Moçambique tem sido palco, desde há alguns anos, de uma explosão de ideias inovadoras, criadas por jovens, e com as mais diversas utilidades. Mas falta uma entidade que lhes dê força e as torne mais acessíveis, evitando que sejam subaproveitadas. Felizmente, esta fragilidade pode ter os dias contados. O Governo, em parceria com o PNUD, está a ultimar uma plataforma online para o cadastro de inovadores. Em que consiste?
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vai colaborar com o Governo moçambicano, através do seu Laboratório de Aceleração, para a concepção de uma plataforma nacional que facilite a partilha de ideias e soluções para o desenvolvimento sustentável da sociedade moçambicana – com foco nas áreas socioeconómica e ambiental. Trata-se de uma ferramenta online que pretende juntar todos os criadores.
“É um website que vai permitir que o inovador registe a sua ideia ou solução. Não é obrigatório que esteja já na fase final ou que tenha um protótipo. Basta que a ideia esteja bem estruturada e o autor poderá ter a oportunidade de registá-la na plataforma”, explicou Alexandra Antunes, responsável pela área de mapeamento de soluções locais no Laboratório de Aceleração do PNUD, em Moçambique.
Com este procedimento, o inovador conseguirá ter acesso a uma série de benefícios. A título de exemplo, o Ministério da Ciência e Tecnologia tem estado comprometido com a protecção da propriedade intelectual, no sentido de defender os criadores. Esta será uma forma de o conseguir.
“Geralmente, quem tem uma ideia não tem dinheiro para desenvolvê-la. Então, esta plataforma será também um ponto de encontro entre a indústria e os potenciais investidores”
Além disso, a plataforma vai ser um ponto de encontro, não só entre os inovadores, como também entre estes e a indústria.
“Geralmente, quem tem a ideia não tem dinheiro para desenvolvê-la. Então, esta plataforma será também um ponto de encontro entre a indústria, os potenciais investidores e o inovador. E depois temos a questão do conhecimento, em que prevemos incluir uma componente de formação. É dentro desta plataforma que vamos realizar uma série de eventos para fomentar e promover a inovação”, disse Alexandra Antunes.
A plataforma pertence ao Ministério da Ciência e Tecnologia, sendo que o Laboratório de Aceleração do PNUD aparece para dar suporte e assistência técnica ao projecto – que conta já com uma versão inicial, em fase de aperfeiçoamento junto dos vários actores do ecossistema de inovação. “A plataforma será lançada ainda este ano. Só não posso partilhar o endereço do website porque ainda é algo sob gestão interna, mas já temos um protótipo numa fase avançada”, apontou a responsável do Laboratório, destacando que, “neste momento, já estão registados cerca de 200 inovadores”.
Alexandra Antunes referiu ainda que um dos desafios para a implementação da iniciativa “é o facto de muitos inovadores viverem em áreas remotas, sem acesso à internet. Então, estamos a tentar perceber como é que faremos chegar a plataforma até eles. Estamos a envidar esforços junto do Ministério para tentar ultrapassar este problema”.
A importância do Laboratório de Aceleração do PNUD
O Laboratório de Aceleração do PNUD é uma iniciativa daquela agência das Nações Unidas, lançada em 2018. Está presente em 93 países e presta apoio a mais outros 20. A ideia do Laboratório é criar uma unidade de inovação para responder de forma mais rápida a desafios complexos.
“Estamos a falar, por exemplo, das mudanças climáticas, da empregabilidade dos jovens e da transformação digital. O que vemos é que os problemas que os países enfrentam estão a ficar cada vez mais complexos”, referiu Alexandra Antunes.

Nesta unidade de inovação, o trabalho começa pelo ponto de vista da comunidade, seguindo-se uma fase de investigação. “Existem soluções práticas que as comunidades vão adoptando para mitigar os efeitos dos desastres naturais”, por exemplo.
“Tentamos identificar estas práticas e depois fazemos um mapeamento no qual envolvemos a comunidade”, explicou a responsável.
Os métodos de trabalho do Laboratório estão centrados nos residentes, aos quais se juntam organizações e o Governo local para discutir o problema, procurando identificar as barreiras, as oportunidades existentes e as soluções que têm sido aplicadas. “Como é que podemos ter alternativas de serviços e produtos financeiros no meio rural? Como diminuir o desemprego juvenil e fomentar a empregabilidade? Como garantir o acesso a cuidados de saúde usando a inovação ou a tecnologia? Inovação não é meramente tecnologia, mas pode ter uma componente tecnológica ou não”, esclareceu Alexandra Antunes.
Os métodos do Laboratório estão centrados nos residentes, aos quais se juntam organizações e o Governo local para discutir o problema, procurando identificar as barreiras, as oportunidades existentes e as soluções
A responsável avalia positivamente o desempenho do Laboratório de Aceleração, por entender que não impõe soluções às comunidades, mas faz com que estas as procurem. “O que tentamos fazer é analisar as diferentes soluções que se encontram nas comunidades e partilhá-las com outras que enfrentam o mesmo problema, mas só depois de se fazer um estudo profundo”, apontou.
No final é apresentada “uma determinada solução à entidade competente, para fazê-la entender que pode resolver o problema numa determinada perspectiva ainda melhor”, demonstrando as vantagens em replicar boas ideias. “Geralmente, depois do mapeamento das soluções locais, vemos quais as mais adequadas e aí fazemos uma experiência”, acrescentou.
Forte intervenção nas renováveis
O Laboratório de Aceleração trabalhou durante dois anos na área das energias, no sentido de estimular as comunidades rurais a usar outras fontes, em vez do carvão feito à custa do abate de árvores e vegetação. Neste contexto, foram feitos vários estudos em diálogo com entidades públicas e privadas, bem como com as comunidades.
Foi identificada como principal barreira o facto de os residentes “não terem acesso formal a fontes de rendimento, pois vivem em zonas remotas, com pouco acesso aos centros urbanos. Isso faz com que seja mais barato usar a madeira e o carvão”, explicou Alexandra Antunes.
Como estratégia, o PNUD sensibilizou as comunidades para o benefício do uso de gás de cozinha, como forma de travar a desflorestação – e, mesmo assim, não foi fácil, pois esta questão não se afigura como prioritária. Com o tempo, as comunidades foram aderindo à ideia.
Perceberam que, antes, bastava caminharem durante dez minutos para encontrar uma árvore para fazer o carvão, mas agora têm de andar muito mais, devido ao impacto da desflorestação. “Então, trabalhámos com estas comunidades e fizemos uma experiência muito interessante no sentido de estimular a adopção do gás doméstico como meio para cozinhar”, apontou.
Para Alexandra Antunes, Moçambique tem muito potencial na área da inovação. “Olhando para Moçambique e para a população, vejo que há muitos jovens, o que significa que o potencial de criatividade está lá. Agora, falta dar-lhes apoio para que possam colocar em prática as suas ideias”, concluiu.
Texto Nário Sixpene • Fotografia Mariano Silva & Istock Photo