológico para os integrar no mercado de trabalho tradicional. Assim, duas empresas parceiras do Porto ofereceram cursos básicos a preços bonificados nas áreas de refrigeração, electricidade, massagens e depilação. A MPDC financiou os custos da formação e forneceu ‘kits’ de auto negócio. No final dos cursos, os participantes passaram a ter novas perspectivas de vida. O projecto ofereceu também uma bolsa de estudos para o membro mais jovem, já com escolaridade, enquanto outros foram contratados como estagiários pela MPDC, iniciando uma jornada de reintegração.
Uma das características do projecto Invisíveis é que não se resume apenas a fornecer ajuda urgente, que acaba por ser transitória. Oferece, principalmente, novas oportunidades e perspectivas de vida, com o propósito de restaurar a dignidade daqueles que foram muitas vezes esquecidos. É um testemunho inspirador de como a comunidade pode unir-se para criar mudanças reais e duradouras. Reconhecendo que a MPDC não pode proporcionar empregos ou estágios para todos, o projecto procura expandir o apoio, além dos sectores em que já deu formação. Comprometidos em envolver outras empresas e parceiros sociais, a ideia é que o projecto alcance autonomia, tornando-se sustentável e capaz de acolher diversos grupos ao longo do tempo.
Vidas transformadas
Emocionada, Yolanda Nevas contou à E&M como a sua vida mudou. Recordou os dias em que vivia nas ruas, a receber refeições através do Kaya. Yolanda beneficiou da formação em electricidade e refrigeração e a MPDC ofereceu-lhe um estágio no Porto de Maputo, onde está actualmente empregada, tal como outros três beneficiários do projecto.
“Naquela época, eu era uma mulher da rua, enfrentando dificuldades, mas tudo mudou quando entrei neste projecto. Deu-me um trabalho digno, mas também me ensinou a ser mais responsável, a ser dona de mim mesma”, testemunhou. A forma como Yolanda enfrenta cada dia mudou. “Agora, consigo levantar-me cedo, ir para o trabalho e, no final do dia, voltar para casa e ficar com as crianças. É uma transformação muito grande. Eu aprendi que sou capaz de fazer muito mais do que imaginava. Não tinha a esperança de aprender tantas coisas e de me tornar na pessoa que sou hoje”, revelou.
Carlos Francisco Félix, 43 anos, vivia de biscates, alguns dos quais muito duros. Carregava todo o tipo de mercadorias, arrumava sacos de arroz em porões dos navios e movimentava gelo em navios de peixe, uma experiência que hoje classifica como dolorosa. Hoje, trabalha na área da electricidade. “Já levo sete meses de estágio no Porto de Maputo e sinto-me muito feliz por tudo o que aconteceu. Tudo começou com uma oportunidade de formação e agora consigo realizar as tarefas designadas pelos meus instrutores. Não imaginava poder alcançar este ponto na minha vida”, testemunhou.
Artur Arlindo Bila, de 19 anos, é o membro mais jovem do projecto Invisíveis. Durante a pandemia, em 2020, com o encerramento da escola, partiu da província de Gaza para Maputo à procura de trabalho. Incapaz de encontrar emprego, Artur teve de viver nas ruas, a vender pacotes de comida rápida e pipocas para se sustentar. Hoje trabalha como estafeta numa empresa, depois de ter passado pela formação do Invisíveis. Diz que a oportunidade que recebeu foi crucial para conseguir um emprego, mesmo sem documentos de identificação e sem morada. A MPDC facilitou a viagem de volta a Gaza, para recuperar os documentos perdidos, e o regresso à capital. Artur reconhece a importância da educação e procurou a ajuda da MPDC para voltar à escola. “Participar neste projecto mudou a minha vida. Deixei de ser ambulante. Conheci pessoas boas: uma delas acolheu-me em casa, quando eu não tinha nada”, revelou, reconhecendo que a sua transformação deixou a vida mais fácil e fê-lo recuperar a esperança num futuro melhor.
Texto Filomena Bande • Fotografia Mariano Silva