A produção desmedida de plásticos é um dos maiores problemas ambientais que o mundo enfrenta nos dias de hoje. Mas, felizmente, este material tem, cada vez mais, um conjunto de utilizações úteis, inovadoras e amigas do meio-ambiente. Em Moçambique, há um projecto que quer, literalmente, construir casas com tijolos de plástico.
A sustentabilidade e a preservação do meio ambiente são, há muito tempo, assunto da agenda global, e em Moçambique correm vários projectos e programas oficiais do Governo, assim como de parceiros privados e de organizações internacionais deste âmbito. Como preocupação do Executivo, a preservação do meio ambiente faz parte da agenda nacional de desenvolvimento e consta do Programa Quinquenal do Governo 2020-2024 como terceira prioridade: “Fortalecer a Gestão Sustentável dos Recursos Naturais e do Ambiente”.
O Ministério da Terra e Ambiente tem, neste momento, cerca de dez programas ambientais em curso em diferentes pontos do País (PROMOVE Biodiversidade, BIOFIN, MozBio II, SunRed II, Probio, MozLand, MozFip, CONNECT, BIOFASC, APPEM), em parceria com diferentes parceiros e organizações internacionais.
Mas a abordagem de fundo neste artigo não é sobre o envolvimento do sector público para com a causa e, sim, do sector privado. E um dos inúmeros exemplos de que o País está a tomar a sério a mudança de paradigma para um mundo ecologicamente mais equilibrado é o projecto de empreendedorismo sustentável denominado Startup Rebrick ou Retijolo, uma inicitiva de colecta, separação e transformação de plástico recolhido no mar e nas ruas em tijolos para a construção civil, na cidade de Pemba, capital da província de Cabo Delgado.
A startup foi criada por um grupo de jovens – Yuri Fumo, Suzana Moiane, Andrade Guarda e Gónia – que observaram projectos idênticos a serem implementado noutras regiões e decidiram replicar.
Embora várias experiências pelo mundo comprovem a sua boa qualidade, os blocos sustentáveis da startup Rebrick ainda não foram utilizados na construção. Aguarda-se pelos testes
É uma startup nova, desenhada no ano passado e implementada no início deste ano. Além da protecção do meio ambiente, o negócio tem como foco dar oportunidade de trabalho a jovens deslocados do terrorismo em Cabo Delgado e às famílias mais pobres e vulneráveis.
O Rebrick também treina jovens, não apenas os deslocados, mas todos os que tiverem interesse, ensinando-lhes técnicas de transformação que podem ser úteis na geração de renda e nos seus empreendimentos futuros. É uma iniciativa inserida num projecto ainda maior, designado por Yopipila, um Hub de tecnologias verdes erguido em Pemba, o único ao nível nacional.
Como se faz a transformação?
De acordo com os criadores do empreendimento, o processo de produção de tijolos sustentáveis é “bastante simples”. O plástico é retirado do mar e das ruas da cidade e, através de uma máquina apropriada, é previamente separado e depositado em função do tipo, qualidade e resistência, para depois ser triturado e derretido. Uma vez triturado, o plástico é inserido numa outra máquina que o aquece e o transforma para o estado líquido. É depois depositado em moldes desenhados pela equipa do Rebrick para secar e assim formar os blocos ou tijolos sustentáveis.
Embora várias experiências pelo mundo comprovem a sua boa qualidade, os blocos sustentáveis da statup Rebrick ainda não foram utilizados na construção. Aguarda-se pelos testes à sua eficácia, conforme explica Yuri Fumo, um dos representantes do projecto.
“Ainda não construímos nada com este material, estamos numa fase de testes para avaliar a sua resistência e só depois de ter certeza da sua qualidade é que o poderemos usar”, explicou. Apesar da tensão militar que se vive em Cabo Delgado, o projecto tem vindo a destacar-se e a ganhar espaço para continuar a ser desenvolvido, em parte porque as suas instalações estão longe da área dos ataques armados. O representante da startup explica que, por outro lado, e precisamente por causa dos conflitos vividos na região, “muitas organizações internacionais que trabalham em projectos de reconstrução de Cabo Delgado e que estão ali sediados manifestam interesse em adquirir os nossos blocos. Assim, temos a possibilidade de vender o nosso projecto como uma das soluções para a reconstrução de casas e outras infra-estruturas”.
Custo de empreender… e necessidade de apoio
Yuri Fumo revela ainda que persistem muitas dificuldades para empreender na área da sustentabilidade em Moçambique, sobretudo por ser um campo que exige investimentos caros em equipamentos num cenário de falta de estímulos para a sua importação. “Tivemos de comprar máquinas que custam cerca de um milhão de meticais e este nem é o custo real das máquinas; elas devem custar em torno de 600 mil meticais, mas tivemos de gastar quase 60% do valor total do nosso investimento apenas com encargos aduaneiros. Para uma startup como a nossa é muito difícil conseguir apoio do Governo. Temos de construir e buscar soluções com esforço próprio”, observou o co-fundador da Rebrick.
