O Grupo Absa escolheu, em Junho, Moçambique para a sua Conferência Anual dos presidentes dos Conselhos de Administração, reunindo os decisores máximos do Grupo e a liderança de todas as subsidiárias presentes no continente africano
Arrie Rautenbach, CEO do Absa Group, esteve em Moçambique em Junho passado e reuniu-se com o Presidente da República, Filipe Nyusi, com o ministro da Economia e Finanças, Max Tonela e com o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela. No balanço da visita, falou, em exclusivo, à revista E&M.
A primeira questão que gostaria de lhe pôr prende-se com a sua opinião sobre o processo de transição do antigo Barclays Bank para o actual Absa Moçambique. Hoje, parece totalmente consolidada, quer ao nível dos novos valores do banco no mercado interbancário moçambicano, quer ao nível operacional. É assim?
O rebranding do banco, de Barclays Bank para Absa Bank, foi fundamental para refrescar as nossas ideias e adaptarmo-nos à evolução das necessidades dos nossos clientes. Embora a mudança de marca signifique uma transformação, os nossos ideais e valores fundamentais mantiveram-se firmes. O nosso sucesso e ambição giram em torno do nosso compromisso inabalável com o cliente no centro de tudo.
A decisão de fazer a transição para o Absa Bank coincidiu com a crescente procura de mais do que apenas serviços financeiros por parte dos clientes. Reconhecemos esta mudança e abraçámo-la de coração. A boa execução desta transição por parte da nossa direcção e das equipas no País é um testemunho das suas capacidades. É um caso de estudo de referência de transições de marca sem falhas. A sua dedicação e experiência garantiram que o processo de mudança de marca não perturbasse as nossas operações e que pudéssemos continuar a servir os nossos clientes com excelência.
Além disso, a nossa abordagem inovadora ao trabalho e a agilidade da nossa equipa permitiram-nos responder eficazmente aos desafios colocados a nível global e local, pelo que somos considerados pelas partes interessadas como uma referência na adequação da resposta, transformando os desafios em oportunidades. Perante dificuldades sem precedentes no mundo, fomos capazes de nos adaptar rapidamente e de prestar aos nossos clientes o apoio de que necessitavam. Estamos orgulhosos do esforço consolidado das nossas equipas, tanto no País como com o apoio do Grupo.
“Excluindo a África do Sul, espera-se que o crescimento económico real seja, em média, de cerca de 4,3 %, e Moçambique lidera a esse nível”
Gostaria que referisse três factores que mudaram no sistema financeiro no pós-pandemia. E no Grupo Absa.
A pandemia teve um impacto significativo e de grande alcance na economia global e no sistema financeiro, incluindo a forma como as pessoas trabalham, as preferências dos clientes e a criação de resiliência, entre outras coisas. O covid mudou o cenário de trabalho e, no Absa, continuamos a apoiar o trabalho híbrido como o novo normal. Este modelo continuará a fazer parte do nosso projecto, uma vez que reconhecemos que os espaços que definem os empregadores do amanhã têm de ser flexíveis, preparados para o futuro e adequados à sua finalidade, mantendo uma abordagem centrada nas pessoas.
A pandemia também influenciou as mudanças nos comportamentos e preferências dos clientes. Durante os períodos de confinamento, muitos adoptaram comportamentos digitais e esperam agora a facilidade de acesso e a personalização que se tornaram a norma noutras plataformas. O número de clientes digitalmente activos do Absa quase duplicou desde a pandemia de covid-19, atingindo três milhões no ano passado. Este aumento pode ser atribuído não só ao investimento contínuo na melhoria dos nossos produtos e plataformas digitais, mas também à influência da pandemia na promoção das preferências digitais. Embora o covid-19 tenha tido consequências trágicas em todo o mundo e um impacto negativo substancial no desempenho do sector financeiro na sequência imediata da pandemia, o enorme “teste de stress” que representou, acabou por reforçar a resiliência.
Num mundo cada vez mais volátil, é útil que os bancos criem “músculo” para a crise. Os bancos, como o Absa, que têm uma base sólida, aprendem com eventos de stress como o covid-19 e, antes disso, com a crise financeira mundial, e aumentam a sua resiliência.
Existe hoje um contexto macroeconómico exigente e desafios que são transversais a vários mercados onde o Absa opera: inflação galopante e elevadas dívidas externas, por exemplo. Quais são, na sua opinião, os principais desafios a médio prazo para as economias da África Oriental?
