É a voz de quem já opera no mercado e tem a noção do que está bem, do que vai mal e do futuro do sector energético. Pedro Pereira Coutinho, CEO da Source Energia, é optimista quanto ao futuro do mercado moçambicano, mas aponta para um maior envolvimento do sector privado como um desafio a ultrapassar.
A Source Energia é uma empresa diversificada de energias renováveis focada no desenvolvimento, gestão, operação e manutenção de projectos de grande e pequena escala, dentro e fora das redes de energia na África Lusófona. Entrou no País entre 2014 e 2015 e arrancou com foco no sector imobiliário e nas energias renováveis. Mas logo a atenção para o imobiliário caiu por causa das constantes crises que a empresa enfrentou. As energias renováveis ganharam relevância e passaram a ser o único foco.
Na parte da electrificação rural, a Source Energia cobre, actualmente, 50 mil casas. Está a ligar uma média de quatro mil casas por mês. De acordo com o CEO da empresa, Pedro Pereira Coutinho, há muito potencial por explorar e espaço para crescer, partindo do princípio que cerca de 60% da população não tem acesso a electricidade (correspondente a 20 milhões de pessoas), num mercado recente, com apenas 1% ou 2% da população a usar sistemas solares caseiros (SSC). E é esse crescimento que espera que vá acontecer daqui para a frente.
A Source Energia tem uma relação directa com as pessoas no âmbito da electrificação rural, mas também tem foco noutras áreas.
A área em que arrancámos é a que chamamos on-grid, ou seja, Independent Power Producers [produtores independentes]. Estudámos os desafios da EDM [Electricidade de Moçambique] e os do Governo, alinhámo-nos com a estratégia deles e fomos desenvolver projectos criativos que viessem ajudar a cumprir os objectivos de ambos. Os da EDM são muitos, desde as linhas de transmissão, expansão até à falta de geração em certos pontos de grande consumo.
“Sempre fui da opinião que dinheiro não falta. O que falta são bons projectos, inteligentes e que percebam e vão ao encontro dos desafios do Governo e da EDM”, Pedro Pereira Coutinho, CEO da Source Energia
Então, há toda uma série de questões que é preciso estudar e entender e isto tem-nos corrido bem. Mas foi muito duro. Demorámos sete anos a fazer o primeiro projecto, que foi o de Cuamba (província do Niassa) de 19 MW e que foi o primeiro com uma bateria em grande escala no País. Este projecto começou agora a operar e a injectar energia na rede. Faremos a inauguração oficial em Setembro. Estamos a desenvolver o primeiro projecto de vento na Namaacha (Sul), de 120 MW num investimento de cerca de 300 milhões de dólares. Este projecto tem vários elementos de interesse: vai ajudar a melhorar a segurança energética no Sul do País e a exportar energia, porque é um projecto essencialmente para exportação.
Ouve-se muito dizer que Moçambique é ou pode vir a ser um hub de energia da região. Tem a mesma percepção?
Pelo que entendo, Moçambique já é o maior exportador de energia da região por causa da crise energética da África do Sul, que tinha uma capacidade de geração de 5000MW e actualmente tem apenas 3000 MW. Priorizaram o fornecimento interno de energia e deixaram de vender para a região. E Moçambique, a pouco e pouco, vem ocupando esse papel, seja através de Cahora Bassa, seja através das outras centrais existentes, com destaque para a futura central térmica de Temane (província de Inhambane) que está em construção pela Globeleq e o projecto da Namaacha que ainda não avançou. Ambos vão apoiar a exportação da EDM. Em relação à Namaacha, está agendada a assinatura dos contratos comerciais para 3 de Novembro, o fecho financeiro para o início de 2024 e o início das obras também para os primeiros meses de 2024.

Qual é o grande potencial de Moçambique no que diz respeito à fonte predominante?
Em Moçambique há de tudo. Se pensarmos nas principais fontes de energia, antigamente era o carvão, mas hoje em dia não se consegue mais financiamento para fazer centrais a carvão. Em termos de capacidade hídrica, Moçambique é um dos países com mais água e, portanto, tem uma grande capacidade.
Tem Cahora Bassa a funcionar e tem mais dois projectos hídricos em funcionamento: Chicamba e Mavusi (província de Manica). E agora tem um projecto grande que é Mpanda Nkuwa, que corre a passos largos para ser uma realidade. A energia hídrica consegue ser constante, ao contrário da solar e da dos ventos, que são intermitentes, ou seja, quando não há sol ou não há vento, não há energia. Em relação à energia solar, quanto mais nos deslocamos para norte, mais aumenta a irradiação e mais os painéis conseguem produzir.
Mas fala-se muito pouco das eólicas. Porquê?
Sim, porque demora mais tempo para se desenvolver. Ou seja, para se viabilizar um projecto tem de haver, no mínimo, 12 meses de medição do vento, há barreiras de tecnologia por falta de experiência da sua utilização em Moçambique e não existe tanto vento. Os dois grandes hubs de vento são as províncias de Maputo e Tete. Actualmente temos projectos em ambas.
Nota-se que os financiamentos para estes projectos aumentaram muito nos últimos anos.
Sempre fui da opinião que o dinheiro não falta. O que falta são bons projectos, que sejam inteligentes. Por exemplo, que percebam os desafios do Governo e da EDM e encontrem o espaço em que devem jogar. O Governo tem o programa PROLER para concursos públicos. Actualmente aceita dois tipos de situações: concursos públicos e negociação directa, porque através do concurso público não têm capacidade de fazer tudo. Há disponibilidade de financiamento específico para a indústria das energias renováveis por causa do combate às mudanças climáticas – em Moçambique especialmente por ser um país classificado como pobre.
Então, quando se juntam estas duas narrativas – clima e país em desenvolvimento -, Moçambique é um dos países onde não há falta de vontade de investidores em cá virem. Dinheiro disponível e investimento não faltam. O que pode faltar é o empresariado moçambicano ter conhecimento ou acesso óbvio a esses programas, por falta de comunicação ou outros aspectos.
Umas das questões que já foi imensamente falada é o uso do gás como fonte energética ao nível interno.
Claro. Actualmente há muitos projectos de gás a funcionar: da ENI offshore, da Sasol (projectos de Pande e Temane que estão a ser utilizados para gerar energia), da Gigawatt, da central térmica de Ressano Garcia e da central térmica de Maputo. Sem dúvida que o gás desempenha um papel importante.
Em que fase estamos hoje em termos de capacidade de geração de energia e para onde é que vamos?
O potencial é grande e o plano é alcançar o acesso universal em 2030. Então, podemos crescer em três caminhos: através dos sistemas solares caseiros, mini-redes e crescimento de linhas de transmissão. Existe lei, regulamento, capital, capacidade do Governo liderar o processo e a EDM é uma empresa bem organizada e gerida, com resultados positivos. O caminho está traçado e é certo que é de crescimento.
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva