Às dificuldades impostas pela pandemia, o mundo responde com soluções tecnológicas, especialmente em África. Organizações como o Banco Mundial e a UNICEF mostram como a inovação pode ajudar os países a restaurar a estabilidade e instalar sistemas de educação mais inclusivos e de alta qualidade
A pandemia da covid-19 teve um impacto significativo na educação em todo o mundo. Para conter a propagação do vírus, muitos países decidiram encerrar temporariamente as escolas, promovendo o ensino à distância como forma de manter os estudantes activos, sem perder cada ano lectivo. Mas os resultados ficaram aquém do esperado.
Apesar de ter ajudado a conter o vírus, a suspensão das aulas afectou milhões de estudantes, tornando visíveis desigualdades no acesso a plataformas digitais e na preparação dos próprios educadores. O encerramento de escolas foi desastroso para o processo de aprendizagem.
Estudos vários concluem que alunos em todo o globo lutam hoje para recuperar os níveis pré-pandemia de leitura ou cálculo para as respectivas idades.
Um relatório apresentado pelo Banco Mundial, em Fevereiro, intitulado “Colapso e Recuperação”, revelou que a covid-19 colocou em risco o desenvolvimento de milhões de crianças e jovens em países de baixo e médio rendimento, que não conseguiram implementar políticas eficazes de aprendizagem à distância, só possíveis com um grande contributo da inovação tecnológica.
A situação de Moçambique
Internamente, a qualidade do ensino sofreu danos que podem ser irreversíveis, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco Mundial, que realizaram um inquérito sobre o impacto da pandemia nas famílias urbanas.
“Como passo imediato para reverter o subinvestimento nos sistemas educativos, os governos devem aumentar a despesa anual com educação para atingir 20% do orçamento até 2025”
Os resultados foram publicados em 2021 e, no geral, confirmaram que a qualidade da educação terá sido muito afectada no ano 2020, mesmo para aqueles que puderam participar nalgum tipo de actividade. “Esta aprendizagem perdida pode ser difícil ou mesmo impossível de recuperar para algumas crianças depois da pandemia, ou após a retoma das aulas presenciais para todas as classes”, detalha o documento.
As respostas das famílias mostram “disparidades regionais significativas”. Na primeira fase do inquérito, em Junho de 2020, 50% a 59% dos agregados familiares das urbes de Cabo Delgado e Nampula (no norte do País) declararam que as crianças e jovens se envolveram em actividades de aprendizagem à distância. Nas províncias de Inhambane, Maputo, Cidade de Maputo, Niassa, Tete,
Sofala e Manica, a proporção foi superior a 90%. Houve ainda “um decréscimo evidente” na participação em actividades de aprendizagem alternativas à medida que os meses foram passando: era superior a 80% em Junho, mas no final de Novembro já estava na casa dos 70%.
Uma solução inovadora para África
Em Junho, através da iniciativa “Inovar a Educação”, a União Africana (UA) lançou um concurso com um propósito claro: “propor inovações práticas ao nível da educação com potencial de sustentabilidade, escalabilidade e replicação em larga escala”. Por outras palavras, encontrar uma fórmula de sucesso em que todos os países se possam inspirar.
Em África, onde os orçamentos públicos para a educação já eram reduzidos, o impacto da pandemia foi maior. Daí a necessidade de procurar inovações – até porque a pandemia estimulou a experimentação com novas ferramentas e essa é uma vertente que diversos autores defendem que deve continuar a ser explorada, desde que haja infra-estruturas (rede eléctrica, internet…) que a suportem. A inovação foi estimulada, mas agora é preciso que os orçamentos públicos dêem mais verbas para o sector da educação e para as infra-estruturas digitais.
“Como passo imediato para reverter o subinvestimento nos sistemas educativos e tendências de declínio das despesas, todos os governos devem aumentar progressivamente a despesa anual com a educação para atingir 20% do orçamento até 2025”, refere um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sobre o impacto da pandemia em África.
A UNICEF recomenda ainda reforçar a credibilidade e a execução dos orçamentos da educação, defender um maior apoio externo, investir mais no fortalecimento da força de trabalho da educação, bem como melhorar a transparência, a responsabilização e a participação pública no planeamento e orçamentação para transformar o sistema educacional. “Se estas medidas foram implementadas rapidamente, podem impedir que a actual crise de aprendizagem se transforme numa catástrofe”, revela o estudo.