O crescimento económico real nos países da África Subsaariana onde o Absa tem as suas maiores operações deverá ser, em média, de cerca de 2,5% em 2023. Esta é a taxa de crescimento mais baixa desde 2016. No entanto, grande parte desta situação reflecte o fraco desempenho da África do Sul. Excluindo este país, espera-se que o crescimento económico real seja, em média, de cerca de 4,3 %, sendo Moçambique uma das histórias económicas de maior sucesso na região. A inflação foi um desafio fundamental na maioria dos países no ano passado, uma vez que os preços dos produtos alimentares e da energia colocaram as famílias sob uma pressão financeira significativa. Os aumentos das taxas de juro, desencadeados tanto por uma inflação mais elevada como por taxas de câmbio mais fracas, agravaram ainda mais os desafios. É encorajador o facto de a inflação estar a descer e a nossa sensação é de que, na maioria dos países, as taxas de juro estão no seu pico ou perto dele. Infelizmente, vários países têm níveis de dívida desconfortavelmente elevados, pressionando os governos a reduzirem significativamente a despesa ou a arriscarem-se a cair numa crise de dívida.
A dolorosa experiência de Moçambique com o incumprimento da dívida ainda é recente, e tanto a Zâmbia como o Gana estão actualmente a passar por exercícios difíceis semelhantes, em que é necessário fazer compromissos dolorosos. Esperamos que os mercados da África Oriental liderem o crescimento regional em 2023, graças ao desenvolvimento de infra-estruturas, em grande parte no sector da energia, e a uma melhoria das perspectivas para o sector agrícola. A nossa equipa de macroeconomia prevê actualmente um crescimento do PIB de 4,6% no Quénia, 5% em Moçambique e 5,8% na Tanzânia para 2023.
Depois de alguns dias passados em Moçambique, em que se reuniu com algumas das principais figuras do País, qual é a visão do grupo para a economia moçambicana, a nível global, e particularmente ao nível dos megaprojectos de gás, dos quais o Absa Group é um dos parceiros financeiros?
As perspectivas de crescimento a médio prazo em Moçambique melhoraram após o início da produção de GNL no quarto trimestre de 2022. Esperamos que impulsione o crescimento em 2023 e nos anos seguintes, à medida que a produção aumenta. A equipa de economistas do Absa prevê que o crescimento económico do País suba para 5% este ano e depois acelere ainda mais para 6% e mais a partir de 2024. É claro que existem riscos para esta perspectiva, nomeadamente no que se refere à situação de segurança no Norte, mas a orientação macroeconómica geral é muito positiva e esperamos que Moçambique seja uma das economias de crescimento mais rápido do continente nos próximos anos.
Qual será, na sua opinião, o principal desafio da operação em Moçambique nos próximos anos?
Moçambique, tal como o resto da região, está actualmente a sofrer uma volatilidade macroeconómica significativa, principalmente devido a pressões globais, tais como incertezas geopolíticas e um ambiente de comércio internacional fragmentado. O principal desafio que prevemos será o de prestar o apoio adequado que a sociedade e o País em geral necessitarão para se adaptarem e ajustarem a todas as mudanças e necessidades decorrentes dos megaprojectos transformacionais em preparação. Estamos confiantes de que a nossa longa experiência no País, bem como a nossa capacidade comprovada de navegar em tempos turbulentos, nos posicione para permanecermos relevantes na contínua jornada estrutural de Moçambique.
Ao longo dos anos, realizámos investimentos estratégicos nas nossas principais plataformas e ofertas de serviços financeiros, que nos posicionaram bem para respondermos eficazmente à evolução do panorama. Enquanto banco, estamos equipados para ser o gateway de entrada em Moçambique para muitos dos nossos clientes que ainda não operam no País, trazendo investimento, criando empregos e ajudando no processo de construção da Nação que se iniciará com os megaprojectos e que se expandirá inter-geracionalmente. Além disso, estamos convencidos de que os nossos colaboradores estão no centro da garantia do bom funcionamento da nossa actividade. O nosso papel é converter desafios em oportunidades: fazemo-lo em todos os países e acreditamos que a década actual é a década moçambicana.
“Ao alavancar o poder da IA ou da blockchain Moçambique pode superar os desafios existentes, e alcançar a plena inclusão financeira”
A ESG e o enfoque consistente em projectos com uma pegada ambiental positiva, projectos de energia renovável, fundos de resiliência climática como os que investiram recentemente no Quénia, são tendências que se podem observar no sistema financeiro internacional. Como vêem este fenómeno?
Para nós, a ESG tem que ver com a forma como desenvolvemos as nossas sociedades, economias, empresas e o ambiente de uma forma sustentável. Trata-se também da forma como mantemos sociedades robustas e economias fortes, com empresas bem-sucedidas, num ambiente próspero. No contexto da nossa ambição estratégica de ser uma força activa para o bem, identificámos três áreas específicas de ESG onde investiremos: clima, inclusão financeira, diversidade e inclusão. Procuramos contribuir significativamente para a luta contra as alterações climáticas, tornando-nos um actor importante nas transacções financeiras sustentáveis e estabelecendo objectivos ambiciosos de emissões líquidas nulas de carbono. Ao mesmo tempo, reconhecemos os importantes desafios sociais que se colocam no nosso contexto. Estamos também a promover activamente a inclusão financeira de grupos carenciados, procurando tornar a criação de riqueza intergeracional acessível a todos, em particular às mulheres e aos jovens. A nossa ambição é ser um farol de diversidade e inclusão em todo o continente.

