O coordenador-adjunto do Gabinete de Reformas Económicas no quadro do PAE, João Macaringue, revelou que todas as medidas estão em implementação – umas mais rápidas do que outras – e reconhece que as carências ao nível das infra-estruturas e da logística, dentro e fora do País, chocam com alguns dos esforços em curso.
A função do Gabinete de Reformas Económicas é coordenar as diferentes medidas do PAE, identificar os diferentes intervenientes e com eles desenhar os planos de acção. É com base nestes planos que o gabinete monitoriza o grau de execução do programa de aceleração económica. De acordo com o coordenador-adjunto deste gabinete, João Macaringue, existe uma base regular de prestação de informação pelos diferentes sectores e, mensalmente, há um controlo do estado de implementação das medidas.
O acompanhamento do que se passa em cada um dos sectores contemplados nesta reforma é feito através de uma plataforma que permite a visualização do que está em curso. Macaringue admite que há dificuldades próprias de um processo reformista, mas acredita que, com o tempo, os desafios serão ultrapassados. Então, em que pé estamos?
Muitas políticas e estratégias de desenvolvimento em Moçambique deparam-se com a descontinuidade, sobretudo nas mudanças de ciclos de governação. No caso do PAE, coincide com o fecho de um ciclo de governação 2020-2025. Qual é a garantia de que o PAE vá ser integralmente aplicado?
O risco de descontinuidade não existe apenas em Moçambique, mas em todas as economias frágeis e democracias emergentes. Ocorre, muitas vezes, por não se ter uma visão centrada num objectivo único que mostre para onde o País quer ir nos próximos 20, 30 ou 40 anos. Se essa ambição não estiver totalmente partilhada por todos, o risco de descontinuidade das medidas é grande.
Mas quero acreditar que o PAE resulta de uma reflexão profunda de todos os sectores económicos, políticos e sociais, porque a cooperação é fundamental. Para o sucesso das medidas, precisamos que todos os sectores intervenham porque, como Governo, a nossa missão é criar ligações. Acredito que haja já alicerces para a continuação das medidas, sobretudo as que já foram implementadas. Mas, de forma geral, os riscos de descontinuidade existem.
Este quadro de medidas parece ter sido minuciosamente preparado, com elevado grau de transversalidade em termos sectoriais. Terá sido inspirado nalguma intervenção ou reforma feita internacionalmente?
Há sempre referências para se realizar qualquer tipo de reformas de grande envergadura, como as que são sugeridas pelo PAE. Naturalmente, fomos visitar algumas iniciativas impactantes, desenvolvidas noutras economias, considerando a realidade e características da nossa. Mas, de forma objectiva, as medidas que constam do PAE resultam de uma reflexão interna. Temos, sim, a colaboração externa, mas a ideia é genuinamente moçambicana.
Que avaliação faz do grau de execução de todas as medidas previstas neste pacote? A imprensa tem vindo a fazer menção a algumas que dependem de financiamentos para avançar. Qual é o ponto de situação?
Não temos medidas paradas. Já estão todas em andamento, algumas ainda em fase de desenvolvimento, havendo ainda questões por alinhar, como, por exemplo, a problemática da medida n.º 7. Esta medida diz respeito ao fomento à habitação e dinamização da indústria nacional de materiais de construção. Mas todas as medidas já mostraram que têm pernas para andar.
Há algumas questões de financiamento que não foram acauteladas, porque não se tinha a dimensão real da intervenção a concretizar, mas a maior parte já está implementada. Fazem parte deste conjunto a medida n.º 10 (mistura de biocombustíveis), medida n.º 18 (simplificação da arquitectura da Administração Pública), entre outras. O óptimo seria que avançássemos com todas as medidas ao mesmo tempo, mas, quando as estruturámos, já tínhamos em conta essa questão. Assim, à medida que vão sendo maturadas, entram no processo normal de implementação.
Em relação ao acesso ao financiamento, a equipa do PAE chegou a reunir-se com a embaixada dos Estados Unidos da América para, entre outros pontos, definir a estratégia para lidar com actividades que carecem de recursos financeiros para a sua operacionalização. O que se avançou neste encontro?
Os EUA manifestaram interesse em apoiar as iniciativas de implementação e não necessariamente financiar a execução de medidas específicas. A implementação do PAE tem um grau relativamente elevado de complexidade e os Estados Unidos vão apoiar-nos nas questões de estratégia e organização para atacarmos os pontos mais objectivos desta causa. Ou seja, não terão uma intervenção directa.
Salta à vista uma questão pertinente que está na medida 18, “simplificação da arquitectura da Administração Pública”. Que espaço é reservado, dentro do PAE, para a questão da digitalização do aparelho do Estado e que tem foco também no combate à corrupção?