Apesar das dificuldades que enfrenta, a startup tem a ambição de crescer e poder abastecer todo o mercado de Cabo Delgado com o seu produto e, no espaço de algum tempo, expandir-se para todo mercado nacional.
Yuri Fumo reconhece que já há muito a ser feito no País pela sustentabilidade, mas não resiste em fazer sugestões passíveis de adicionar valor a tais iniciativas. “Acredito que deviam existir regulamentos mais rígidos sobre as empresas e fábricas em operação no País. Embora criem empregos, deveriam pagar quotas de poluição. Precisamos ainda que as empresas públicas e privadas apostem nas startups sustentáveis que surgem e estimulem cada vez mais jovens a investirem nessa área, porque ajuda o meio ambiente e o planeta”, enfatizou.
Nos Estados Unidos da América, país em que se estima que o uso de plástico produza, anualmente, cerca de 42 milhões de toneladas de lixo (apenas 9% disso é reciclado, em parte porque a infra-estrutura de reciclagem não consegue acompanhar a produção de plástico), surgiu a startup ByFusion, em Los Angeles, com a missão de mudar esta realidade.
A ByFusion utiliza uma combinação de vapor e compressão para moldar todos os tipos de plásticos, mesmo os não recicláveis, em blocos de construção-padrão chamados ByBlocks. Estes podem ser usados para construir qualquer coisa, desde cercas e muros de contenção até terraços públicos e paragens de transporte público. Mas as verdadeiras “estrelas” são as máquinas patenteadas criadas para fazê-los.
Chamadas de Blockers, essas máquinas pesadas são alimentadas com montes de plástico que são espremidos em blocos – sem necessidade de classificação ou limpeza. Após anos de pesquisa e desenvolvimento, a empresa instalou uma unidade de produção completa em Los Angeles, onde processa 450 toneladas de plástico por ano, com mais 12 Blockers em andamento em todo o país. Outro projecto mundialmente conhecido, muito semelhante ao do Rebrick, é o do neozelandês Peter Lewis, que decidiu procurar uma forma de ajudar a contornar a poluição do mar com objectos plásticos.
Cerca de oito milhões de toneladas de plástico são deitadas nos oceanos todos os anos. Daí a importância de replicar a ideia do fabrico de blocos ecológicos a partir destes resíduos
Infelizmente para o engenheiro, o parco apoio financeiro à ideia na época impediu-o de continuar a pesquisa, logo, impediu também a produção de blocos chamados de RePlast. Entretanto, com a aplicação da tendência ambiental actual, o seu projecto retornou e os seus direitos acabaram sendo comprados pela norte-americana ByFusion. Assim, o RePlast faz parte das suas tecnologias a serem desenvolvidas.
Trata-se de um bloco que possui excelente eficiência térmica e alto isolamento de som, além de ter a capacidade de reduzir a pegada de carbono em 95% em relação ao bloco tradicional e de não precisar de colas ou adesivos. Devido a estas qualidades, já é utilizado como preenchimento de bases, substituindo, assim, o cimento, e também como uma boa alternativa para construções que visam certificações ambientais.
Outro exemplo é o da empresa indiana Rhino Machines que, em 2020, lançou o bloco de plástico de sílica – um tijolo de construção sustentável feito a partir da reciclagem de resíduos de areia/poeira de fundição (80%) e resíduos plásticos mistos (20%).
O bloco SPB (sigla em inglês) tenta enfrentar o enorme desperdício de poeira e a produção geral de poluição na Índia, o que gera um grave risco ambiental. Os SPB apresentam 2,5 vezes a força dos tijolos de barro vermelho normais, enquanto, para serem consumidos, precisam de cerca de 70% a 80% da poeira da fundição com 80% menos uso de recursos naturais.
O plástico nos novos negócios
Ao nível mundial, várias empresas investem na reciclagem do plástico para transformá-lo noutros produtos. São empresas de diversas áreas – moda, automóvel e mesmo alimentares, para produção de embalagens -, e de diferentes lugares do mundo, que já aderiram a este negócio que se revela cada vez mais rentável.
Os exemplos são inúmeros. Algumas das grandes empresas que apostam na reciclagem incluem a multinacional Coca-Cola que, em 2020, foi nomeada a poluidora número um de plásticos do mundo pela empresa ambiental Break Free From Plastic. Os seus logótipos e marcas atingiram o número de 13 834 peças de plástico em 51 países. A empresa já levava a cabo acções para diminuir a produção de plástico. Entretanto, em 2021, deu um grande passo ao anunciar uma nova garrafa feita de 100% de material reciclado.
A esta juntam-se várias outras empresas como a Ford (recicla 1,2 mil milhões de garrafas por ano, transformando-as em acessórios para automóveis), a Longchamp e a Prada, que têm colecções feitas com plástico reciclado.
Texto Filomena Bande • Fotografia D.R.