Para realizar uma transição energética completa em Moçambique, em todos os sectores de actividade, podem ser necessários 80 mil milhões de dólares – uma estimativa calculada a partir da experiência de outros países. Só uma pequena parte deverá ser apoiada por fontes tradicionais e o País preciso de abrir caminho por entre novas formas de financiamento climático. A cimeira do clima COP28, que, por estes dias, tem centrado atenções, é a plataforma em que a Associação Moçambicana de Energias Renováveis (AMER), presidida por Ricardo Pereira, espera colher frutos.
Pouco antes da partida para o Dubai, palco da COP28, cimeira do clima organizada pelas Nações Unidas, Ricardo Pereira explicou à E&M em que medida a grande reunião é importante para fazer cumprir a agenda nacional no quadro da transição energética, na óptica da expansão das renováveis. É uma das plataformas que permite encontrar intervenientes chave de todo o globo, apresentar planos convincentes e dar voz às aspirações de Moçambique – que está entre os que menos emitem gases com efeito de estufa, mas mais sofrem com as consequências. A COP28 é um ponto de partida para a estratégia ser bem-sucedida, a bem do País… e do planeta.
De que forma a AMER chegou à COP28?
A participação da AMER é facilitada pela GLA – Global Lighting Association, focada na expansão de energia fora da rede e no acesso a energias renováveis pelas populações rurais. O outro parceiro é a Global Renewables Alliance (aliança de várias associações ligadas às energias renováveis). São entidades europeias que concentram a vontade de levar associações africanas para o diálogo, vendo que o futuro das renováveis está em África. Também fomos convidados pelo Ministério dos Recursos Minerais e Energia (Mireme) para fazer parte da sessão em que participa o Presidente da República. Isto além de um painel promovido pelo Fundo de Energia (FUNAE), sobre a transição energética.
A participação da AMER na COP28 tem por base, por um lado, o alargamento da nossa rede de contactos e, por outro, a intervenção em sessões de promoção de fontes renováveis. A AMER tem também muito interesse no financiamento climático, que está muito ligado à transição
energética.
A transição energética está sempre presente, mas há financiamento?
Temos como missão procurar mais financiamento, tentar ao máximo estar em sessões da designada “zona azul”, o que é bastante importante para ter acesso a outros governos, outras delegações e muitos financiadores. Há esta parte da negociação, que é muito importante, mas interessa-nos muito o Global Stock Take (GST), um balanço global da ONU para acompanhar e avaliar a implementação das metas do Acordo de Paris no longo prazo. Esta é a primeira vez que será gerado um relatório para o qual todos os países terão de contribuir com métricas e, assim, percebermos qual o ponto de situação, o patamar em que nos encontramos em relação à implementação do Acordo de Paris. Tudo aponta para um cenário em que estamos péssimos, pois um dos maiores compromissos, em 2015, foi de manter, até 2032, uma temperatura média que não passasse de 1,5 graus Celsius, o que significa que já vamos muito mal.
“O que importa neste momento é saber exactamente onde estamos, porque outro irá definir o nível de esforço e a trajectória que temos de tomar”, Ricardo Pereira
Foi acordado um investimento de 300 mil milhões por ano para a transição energética e, até agora, andamos nos 0,3%. O financiamento global para esta transição são quatro triliões e só temos 600 mil milhões disponíveis. Logo, estamos a falhar em todas as métricas que nos levariam ao caminho certo.
Que visão tem sobre o funcionamento da COP e a sua importância?
A COP consiste numa série de conferências anuais realizadas ao abrigo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC). A primeira COP ocorreu em 1995. Estas reuniões congregam representantes de governos, organizações não-governamentais e especialistas, para discutir medidas globais no sentido de combater as mudanças climáticas. Podemos dividir a COP em duas partes: a primeira centra-se na questão de negociações e a segunda na agenda de acção liderada pelas presidências. Penso que a importância da COP reside nas negociações em que as decisões são impulsionadas pelo consenso. A COP tem uma função crítica de servir de arena principal para estabelecer políticas públicas. O resultado destas negociações é o texto de decisão que todas as partes concordam subscrever.
A presidência da COP lidera a chamada agenda de acção, cujo papel é o de garantir que aquilo que está a ser discutido na mesa das negociações esteja ligado à economia real, promova a inovação, olhando para soluções viáveis e alimentando o processo de negociação, garantindo que existem pioneiros cruciais, tanto nos sectores público como no privado.
Olhando às metas que têm ficado por alcançar, em termos de protecção da temperatura do planeta, ainda há esperança?