Todas as medidas têm foco no sector privado. Estamos em busca de transparência como um dos ingredientes para uma actuação mais fácil do sector privado no mercado. Devo admitir que é muito difícil eliminar comportamentos inadequados dos funcionários do Estado, e não só, como a corrupção. Mas estamos convencidos de que todo o esforço de digitalização, simplificação de procedimentos e interoperabilidade entre os sectores na Administração Pública vai tornar mais previsível e fácil identificar tentativas de defraudar os sistemas. Contudo, temos de aceitar que isso vai levar o seu tempo.
Nos primeiros dias, após o anúncio das 20 medidas de intervenção, a que mais se destacou e acabou muito criticada, principalmente pelo sector privado, foi a redução do IVA de 17% para 16%, por ser considerada pouco impactante. Há quem até hoje acredite que esta medida não foi suficientemente ousada para ajudar o empresariado. Como encara esta questão?
Não concordo que esta magnitude de redução não seja impactante. Este passo já foi muito ousado. Representa um esforço muito grande do Governo. Creio que os críticos fazem comparações com outras realidades diferentes da nossa, mas já é um grande esforço, num país em que o Estado não tem muitas alternativas para colher receitas e fazer as despesas de que precisa. Lembre-se que foi introduzido o IVA na saúde e na educação, medida que também está a causar muita indignação.
“O que temos de reconhecer é que, durante 30 anos, os investidores privados na saúde e na educação não pagavam o IVA, com o pressuposto de que durante esse período iriam criar factores multiplicadores”
O que temos de reconhecer é que, durante 30 anos, os investidores privados destes dois sectores não pagavam o IVA, com o pressuposto de que durante esse período iriam criar factores multiplicadores. Passadas três décadas de isenção, o que se espera é que esses sectores já tenham criado os tais factores. Portanto, retirar o IVA não seria uma medida a considerar. Devíamos, sim, pensar em colher as receitas dos investimentos privados nestes sectores para canalizar para a saúde e educação pública. Este é o pensamento para mais adiante, porque agora estamos focados em fortalecer as fontes de receitas do Estado, para depois as canalizar para os sectores que mais precisam.
Existe algum orçamento para a implementação do PAE?
Não temos nenhum orçamento estipulado para este programa. O que se definiu foi o uso das parcerias que temos e dos orçamentos internos para a sua implementação. Temos três projectos de ajuda, um dos quais designado por G3, e a contribuição financeira do Ministério da Economia e Finanças. É através desses financiamentos que se está a avançar. Temos outros projectos e parceiros, mas cada um numa linha diferente de actuação.
A isenção do visto de entrada é uma das medidas mais elogiadas pelo sector privado, por ter ajudado a aumentar o fluxo turístico e a atracção de investimentos. Mas têm-se ouvido reclamações relacionadas com o acumular de muita gente nas chegadas em aeroportos…

De facto, a nossa infra-estrutura logística não está suficientemente preparada para receber tanta gente. Existem alguns horários de pico em que os aeroportos ficam lotados. Por isso, procuramos melhorar as nossas infra-estruturas, no sentido de treinar o nosso quadro de técnicos para lidar com isso. Mas não é uma situação alarmante. Está ao alcance do controlo pelas autoridades. As vantagens desta medida têm muito mais peso do que os constrangimentos que possam ocorrer.
Mas admite que problemas ao nível das infra-estruturas, sobretudo as estradas, são um desafio à implementação do PAE.
Essa questão está na medida 11 (“melhoria da competitividade dos aeroportos e corredores logísticos”). Nesta medida já foram realizadas várias acções, mas os resultados não serão imediatos. Quanto às estradas, o problema não é apenas do lado de Moçambique, mas também dos países vizinhos e está a afectar o PAE. Todas as acções de simplificação da mobilidade que realizámos encontram obstáculos neste aspecto. Há muitos problemas que são de outros países e que afectam os nossos esforços.
Até que ponto as dificuldades de tesouraria, nomeadamente com o impacto da nova Tabela Salarial Única (TSU) e os atrasos no arranque das receitas do gás, podem condicionar o PAE?
Não estamos muito ligados a estas questões da TSU. Estamos mesmo focados nas medidas de aceleração da economia. Será com o acelerar da economia que vamos gerar mais receitas e resolver as questões de tesouraria do Estado. Este é o pensamento do PAE. Procurar resolver os problemas que assolam o País e aliviar todas as pressões de forma transversal.
Que alterações se podem esperar ao longo dos próximos anos na economia, à medida que os resultados do PAE se forem fazendo sentir?
Temos a plena consciência de que à medida que fazemos o desenvolvimento das medidas e a sua implementação, surgem outras questões que têm ligação com o PAE. Mas olhamos para elas numa perspectiva evolucionista e tudo o que aparecer e agregue valor vai ser acompanhado. O nosso objectivo é criar um País mais próspero, com bem-estar para todos, porque quanto mais rico foi o País melhor.
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R