Grandes marcas estão a investir cada vez mais em Inteligência Artificial (IA), considerando o seu papel transformador para o futuro do trabalho. Mas o que realmente muda com a IA nas empresas? Fique por dentro de parte deste mundo com Ricardo Parreira, CEO da PHC Software.
A PHC Software é uma multinacional de origem portuguesa dedicada ao desenvolvimento de software de gestão. Fundada em 1989, conta com mais de 200 colaboradores e mais de 400 parceiros certificados. Ultrapassou a fasquia dos 35 mil clientes, espalhados por 25 países, e mais de 150 mil utilizadores de software. A PHC tem escritórios em Lisboa e Porto (Portugal), Madrid (Espanha), Lima (Peru), Luanda (Angola) e Maputo. A empresa entrou em Moçambique no ano 2000 e tem estado a crescer neste mercado: no último ano, as vendas aumentaram 40%, a equipa duplicou e a rede de parceiros expandiu-se, passando a cobrir todo o País.
A PHC Software apresentou, recentemente, uma assistente virtual denominada “Cris”. Trata-se de um tipo de IA generativa para gestão empresarial, que pode auxiliar no fluxo de trabalho diário, tanto nas áreas de compilação e análise de dados, como no preenchimento de formulários. A ferramenta é também capaz de criar soluções automáticas, feitas à medida de cada equipa, e abre um mundo de eficiência acrescida aos gestores, adaptada à realidade de cada organização. É sobre esta mais-valia tecnológica que fala o CEO da PHC Software, Ricardo Parreira, lançando um olhar sobre os impactos que a evolução das soluções de IA irão trazer para a transformação das empresas, das pessoas e da economia.
Quais são as diferentes utilidades da IA generativa? Quais as aplicações específicas e a relevância para os utilizadores, quer empresas, quer particulares?
A IA generativa talvez esteja entre as tecnologias com mais impacto para as empresas, desde sempre, porque grande parte das tarefas desempenhadas com base no conhecimento das pessoas pode ser muitíssimo ampliada. É nisso que nós acreditamos: as pessoas podem fazer outras coisas, podem dedicar-se àquilo que fazem muito bem feito. Nós apresentámos dois estudos, um feito pela Harvard Business School e outro pelo MIT [Massachusetts Institute of Technology], a mostrar que, em determinadas tarefas, podemos ser até 37% mais rápidos e 40% melhores na execução de tarefas.
Concretamente, em Moçambique, como é que esta tecnologia pode ser capitalizada, olhando para as características das empresas e do País?
A empregabilidade é um dos grandes fantasmas que surgem quando se fala de IA. Creio que sempre foi assim com as tecnologias disruptivas. Quando vieram os computadores também se dizia, na altura (anos 1960 e 1970), que imensas pessoas iam perder o emprego, porque só estavam a “carimbar o papel”, todo o dia. No entanto, os computadores criaram muito mais empregos. Quando veio a Revolução Industrial, também se dizia que ia acabar com os empregos, mas, no final, foram criados muito mais. Acredito que, com a IA, também vão surgir muitos empregos e os actuais vão ser mais bem executados. Eu costumo dizer que não é a IA que vai destruir os empregos. De certeza que, se alguém perder o emprego, será para alguém que domina a IA. Espero que haja uma forte concorrência no mercado e que este não fique nas mãos de meia dúzia de empresas, a exemplo do domínio, neste momento, do Chat GPT [ferramenta de IA da OpenAI].
Mas a IA também apresenta imprecisões que têm suscitado cuidados redobrados por parte das empresas. Refiro-me, por exemplo, à probabilidade de produzirem informação ou respostas erradas, que pode levar as organizações a decisões e resultados indesejados. Qual é o real grau de risco?
A IA ainda está a dar os primeiros passos e os motores, por vezes, têm “alucinações”. Ou seja, de repente, dão uma informação totalmente errada, mas com todos os argumentos bem escritos. Portanto, nós temos de ter muito cuidado para não assumirmos que se trata de uma plataforma que detém a absoluta verdade, mas que é apenas uma ferramenta que pode ser útil nas nossas actividades, enquanto seres humanos. Outro tema muito interessante quando se fala de IA está relacionado com as fontes. Muitos dos sistemas actuais já estão a trabalhar para revelar as fontes de pesquisa imediatamente, ou seja, para que o sistema dê três ou quatro respostas e diga as fontes. Estes sistemas aprenderam com conteúdo da Internet que, na maior parte dos casos, foi criado no mundo ocidental. Logo, o enviesamento é fortíssimo. Por outro lado, chama-se GPT [Generative Pre-training Transformer] porque foi ‘pré-treinado’, ou seja, houve humanos a indicar quais as respostas mais acertadas. Se esses humanos foram tendenciosos, é inevitável que a IA também seja. Por essa razão, eu uso muito pouco a IA para questões políticas, mas do ponto de vista da gestão, ainda não apanhei grandes enviesamentos.
“Não é a IA que vai destruir os empregos. Se alguém perder o emprego, será para outra pessoa que domina a IA. Espero que haja uma forte concorrência no mercado”, Ricardo Pereira
Esta ferramenta também é muito útil para o mundo da contabilidade, que acredito que vai evoluir radicalmente nos próximos anos. No nosso software, se pedir uma demonstração de resultados dos últimos três anos, o ChatGPT vai dizer onde é que as coisas estão a correr bem, como é que está o fundo de maneio, por exemplo, como é que os números estão a evoluir e porquê.