Como é que a tecnologia (blockchain, IA, etc.) pode ser decisiva na inclusão financeira, especialmente num continente onde isso ainda é um grande desafio?
Estamos a investir em oportunidades digitais que irão promover serviços disponíveis para comunidades mais amplas de formas mais eficientes e económicas. Estas incluem, entre outras, o aumento da agilidade, eficiência e optimização de custos através da computação em nuvem e Inteligência Artificial (IA) e oportunidades crescentes de produtos e serviços digitais através do uso de tecnologia móvel e parcerias fintech. Moçambique tem o potencial de alavancar a integração da IA no sector agrícola para obter benefícios transformadores.
A integração da tecnologia de IA na agricultura é muito promissora para Moçambique, promovendo práticas eficientes de gestão de culturas, que são cruciais para maximizar a produtividade e melhorar os meios de subsistência dos agricultores. A IA pode ajudar a mitigar o impacto das catástrofes naturais, fornecendo informações atempadas e precisas, melhorando a previsibilidade da produção e permitindo a tomada de medidas proactivas. Além disso, pode desempenhar um papel significativo no sector da saúde, nomeadamente no diagnóstico das necessidades médicas da população. Com acesso limitado às instalações de cuidados de saúde, as ferramentas de diagnóstico alimentadas por IA podem ajudar na detecção precoce e no tratamento de doenças, especialmente em áreas remotas onde os recursos de cuidados de saúde são escassos. Isto pode ter um impacto profundo no bem-estar geral da população.
Em última análise, a convergência de tecnologia, infra-estruturas e soluções financeiras inovadoras têm o potencial de transformar o panorama financeiro em Moçambique e em todo o continente. Ao alavancar o poder da IA, blockchain e outras tecnologias, Moçambique pode superar os desafios existentes, transformando-os em oportunidades e alcançar uma verdadeira inclusão financeira para os seus cidadãos. A IA pode ajudar-nos a fornecer produtos de seguros adaptados a dados demográficos específicos, garantindo que os nossos clientes estejam protegidos contra tensões financeiras relacionadas com circunstâncias imprevistas. Isto contribui para os nossos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A África do Sul é um país que tem uma importância sistémica na região, com uma série de questões delicadas por resolver, desde a revolta social latente até à questão da falta de energia. Como analisa o momento actual da economia sul-africana?
A economia sul-africana teve um desempenho melhor do que muitos esperavam no primeiro trimestre do ano e o país evitou uma recessão técnica, demonstrando resiliência. As taxas de juro mais elevadas irão provavelmente pesar sobre o rendimento disponível dos consumidores e os cortes de energia em curso continuarão a ser um entrave à actividade económica este ano. A nossa previsão actual de crescimento do PIB para a África do Sul é de 0,5% em 2023. É importante notar que, nos últimos dez anos, aquele país registou um crescimento económico médio de apenas 1%, o que não é suficiente para fazer face aos elevados níveis de desemprego e aos desafios socioeconómicos mais gerais.
A escassez de energia eléctrica na África do Sul continua a ser um factor determinante para as suas perspectivas económicas imediatas e a médio prazo. Felizmente, as reformas no sector da electricidade estão a incentivar uma enorme resposta do sector privado. Além disso, um estudo publicado em Junho revela que estão a ser desenvolvidos 66 Gigawatts de projectos de energias renováveis. O estudo “2023 South African Renewable Energy Grid Survey” indica que cerca de 18 GW se encontram numa fase avançada de desenvolvimento. Sendo o maior financiador de projectos de energias renováveis no país, o Absa desempenha um papel activo no apoio à expansão da produção de energia.
Um outro factor que pode influenciar o desempenho macroeconómico é a dinâmica geopolítica, uma vez que a África do Sul decide como se posicionar no contexto de parceiros globais que têm agendas ou pontos de vista opostos em relação ao conflito Rússia-Ucrânia. Para 2024, acompanharemos de perto as eleições gerais e continuaremos a apoiar os esforços nacionais necessários para retirar a África do Sul da lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).
Olhando para o futuro, qual é a sua visão em relação aos grandes investidores estrangeiros em África, como a China, a Europa e os EUA?
Embora não tenhamos feito qualquer anúncio formal relativamente à expansão da nossa presença, enquanto empresa diversificada procuramos alargar o nosso alcance aos mercados que interessam aos nossos clientes globais. Estamos constantemente a analisar oportunidades para criar e reforçar relações com clientes em mercados-chave, aumentando a nossa presença em África, na Europa e nos EUA.
Texto Pedro Cativelos • Fotografia D.R.