A empresa africana de matérias-primas ETG está a tentar impedir o envio de cerca de 60 milhões de dólares em ervilhas e outros alimentos de Moçambique, depois de acusar as autoridades de ajudarem um comerciante local a confiscar ilegalmente os seus bens.
Segundo um artigo publicado pelo jornal Financial Times, na quarta-feira, 17 de Janeiro, o grupo sediado nas Maurícias está a tentar impedir a exportação de bens apreendidos pela empresa moçambicana de comércio de produtos alimentares Royal Group, numa altura em que se agrava uma disputa de longa data entre as duas empresas.
Mahesh Patel, presidente da ETG, escreveu ao Presidente Filipe Nyusi, no mês passado, solicitando a sua intervenção sobre o que caracterizou como “roubo generalizado e expropriação da nossa propriedade pelo Grupo Royal Limitada, utilizando indevidamente agências estatais”, numa carta vista pelo Financial Times.
A CMA-CGM, companhia de navegação sediada em Marselha que vai transportar as mercadorias, não respondeu a um pedido de comentário. O Royal Group não forneceu uma resposta para publicação quando contactado para comentar. A Presidência de Moçambique não respondeu a um pedido de comentário.
A caracterização da apreensão feita por Mahesh Patel pode reacender as preocupações sobre a corrupção em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, que ainda é assombrado pelo escândalo de fraude dos “títulos do atum”, no valor de dois mil milhões de dólares, na década passada.
O ETG é um dos maiores e mais antigos comerciantes agrícolas de África. Os accionistas internacionais do grupo incluem a empresa japonesa Mitsui, a Corporação de Investimento Público da África do Sul, que é a maior gestora de fundos do continente, e a empresa química Sabic da Arábia Saudita.
“Em 40 anos de operações em África, nunca assistimos a actos tão malignos e prejudiciais como este”, afirmou a ETG, acrescentando que estava a pedir “uma cessação imediata das hostilidades e a libertação dos seus bens”.
A maior parte das exportações de feijão bóer de Moçambique destina-se à Índia, o maior consumidor e produtor mundial da leguminosa rica em proteínas. No entanto, a baixa precipitação nas regiões de cultivo no país asiático nos últimos anos afectou a produção local deste alimento básico.
A Índia precisará de importar 1,2 mil milhões de toneladas no ano agrícola que termina em Março deste ano, contra os 900 milhões de toneladas do ano anterior, de acordo com as estimativas do Governo. Moçambique fornece cerca de metade das importações de feijão bóer da Índia, normalmente provenientes de agricultura de pequena escala.
Os analistas dizem que as exportações agrícolas de Moçambique têm sido frequentemente objecto de interferência política por parte de membros da Frelimo, o partido no poder em Moçambique.
O Financial Times explica que a disputa entre a ETG e a sua rival local remonta a 2022, quando o Royal Group acusou os concorrentes de informarem incorrectamente as autoridades indianas de que a empresa tinha certificado falsamente um carregamento de alimentos no valor de mais de 60 milhões de dólares como livre de produtos geneticamente modificados.
Todos os concorrentes resolveram o caso, excepto a ETG, que desde então tem lutado nos tribunais moçambicanos contra ordens de apreensão dos seus bens como parte de uma reclamação de 60 milhões de dólares contra a empresa.
Depois de o sistema de tribunal civil ter decidido a favor da ETG, o Royal Group lançou um processo criminal em Moçambique no mês passado, que levou à detenção de um funcionário da ETG, que foi libertado sob fiança, e que permitiu novamente a apreensão de bens.
Imagens de drones e fotografias analisadas parecem mostrar mercadorias a serem transferidas dos armazéns da ETG para camiões e levadas para outras partes do porto de Nacala este mês.
Os credores da ETG, como os bancos de desenvolvimento regional, estavam “profundamente preocupados com a apreensão em Moçambique porque grande parte do produto roubado das nossas instalações foi garantido a seu favor, pelo que também têm um interesse directo”, disse Mahesh Patel na carta a Filipe Nyusi.
O feijão bóer moçambicano vendido em Bombaim atingiu preços de 8300 rupias (100 dólares) por 100 kg na semana passada, um aumento de 4% em comparação com a semana anterior, no meio de uma procura crescente por parte dos moleiros e de uma oferta limitada.
Bimal Kothari, presidente da Associação de Leguminosas e Cereais da Índia, citado pelo jornal Financial Times, disse que um comerciante de feijão bóer em Moçambique estava a tentar monopolizar o comércio de exportação para a Índia, com o objectivo de fazer subir os preços, sem, no entanto, referir nomes.
“O Governo moçambicano conhece a situação e, apesar disso, está a ceder à prática totalmente corrupta”, disse, acrescentando que a Associação pediu ao Governo indiano que suspendesse as importações de feijão bóer moçambicano em resposta.
Esta suspensão pode fazer subir os preços da leguminosa no país, acrescentou Kothari, mas “mesmo que haja escassez e Moçambique pudesse ter ajudado, não o queremos a este custo. Não queremos que nos façam de reféns”.