O continente está a mover-se a duas velocidades. Com a falta de infra-estruturas, de pessoal qualificado e de dinheiro para investir na transição digital, o sector financeiro vai-se destacando no processo, graças à rápida evolução das fintech e das soluções mobile banking. O alinhamento será difícil…
O African Banker, em colaboração com o desenvolvedor de tecnologia bancária Backbase, lançou, recentemente, a última edição do Relatório de Transformação do Banco Digital Africano.
Este documento abrangente de 30 páginas investiga os últimos avanços no cenário bancário digital africano, monitorando minuciosamente a taxa de progresso, as principais áreas de foco para os bancos e as estratégias utilizadas para estabelecer aplicativos móveis e funcionalidades de internet banking.
Taxas de penetração bancária em ascensão, mas com desafios
O acesso bancário aumentou em 2022, com 48% da população que passou a aceder aos serviços bancários, em comparação com 45% em 2017. Este crescimento pode ser atribuído à popularidade do dinheiro móvel e do banco digital. Aproximadamente 50% da população do continente permanece sem banco, indicando um potencial significativo para um maior crescimento do sector.
A McKinsey – empresa global de consultoria de gestão comprometida em ajudar as organizações a alcançarem um crescimento sustentável e inclusivo – prevê uma taxa de crescimento anual de 10% no mercado africano de serviços financeiros, gerando 230 mil milhões de dólares em receitas anuais até 2025. O numerário ainda domina as transacções financeiras em África, representando cerca de 90% – enquanto os canais electrónicos ou digitais representam apenas 5% a 7%. Em comparação, a Ásia e a América Latina têm uma taxa de adopção de banco digital mais alta, em torno de 50%.
No entanto, está a surgir uma nova geração de clientes urbanos de classe média, que preferem realizar transacções online. Os mais jovens estão mais inclinados a adoptar a tecnologia digital do que os seus pais e avós, sugerindo que o recurso aos serviços bancários digitais continuará a crescer. A limitada infra-estrutura para pagamentos com cartão e o baixo uso de redes de pontos de venda também contribuem para a preferência pelo banco digital.
A digitalização dos serviços bancários tem um potencial significativo em todas as economias africanas… as economias com governos mais estáveis fizeram mais progressos no dinheiro móvel
Concorre ainda para este cenário o facto de a acessibilidade da banca digital não depender apenas da disponibilidade de plataformas digitais, mas da posse de um telemóvel. Os telemóveis dominam o acesso online em África, representando aproximadamente 75% de todo o tráfego online. Consequentemente, as plataformas digitais dos bancos são projectadas principalmente com o uso móvel.
Os principais obstáculos ao acesso a serviços digitais incluem os altos preços de compra de aparelhos celulares e tarifas de dados. De acordo com a World Wide Web Foundation, os custos de internet móvel representaram 5,8% da renda média no continente em 2020, tornando-a na região mais cara do mundo para acesso digital. Os custos médios de 1 GB de dados e smartphones diminuíram significativamente entre 2018 e 2021. Isso indica um potencial de aumento no número de pessoas que podem aceder ao mobile banking.
Mercados fragmentados
Países como o Quénia e o Gana têm sido líderes na adopção de pagamentos digitais, com as transacções de carteira móvel no Quénia a responderem por 87% do seu PIB em 2021. O país alcançou um dos níveis mais altos de penetração das fintech globalmente, aumentando o acesso aos serviços bancários de 26% da população em 2006 para 83% em 2021.
Do outro lado, estão países como a África do Sul, onde 84% da população tinha acesso aos serviços bancários tradicionais em 2021. Aqui, bancos digitais como Bank Zero, Discovery Bank e Tyme Bank enfrentam o desafio de demonstrar as vantagens dos seus serviços sobre agências bancárias físicas e caixas electrónicos, em vez de se concentrarem exclusivamente em indivíduos não bancarizados.
Apesar desta fragmentação, a digitalização dos serviços bancários tem um potencial significativo em todas as economias africanas. Na Somália, por exemplo, 70% dos adultos usam regularmente serviços de dinheiro móvel. Essa popularidade é impulsionada, em parte, pela prevalência de notas falsas. Geralmente, as economias com governos mais estáveis fizeram mais progressos no desenvolvimento de dinheiro móvel e serviços bancários digitais em comparação com nações mais frágeis, como os Estados francófonos do Sahel.
Os bancos poderiam investir mais na transformação digital
A maioria dos bancos africanos reconhece a importância da tecnologia digital, com apenas 4% a considerá-la sem importância ou menor relevância. No entanto, embora 51% a vejam como o factor mais importante, muitos bancos ainda precisam de construir as suas estratégias gerais em torno da tecnologia digital.
Apenas 28% dos entrevistados numa pesquisa relataram que o seu banco gasta mais de três milhões de dólares anualmente com a transformação digital e inovação. Além disso, a proporção de bancos que alocam menos de 300 mil dólares por ano aumentou de 21% em 2021 para 27% na pesquisa actual.
