Esta é a história da criação de círculos de mulheres numa era de mudanças climáticas. Este capítulo conta a história de cinco mulheres moçambicanas que, preocupadas com a gestão de resíduos sólidos, juntaram-se para desafiar estereótipos de género e contribuir para a sustentabilidade do ambiente e da sociedade.
Não é dado novo que o combate às mudanças climáticas e iniciativas ligadas à gestão dos resíduos sólidos desempenham um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável e na melhoria da qualidade de vida da população de qualquer país. Mas é particularmente interessante constatar que esta actividade é realizada maioritariamente por homens, sendo, em muitos casos, um trabalho marginalizado.
Trata-se de um conjunto de tarefas que exige mais do que força física, e a participação das mulheres é um exemplo de como a diversidade de género enriquece o sector e ajuda a enfrentar os desafios ambientais. O seu envolvimento também impulsiona a inclusão social e económica, criando um impacto positivo nas comunidades e no ambiente.
Sustentabilidade reflectida na igualdade
A Gaia Consulting, uma empresa especializada em economia verde, economia azul e sustentabilidade, adopta uma abordagem única. Para além do seu foco em consultoria nessas áreas, a empresa promove iniciativas de impacto social e ambiental com foco em questões de género. Em 2023, desenvolveu a primeira iniciativa climática que abrange as áreas de economia azul, energias renováveis e economia circular, criando um círculo de mulheres. Esta ação não só identifica oportunidades e sinergias, mas também inspira inovações para o sucesso destas mulheres e o avanço no desenvolvimento sustentável do País.
Dentro do vasto horizonte da economia circular, o círculo de mulheres reconheceu que a base de qualquer iniciativa deve ser a capacitação. Um diagnóstico revelou a carência de formações práticas nas áreas em Moçambique, incapazes de atender às demandas do grupo. Diante deste desafio, a Gaia tomou a frente e estabeleceu uma colaboração significativa com a empresa Sombras Matsinhe para a implementação da primeira iniciativa.
“O círculo de mulheres, cultivado com carinho pela Gaia, não é apenas um símbolo de progresso, mas uma força viva alinhada com o ODS 5 – Igualdade de Género. O percurso da Gaia foi marcado por redes de mulheres que tem o mesmo objectivo. Nestes círculos de mentes brilhantes, estamos a tecer um futuro onde a equidade floresce, guiando-nos em direcção a um mundo onde todas as mulheres têm espaço para prosperar e liderar. Os homens estão ao nosso lado nesta batalha. Isto representa um princípio de igualdade.” – Mayra Pereira
A cooperação entre as cinco mulheres da Gaia e da Sombra Matsinhe consistiu numa formação intensiva, com oportunidade para ver e vender o trabalho completo de reciclagem
A Sombra Matsinhe, estabelecida em 1991 com expertise em materiais para cobertura, emergiu como uma força transformadora. Durante a adversidade do COVID-19, lançou o inovador projecto Sr. Lixo, dedicado à gestão de resíduos sólidos. Actualmente, recebe diariamente entre dez a 12 toneladas de resíduos de diversas empresas, os quais são habilmente transformados em novos materiais nas suas instalações. Vale ressaltar que a Sombra Matsinhe é mais do que uma empresa; é uma comunidade que reconhece o valor e o potencial das mulheres. Ao empregar um número significativo de mulheres, a empresa não apenas se destaca como um exemplo de igualdade de oportunidades, mas também promove o empoderamento feminino.
“Podemos pensar na gestão de resíduos sólidos como um factor ínfimo, mas temos de aproveitar aquilo que temos, porque muitas vezes destruímos o nosso ambiente com o que consideramos ser lixo. Mas são materiais que podem ser reaproveitados”, explicou Alda Panguene, representante da Sombra Matsinhe.