Mas “se as acções forem adiadas ou assumidas sem entusiasmo, a base de capital humano continuará a deteriorar-se juntamente com o crescimento económico, a par da perda de potencial de desenvolvimento do continente”, avisa a UNICEF. Embora o défice educativo em África seja grande, “foram feitos progressos na última década”, destaca a UA nos estudos sobre o sector. O apelo, agora, é para que a maré de inovações não pare e para que a prioridade ao investimento na educação não seja esquecida.
Depois da pandemia, “tudo mudou”
O Banco Mundial não tem dúvidas: depois da pandemia da covid-19, tudo mudou, e os países em desenvolvimento “precisam de dinamizar os seus sistemas educativos para mitigar o abrandamento, adaptando as práticas de ensino e os currículos. É pouco provável que uma abordagem de ‘business-as-usual’ (abordagem tradicional), que simplesmente retoma o ensino pré-pandemia, responda às necessidades dos alunos após a reabertura das escolas”, destaca.
Em vez disso, defende “um enfoque concertado na aprendizagem correctiva, orientada para o novo nível de aprendizagem dos alunos”. E estas são medidas a serem tomadas urgentemente, “se os países quiserem restaurar as trajectórias de aprendizagem”. Para o Banco Mundial, apesar da devastação causada no ensino, existe uma enorme oportunidade para “reconstruir melhor” a educação, com inovação.
Mas, para isso, deve haver uma resposta favorável do lado dos orçamentos, incluindo ajuda externa (financeira ou sob a forma de assistência técnica), “que poderá ser mais importante do que nunca”, concluiu.

O poder da tecnologia
A covid-19 trouxe problemas, mas também inspirou a adopção acelerada de tecnologias do sector da educação e provocou reflexões sobre a forma como se pode evoluir. Estima-se que, logo na primeira vaga da pandemia, mais de 1,7 mil milhões de estudantes em todo o mundo – ou cerca de 90% do total – tenham ficado impedidos de frequentar instituições de ensino, desde a creche à universidade.
A covid-19 trouxe problemas, mas também inspirou adopção aceleradas das tecnologias do sector da educação e provocou reflexões sobre a forma como se pode evoluir
Durante esse período, as tecnologias digitais foram o substituto de algo até então considerado insubstituível: a educação presencial. Com as escolas encerradas, o computador e o smartphone substituíram a sala de aula e “transferiram” professores e formadores para uma das divisões da casa, numa adaptação nem sempre fácil para todas as partes envolvidas. Instituições e sistemas de ensino em todo o mundo recorreram a novas ferramentas. Moodle, Blackboard, Zoom, Google Classroom, Google Meet, Skype – tudo serviu para tentar manter as escolas em funcionamento.
Mas o custo da internet, dos dispositivos de acesso e a falta de capacidade de utilizar as tecnologias foram os principais obstáculos ao uso do e-learning, sobretudo nas universidades. A utilização de plataformas de videoconferência cresceu exponencialmente, ajudada pelo facto de muitas tecnológicas terem disponibilizado acesso gratuito aos seus produtos e serviços.
Tudo isto resultou numa experiência global das tecnologias da educação a uma escala sem precedentes. O actual contexto acabou por acelerar uma tendência positiva a que já se assistia, mais timidamente, de recurso ao e-learning. Especificamente na área empresarial, na qual se tem vindo a adoptar uma cultura de aprendizagem como factor de competitividade face à concorrência, a formação à distância assente no digital está a emergir como uma subárea de alto crescimento no mercado.
As vantagens que impulsionam a adopção do e-learning na área académica e na corporativa incluem a versatilidade e flexibilidade, pois o padrão de aprendizagem pode ser personalizado para atender a todas as necessidades. De acordo com a consultora americana Global Market Insights, o mercado global de e-learning estava avaliado em cerca de 101 mil milhões de dólares em 2019, valor que deverá chegar aos 375 mil milhões de dólares em 2026.
Os benefícios estendem-se à possibilidade de recurso a ferramentas multimédia, que permitem uma melhor retenção de conhecimento, ao maior grau de cobertura de todos os assuntos, assim como de acesso aos conteúdos sempre que se pretenda, por um número ilimitado de vezes. Junte-se a isto a redução de custos, ao eliminar a necessidade de investimento em infra-estrutura físicas, viagens e outras despesas relacionadas.
Texto Ana Mangana • Fotografia Jay Garrido & D.R.