A Deloitte aponta Moçambique como “um excelente exemplo do paradoxo energético de África: apesar dos seus vastos recursos energéticos, a pobreza e o défice de acesso à energia prevalecem a níveis extremos”. Vamos aos números deste antagonismo
As contas estão feitas no estudo “2023 Africa Energy Outlook”, segundo o qual se estima que o País tenha capacidade para gerar “mais de 187GW de energia”, representando “um dos maiores potenciais de produção de energia por explorar na África Austral”, através de recursos renováveis e de transição, como fontes eólicas, solares, hídricas e de gás natural – além de reservas de carvão, mas essas, comprometidas com altas emissões de carbono. O potencial está aí, há muitas décadas, mas Moçambique continua entre os mais pobres, globalmente, no acesso à electricidade: a Deloitte nota que só 40% da população tinha acesso à rede em 2022 (e apenas 4,5% da população rural em 2020). Da mesma forma, apenas 5% da população tem acesso a combustíveis de cozinha limpos.
O contraste é evidente e tem consequências do ponto de vista económico. O acesso precário à energia do País tem dificultado o desenvolvimento, com Moçambique a ocupar a 181.ª posição entre 189 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), permanecendo como um dos países mais pobres do mundo.
A fragilidade energética de Moçambique pode ser superada “através de energias renováveis, com a concretização do potencial em gás natural – como combustível de transição – e promovendo o acesso a fontes de energia limpas para cozinhar”, travando a desflorestação e acelerando a economia, assinala a Deloitte. Estas ideias traduzem-se numa vasta carteira de projectos, à espera de investidores. A barragem de Mphanda Nkuwa é um dos mais recentes exemplos. Os leilões de parques solares têm atraído atenções. E a lista continua, num rol que depende também da promoção de um ambiente de negócios capaz de convencer quem olha para o globo com intenção de investir.
O Plano Estratégico para a Energia 2030
A meta das autoridades moçambicanas é duplicar a capacidade de produção até 2030. O plano governamental visa alavancar o potencial hidroeléctrico de Moçambique, de mais de 12GW, com o rio Zambeze como pano de fundo. O País quer investir mais de seis mil milhões de dólares em grandes projectos como Cahora Bassa Norte e Mphanda Nkuwa, olhando para a vizinha África do Sul como mercado-alvo chave – e com a África do Sul a poder encontrar no parceiro moçambicano uma solução para a sua crise energética. A falta de centrais eléctricas pode ser colmatada com a produção em Moçambique.
O País quer investir mais de seis mil milhões de dólares em grandes projectos como Cahora Bassa Norte e Mphanda Nkuwa, olhando para a vizinha África do Sul como mercado-alvo chave
Outras oportunidades renováveis incluem o potencial solar inexplorado. Até 2022, foram estabelecidos 125MW de centrais solares através de Parcerias Público-Privadas (PPP), com 60MW já ligados à rede, nota a Deloitte. Até 2040, Moçambique pretende ter 20% da sua energia gerada por recursos solares e eólicos através de recursos estratégicos, investimentos em projectos como o parque solar de Cuamba II (20MW) e os ventos dos parques de aero geradores de Inhambane e Namaacha (170MW combinados).
Ainda o gás natural. Mas quando?
No entanto, prevê-se que a expansão mais substancial do cabaz energético do País seja suportada pelo gás natural. Mais uma vez, o gás. A concretização dos projectos do Rovuma (Cabo Delgado) é esperada desde as descobertas mais significativas, há uma década. Quando é que o País será a prometida potência internacional de gás? “Os investimentos em gás natural já em curso poderiam fazer de Moçambique o terceiro maior produtor na África Subsaariana e trazer 100 mil milhões de dólares em receitas para o País”, refere a consultora.
A Deloitte avalia de forma positiva novos regulamentos, como o Acesso à Energia em Áreas Fora da Rede, documentos que “devem ajudar a alcançar os objectivos de electrificação”
Afinal, é o gás natural que tem o potencial “para se tornar num dos recursos energéticos mais procurados e valiosos do mundo” e “reduziria a dependência do País” por combustíveis líquidos, impulsionando definitivamente o crescimento económico e reforçando “a sua capacidade de exportação de energia”. Até 2030, Moçambique prevê que cerca de 44% do total da sua electricidade venha de centrais a gás natural
Alerta: reforçar a capacidade institucional
O cenário traçado pela Deloitte assenta no programa Energia para Todos, complementado pela Estratégia Nacional de Electrificação. “No entanto, a Nação deve considerar reforçar as suas capacidades institucionais e melhorar o seu quadro jurídico, para utilizar eficazmente os seus recursos e executar o desenvolvimento planeado de infra-estruturas energéticas”, destaca. A Lei da Electricidade, recentemente aprovada, “é um passo na direcção certa: esta legislação simplifica os processos de licenciamento e concessão de projectos de produção de electricidade, em especial, fora da rede (até 10MW)”.
A Deloitte avalia, igualmente, de forma positiva, novos regulamentos, como o Acesso à Energia em Áreas Fora da Rede, documentos que “devem ajudar a alcançar os objectivos de electrificação no âmbito do programa Energia para Todos nas áreas rurais, atraindo investimentos privados através de mini-redes e outras soluções fora da rede”. A concretizar-se, “a implementação destes planos reduziria, provavelmente, os custos de energia dos moçambicanos, aumentaria a participação do sector privado na produção de energia e tornaria o país mais atraente para os investidores”, conclui.
Texto Redacção • Fotografia D.R.