Do que já foi anunciado na agenda de acção, há iniciativas concretas no âmbito dos pilares do Acordo de Paris de 2015, principalmente a mitigação (compromissos de redução de emissões), com mobilização de países para alcançar três vezes mais energia renovável e duas vezes mais eficiência energética até 2030. Está também presente o pilar da adaptação (reforçando a resiliência), que consiste em envolver grandes produtores de alimentos, comprometidos com a agricultura regenerativa. E temos o pilar das finanças, com várias intervenções de apoio dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.
Além destes pilares de ação, temos as conclusões do relatório de Avaliação Global com mensagens chave: o Acordo de Paris conseguiu reduzir a temperatura em um a dois graus Celsius; a janela para alcançar 1,5 graus até 2032 está a estreitar-se rapidamente; todas as soluções estão disponíveis, especialmente as renováveis, mas a sua implementação não está a ser suficientemente rápida; e é necessário ampliar as finanças climáticas e direccioná-las para as economias emergentes. Vivemos um momento único, um momento de verificação crucial da realidade e definição de planos de acção, para renováveis, metano, sectores de emissões intensas, alimentos, natureza, água e saúde.
“Moçambique, como outros países, participa na COP28 para contribuir com a sua perspectiva e compromissos para enfrentar as mudanças climáticas”, Ricardo Pereira
O que importa neste momento é saber exactamente onde estamos, porque esse ponto irá definir o nível de esforço e a trajectória que temos de tomar. Por não termos um planeta “B”, não podemos estar a contar com um plano “B”.
E é importante Moçambique estar presente na COP28?
O País enfrenta desafios relacionados com as mudanças climáticas e a transição energética é uma estratégia fundamental para mitigar os impactos adversos e contribuir para os esforços globais de redução das emissões de gases com efeito de estufa. A transição energética é um tema crucial, pois envolve uma grande questão: como é que países em vias de desenvolvimento como Moçambique podem ter acesso a recursos financeiros para assegurar um desenvolvimento sustentável e, simultaneamente, um acesso justo e equitativo à sua população?
A participação activa na COP28 permite que Moçambique partilhe as suas experiências, desafios e dê contributos, seja ouvido, nas discussões globais sobre a transição para um futuro mais sustentável em termos energéticos e climáticos. A COP não é um fim em si mesmo, mas uma das várias plataformas que compõem uma agenda climática global contínua. As negociações de financiamento climático de cada país constroem-se com iniciativas e empenho contínuo do País nestas diferentes plataformas. Devido ao facto de a estratégia de transição energética de Moçambique ser muito recente, a COP28 surge sobretudo como uma plataforma de apresentação do compromisso do Governo moçambicano.
Existem indicações de que a transição energética moçambicana vai necessitar de um investimento de 80 mil milhões de dólares. O que esta incluído? É realista esperar um financiamento climático desta magnitude?
Os detalhes desse investimento ainda não foram publicados. No entanto, com base no custo da transição energética noutros países, esse valor é certamente uma estimativa do valor total para programas e projectos que estão previstos dentro da transição de Moçambique até 2050 – isto é bastante amplo, incluindo, entre outros, projectos de produção e distribuição de energia, mas também descarbonização do sector do transporte, com biocombustíveis, e a descarbonização do sector agrícola, com redução da utilização da biomassa. Grande parte do financiamento destes programas e projectos virá dos canais tradicionais.
É importante gerir as expectativas dos intervenientes nacionais, pois apenas uma pequena parte deste valor virá de veículos dedicados ao financiamento climático e estará, naturalmente, condicionada à implementação de compromissos com a transição. Por exemplo, a África do Sul estima um investimento total para a sua transição energética até 2050 na ordem dos 300 biliões de dólares. Deste valor total, apenas 8,5 biliões foram assegurados em veículos dedicados para financiamento climático pelo IPG (International Partners Group – uma coligação da UE, Reino Unido, EUA, Japão, entre outros). Ou seja, quando uma notícia destas é publicada, é preciso explicar que não vamos conseguir os 80 mil milhões de dólares. Este número é a avaliação do que vamos precisar em todos os sectores de actividade do País. Não é o valor que Moçambique vai conseguir numa COP. Seria bom, mas não é assim. Neste momento – e esta estratégia vai até 2050 –, há mecanismos de financiamento tradicionais e há novos modelos, mais baratos. Creio que Moçambique tem de definir quais os programas que entram neste financiamento climático, que, de facto, estarão dentro deste bolo.
Texto Nário Sixpene • Fotografia Mariano Silva & Istock Photo