Entre aqueles que entendem o significado da digitalização, o foco está principalmente no desenvolvimento da tecnologia móvel. Mais bancos oferecem aplicativos bancários móveis do que serviços bancários pela Internet, reflectindo o domínio da tecnologia móvel não apenas no banco digital, mas também no acesso digital em toda a África.
Em termos de prioridades, 41,3% dos entrevistados querem construir um aplicativo móvel de pagamento digital, enquanto 34,8% estão focados numa plataforma de internet banking para 2023-2024. Isso não é surpreendente, considerando que os telefones celulares representam cerca de 75% de todo o tráfego online
em África.
Inteligência artificial no horizonte
A segurança cibernética foi considerada uma tendência crucial por 74% dos bancos pesquisados no ano passado, pontuação que cai para 61% na pesquisa de 2023 – superada pela Inteligência Artificial (IA).
Muitos acreditam que a IA será a tendência tecnológica mais importante deste ano. A pesquisa da McKinsey destacou um banco europeu que aumentou a sua produtividade em 25% através da digitalização e adopção de IA, incluindo agentes cognitivos, assistentes digitais, treinamento orientado a análises avançadas e automação de processos robóticos.
O lado predominante. O das carências
Reconhecendo a necessidade de urgência da migração digital, a União Africana elaborou o Projecto de Estratégia de Transformação Digital Para África (2020-2030), com base nas decisões do Conselho Executivo da organização relacionadas com as TIC.
A Estratégia deve assentar nas iniciativas e quadros existentes, como a Iniciativa Política e Regulamentar para a África Digital (PRIDA), o Programa para o Desenvolvimento de Infra-estruturas em África (PIDA), a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), as Instituições Financeiras da União Africana (AUFI), o Mercado Único Africano dos Transportes Aéreos (SAATM) e a Livre Circulação de Pessoas (FMP) para apoiar o desenvolvimento de um Mercado Único Digital para África (DSM), no âmbito das prioridades de integração da União Africana.

A primeira constatação do Projecto é que quase 300 milhões de africanos vivem a mais de 50 kms de uma ligação de banda larga, pelo que a falta de disponibilidade generalizada de Internet de alta velocidade continua a ser um obstáculo significativo para que África tire pleno partido de todo o potencial da transformação digital. Os dispositivos móveis continuam a ser a principal forma pela qual as pessoas acedem à Internet, e as conexões específicas à mesma aos lares e escritórios são praticamente inexistentes, excepto em algumas capitais.
Os dispositivos móveis continuam a ser a principal forma pela qual as pessoas acedem à Internet, e as conexões específicas à mesma aos lares e escritórios são praticamente inexistentes
A dependência da banda larga móvel em vez da fixa significa que a fixação de preços ilimitados ou o uso ilimitado de dados não são muito comuns em África. No entanto, a revolução dos telemóveis abriu a porta ao investimento do sector privado nas telecomunicações e, agora, os novos modelos e serviços empresariais alargaram significativamente os serviços de comunicações sustentáveis.
Não há competências digitais nem pesquisa
Embora o continente seja responsável por 13,4% da população mundial, produz apenas 1,1% do conhecimento científico. África tem sido lenta a adaptar-se e a desenvolver os seus sectores científicos e tecnológicos e a comercializar as suas inovações, apesar dos múltiplos acordos e da decisão dos chefes de Governo e de Estado de aumentar o investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) para, pelo menos, 1% do PIB e da adopção da Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação para África 2024 (STISA). Apenas 1% do investimento mundial em I&D é gasto em África, sendo que o continente detém um minúsculo 0,1% das patentes mundiais.
Ainda de acordo com a Estratégia de Transformação Digital Para África (2020-2030), é necessário considerar o potencial humano formado localmente que os países africanos lutam para manter e utilizar a nível nacional. Além disso, uma explosão demográfica da população jovem resultará em 375 milhões de jovens a entrar no mercado de trabalho até 2030.
É fundamental garantir a disponibilidade generalizada de competências digitais que permitam aos cidadãos e às empresas aproveitar as oportunidades e prevenir os riscos da economia digital.

O que fazer?
Uma visão geral da União Africana conclui que, para que o continente concretize a tão esperada transformação digital e seja globalmente competitivo, é necessário cumprir várias condições prévias. A principal é o investimento e o cultivo de pessoas altamente qualificadas, como produtores, consumidores e inovadores de tecnologias digitais. O investimento nas capacidades digitais dos cidadãos, apoiadas por capacidades tecnológicas e humanas, constitui a estratégia mais sólida para o futuro.
Da mesma forma, como participantes activos no ecossistema digital, os cidadãos devem possuir capacidades digitais para abraçar e usar o avanço digital na vida diária.
Com uma estratégia de desenvolvimento de capacidades humanas e institucionais adequada e coordenada, os jovens, que constituem 60% da população total, podem ser remodelados, aproveitados, empoderados e transformados numa força de trabalho digitalmente adaptável, qualificada e inovadora que não só compreende, adopta e move-se com as tendências globais, mas também traça os seus próprios caminhos digitais para o crescimento e desenvolvimento inclusivos.
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R