O círculo de economia circular e o seu impacto
A 29 de Setembro, abriu as portas para um grupo de mulheres empreendedoras, que também procuram, através desses resíduos, desenvolver os seus próprios modelos de negócio. Nas instalações da Sombra Matsinhe, as cinco mulheres tiveram uma formação intensiva, com oportunidade para ver e fazer o trabalho completo de reciclagem, desde a recepção e selecção do material recolhido até ao processamento final. Letícia Meque, fundadora da Ek’ORERA Ambiente, uma startup dedicada à transformação de plásticos em produtos resilientes de construção, conta a sua experiência. “Tive a oportunidade de estar um dia inteiro na SM, ver toda a cadeia da economia circular, desde a chegada dos resíduos até à sua transformação em várias matérias-primas para a produção de outros materiais. Saio daqui com ferramentas para a iniciativa que estou a desenvolver e criar parcerias com outras participantes”, revelou. Para Letícia, um dos ganhos foi poder desenvolver um protótipo de material de construção resiliente, depois de ver o processo de reciclagem de vidro e plástico. “Isto significa que podemos criar uma aliança e, juntos, fazer testes para ter um produto de qualidade”, afirmou.
E porque a área de gestão de resíduos é vasta, Márcia Dima, fundadora de uma startup produtora de compostos orgânicos, biofertilizantes e insecticidas, denominada N’toko Organic, também fez parte deste círculo de mulheres. “Sendo a N’toko uma empresa em crescimento, para efectivação da economia circular, a aprendizagem permitirá caminhar firmemente em prol da sustentabilidade”, frisou. Outra das cinco mulheres que estiveram envolvidas neste processo é Lourdes Waty, fundadora da Zero Waste Moz, empresa que se dedica ao processamento de resíduos orgânicos e biodegradáveis. Segundo Lourdes, os resíduos orgânicos não são tão discutidos quando se fala em reciclagem, mas têm um impacto enorme, pois apesar de se degradarem rapidamente, se o processo não acontecer em condições ideais, geram altas emissões de dióxido de carbono e, consequentemente, contribuem para o aquecimento global. “Assim, com a nossa actividade, diminuímos os custos de gestão de resíduos e as emissões para a atmos fera, ao mesmo tempo que ajudamos a contribuir para uma cidade mais limpa”, testemunhou.
Na visita ao projecto Sr. Lixo, a fundadora da Zero Waste revelou que, além de sair da sua zona de conforto, ficou a saber mais sobre o processo de reciclagem de outros resíduos, recolhendo dados de outras experiências no tratamento de resíduos biodegradáveis. Deolinda Guila, representante do projecto de reciclagem Mãos Hábeis, que se dedica à recolha, tratamento e reaproveitamento dos resíduos sólidos para produzir diversos adereços para eventos, também participou na capacitação. Afirma que o pouco conhecimento da sociedade sobre a importância da separação do lixo impulsionou- -a a criar o projecto, que conta com sete colaboradores, dos quais cinco mulheres. O projecto tem na agenda de prioridades formar mulheres no uso de ferramentas para produção, venda e montagem nas áreas de decoração de eventos sociais, com recursos próprios, produzidos através dos resíduos reciclados e com mão-de-obra local feminina.
Para Ornília Faife, fundadora da Enviroworks Soluções Ambientais, uma empresa especializada na área de limpeza geral, pós-obras, desinfecção, recolha de resíduos sólidos, controlo de pragas, jardinagem e fornecimento de consumíveis de copa e casas de banho, foi muito produtivo participar nas actividades realizadas no projecto Sr. Lixo. “Vamos consciencializar os nossos trabalhadores e clientes a fazerem uma melhor gestão de resíduos sólidos, porque todo o lixo tem valor”, realçou.
A gestão dos resíduos sólidos é um domínio que pode ser enriquecido com a participação de mulheres ao lado dos homens. Ambos os géneros têm papéis importantes a desempenhar na promoção de práticas sustentáveis de gestão de resíduos. A visão do círculo de mulheres é ampliar suas fronteiras, assegurando que mais mulheres tenham acesso a oportunidades e recursos de maneira justa e equitativa, reconhecendo e abraçando suas diversas necessidades e circunstâncias. Este é um compromisso inspirador em construir um futuro onde a igualdade floresça para todas as mulheres, cultivando um terreno onde cada uma possa alcançar seu pleno potencial.
Texto Ana Mangana • Fotografia Mariano Silva