Como é que a PHC tem lidado com a protecção de dados no acesso à IA?
Nós usamos um sistema de segurança desenvolvido pela Microsoft, porque esta marca percebeu que o tema continua a ser o obstáculo número um à adopção da IA. Portanto, eles prepararam toda a tecnologia para proteger os dados. No nosso caso, enquanto PHC, não comunicamos directamente com o ChatGPT, passamos primeiro pela Microsoft, que trabalha os dados no sentido de a IA não usar os dados para treino e não os conservar com identificação de origem. Eu costumo dizer que esta é a tecnologia com a maior campanha de marketing da história, mas parece-me que se fala mais dos problemas de privacidade, segurança ou de isto poder acabar com o mundo, do que se fala de benefícios e exemplos espectaculares do que se pode fazer. Entretanto, reconheço que é imprescindível, inevitável e urgente a regulação. Os governos não podem abdicar de participar nisto. Nós não votámos nas empresas tecnológicas para definirem o nosso futuro, mas sim nos governos. A própria OpenAI [proprietária do ChtGPT] já suscitou, junto do congresso americano, a urgência da regulação. A União Europeia já está muito perto de a ter, a China foi a primeira a regulamentar, mas os Estados Unidos ainda estão um pouco longe, embora muito preocupados.
O que é que a PHC oferece para as empresas e outros utilizadores dos seus sistemas de IA?
Desenvolver um ChatGPT é algo que só está ao alcance de uma empresa com um nível de financiamento gigantesco, a OpenAI, que foi quem desenvolveu a ferramenta e contou com mais de mil milhões de dólares de financiamento, só da Microsoft. Neste momento a OpenAI tem já dois milhões de empresas a usar o software deles e nós somos uma dessas. Usamos um sistema de segurança de dados da Microsoft, que se chama Azure AI, para proteger a confidencialidade dos dados das empresas, e embutimos o ChatGPT dentro do nosso software porque, para ser realmente eficaz, a IA precisa de informação. A combinação do software de gestão com a IA é explosiva.
“Moçambique está bem posicionado como potência para fornecer uma fonte de energia de transição, o gás. Mantenho a visão de que o País está numa posição brilhante para se sair bem”
Nós embutimos IA generativa dentro do nosso software, onde há dados, e o utilizador pode pedir ajuda, pode fazer perguntas, pode pedir para executar diversas tarefas, entre outras funcionalidades. Lançámos o nosso sistema, aqui em Moçambique, a 28 de Setembro de 2023 e está disponível para os nossos milhares de clientes. Temos um sistema integrado, dentro do nosso software, para fazer maravilhas. Agora, temos também um software de gestão do capital humano, onde podemos colocar avaliações de desempenho. Cada pessoa pode receber a sua avaliação, saber quais são os seus pontos fortes e pontos fracos. Pode ficar a saber como tratar dos pontos fracos. Entre as várias funcionalidades, posso, por exemplo, tocar num botão e solicitar que me faça um e-mail para cobrar a um certo cliente. Vamos supor que já não há paciência para esse cliente, que é mesmo difícil que ele pague. Então, podemos mudar o tom. Só preciso de dizer ao software para mandar uma mensagem num tom mais sério. A IA escreve tudo, em cinco segundos, e sem estar irritada ou ser mal-educada.
Qual a possibilidade de sucesso nesta área, em Moçambique?
A primeira sensação que eu tive em Moçambique foi de uma imensa curiosidade e entusiasmo, embora estivesse à espera de sentir mais medo. Noutros países senti mais medo do que entusiasmo. A curiosidade também está muito relacionada com o facto de as pessoas terem uma sensação de que aquilo serve realmente para alguma coisa, mas ainda lhes faltam os casos práticos. E assim, com este entusiasmo que há em Moçambique, consegue-se perceber melhor o valor dos sistemas de IA. As pessoas e empresas querem aproveitar melhor o que é possível fazer. Para melhor uso destas ferramentas pelos clientes, damos formação e certificação e estamos a treinar os parceiros para que também eles estejam preparados para treinar os clientes, porque esse é um ponto-chave. Nós só vendemos através de parceiros. Podemos alterar o software, configurando-o para as necessidades específicas do cliente. Toda esta utilização da IA generativa está dentro deste contexto que eles podem usar. As pessoas podem automatizar as mais diferentes tarefas.
Esta é uma área disruptiva e acredito que ainda não haja muita concorrência. Mas vai surgindo: como é que isso muda o cenário para vocês?
Eu acho que este momento vai ser de uma mudança radical para o nosso negócio. Era óbvio que a tecnologia é diferenciadora, mas essa realidade vai sendo explosiva. Daqui a um ano ou dois, empresas que não usam IA generativa vão ficar para trás, porque, na teoria da inovação, há sempre os early adopters, que são os primeiros. Acho que essa curva de inovação vai ser muito acelerada – e estamos ainda com uma utilização muito básica. Eu acho que vêm aí coisas muito interessantes. Uma delas é o conceito de agentes. Já há empresas inteiras e alguns CEO que são IA. Portanto, acredito que vai haver, desse ponto de vista, muitas oportunidades.