As grandes empresas que operam no sector extractivo reuniram-se, recentemente, na 9.ª Conferência de Exposição de Mineração e Energia de Moçambique para partilhar as suas experiências e estratégias no sentido de desenvolver capacidades das empresas moçambicanas. O que de lá saiu?
A Lei de Conteúdo Local ainda não foi aprovada, circunstância que todos sabemos. Esta (aparente) fragilidade concorre para a adopção de outras estratégias para materializar o objectivo de envolver directamente as empresas nacionais no negócio dos grandes projectos.
A preocupação é que, na ausência de um instrumento legal mais consistente para nortear as regras do Conteúdo Local, cada empresa desenvolve a sua política, estratégia e plano para o efeito. Esta questão sempre foi vista com alguma desconfiança, no sentido de que as multinacionais não têm qualquer preocupação em desenvolver negócios locais.
Verdade ou não, o certo é que o tema foi levantado na 9.ª Conferência de Exposição de Mineração e Energia de Moçambique, evento realizado recentemente em Maputo e que serviu para a partilha dos diferentes modelos de desenvolvimento do Conteúdo Local que estão a ser implementados pelas empresas.
O que acontece no gás…
A Sasol, petrolífera sul-africana que explora gás natural onshore nas bacias de Pande e Temane, província de Inhambane, foi a primeira empresa a exibir o que de melhor se faz para assegurar a participação de empresas locais nos seus empreendimentos. Trata-se de uma experiência que começou em 2019, altura em que a Sasol assinou um acordo com o Governo visando salvaguardar o Conteúdo Local, tendo depois desenvolvido um plano conjunto com o Instituto Nacional de Petróleos (INP).
O Instituto Nacional de Petróleos passou por uma reestruturação que criou dois pelouros, um dos quais designado de Pelouro de Desenvolvimento e Conformidade Empresarial
Na sua apresentação, o gestor nacional da Sasol, Ovídeo Rodolfo, revelou que o plano da empresa contempla cinco pilares, mas destacou apenas dois.
O primeiro tem que ver com o desenvolvimento da capacidade das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME) cuja implementação teve início em 2020 e já capacitou mais de 100 empresas, a maior parte das quais da província de Inhambane em matéria de gestão de negócios.
O segundo pilar diz respeito à criação, há dois anos, de um fundo de apoio às MPME e que já desembolsou mais de um milhão de meticais em benefício de dezenas de empresas, melhorando o seu processo de produção e de inserção no mercado.
… E no carvão
Presente na conferência, Sanjeev Gupta, director da Vulcan em Moçambique – mineradora que depois de adquirir as minas de carvão da brasileira Vale se tornou na principal operadora do mercado nacional –, revelou que “quando começámos as operações iniciadas pela Vale, o nosso cometimento era não só seguir as nossas obrigações, mas seguirmos acima daquilo que vinha sendo feito em termos de Conteúdo Local”. E continuou: “é possível desenvolver a empresa enquanto se desenvolve a comunidade. Acho que isso pode beneficiar todo o País e este é o nosso modelo de operação”.
O responsável esclareceu, na ocasião, que a Vulcan está também a trabalhar com o Governo local para desenvolver a cidade de Moatize. “Para nós crescermos como empresa precisamos de atrair os melhores. Acontece que os melhores tendem a vir para Maputo, pois Tete não é a melhor opção.
Então queremos desenvolver a pequena cidade de Moatize para atrair os melhores e torná-la num lugar atractivo onde as pessoas queiram ir”, prometeu Sanjeev Gupta sem avançar mais detalhes.
Lições dos últimos dez anos
Na ocasião, o coordenador do Conteúdo Local ao nível do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), António Cumbane, recordou que apesar da falta de uma Lei “temos algumas linhas orientadoras para garantir a maximização do valor arrecadado em Moçambique proveniente dos projectos de Oil & Gas e temos um grupo de Conteúdo Local que é formado por várias instituições públicas.
Em termos de estratégia, privilegiamos três pilares: a formação ou capacitação dos recursos humanos, a capacitação das MPME e o desenvolvimento de linhas de financiamento das empresas”.
Sobre a capacitação, António Cumbane revelou terem sido formados técnicos médios e superiores para servirem as empresas e para garantirem a sua empregabilidade nos grandes projectos. Também foram apetrechadas as instituições de educação vocacional e técnico-profissional.
Quanto à capacitação das empresas, reconhece haver limitações no que diz respeito à provisão de meios tecnológicos e certificações de qualidade, “por isso, optámos pela certificação e capacitação das empresas através de joint ventures entre entidades nacionais e empresas internacionais com experiência na provisão de fornecimento de bens e serviços”.
O que faz o regulador?
Recentemente, o Instituto Nacional de Petróleos (INP), regulador do sector, passou por uma reestruturação, tendo criado dois pelouros, mas o foco vai para apenas um, voltado para o desenvolvimento do sector empresarial e designado de Pelouro de Desenvolvimento e Conformidade Empresarial.
Possui duas direcções: uma olha para a conformidade relativamente ao Conteúdo Local e monitoria, e a outra acompanha e garante que as directrizes da participação do sector privado nacional na cadeia de valor sejam, de facto, maximizadas ou o mais efectivas possível.
Natália Camba, directora de Promoção e Desenvolvimento do Sector Privado no INP, intervindo na sessão, explicou que “o quadro legal traz algumas previsões relativamente à obrigatoriedade de formar e capacitar, tanto a mão-de-obra local como as MPME, além de alguns princípios que dizem respeito à aquisição de bens e serviços para o sector de petróleo e gás”.
Existem, igualmente, algumas disposições legais que remetem a obrigação das multinacionais, como o Decreto Lei que já traz a obrigatoriedade de apresentar um plano de Conteúdo Local…”
Já a Associação dos Mineiros de Moçambique, em contraposição, entende que “temos de ter uma estratégia clara e objectiva de industrialização. Temos uma legislação solta sobre o Conteúdo Local, e sem qualquer estratégia clara de industrialização baseada em recursos minerais.
Trazemos aqui uma proposta sobre qual seria o caminho para alcançarmos essa industrialização”, apontou Reinaldo Gonzales, presidente da Associação, propondo soluções em duas etapas, nomeadamente o planeamento e o suporte institucional para haver clareza sobre quem e como conduz o processo.
Texto Nário Sixpene • Fotografia D.R