O stock total da dívida de Angola à China, de cerca de 20 mil milhões de dólares, segundo dados do banco central relativos a 2022, é um assunto que começa a ganhar lastro político e está a merecer atenção das autoridades de Pequim.
Esta observação resulta do facto da Fundação Rui Cunha, em Macau, ter recebido no final do mês de Maio a conferência “China e Angola: Um Modelo para as Relações Sino-Africanas”, no decurso da qual Rui Verde, visiting fellow na Universidade de Oxford e consultor jurídico do site Maka Angola, abordou a confusão com que Angola e China se debatem, resultante da apropriação privada de empréstimos feitos por Pequim.
Esta exposição, atendendo à natureza do regime e ao posicionamento de Macau como pivô das suas relações com os PALOP, significa que a China está atenta a este problema e à possibilidade do valor total desta dívida vir a ser questionada pelo actual Governo angolano ou por aquele que lhe suceder depois das eleições de 2027, sendo que a UNITA se apresenta como uma alternativa cada vez mais forte.
Pequim, naturalmente, não irá contemplar um perdão de dívida a Angola, mas existe uma conjugação de factores que abre a possibilidade para uma renegociação da mesma, e, inclusivamente, uma redução substantiva.
O montante total da dívida, em si mesmo, é uma incógnita. “O think tank” inglês Chatam House identifica uma dívida de Angola à China no valor de 42 mil milhões de dólares, montante que supera a soma dos outros três países que mais devem àquele país: Etiópia (13,7 mil milhões de dólares), Zâmbia (9,8 mil milhões de dólares) e Quénia (9,2 mil milhões de dólares).
A China ganhou concorrência mais aguerrida em África, do Ocidente e também da Rússia, fruto da guerra na Ucrânia, e pretende manter a sua influência, mesmo que isso signifique alguma cedência na forma como avalia as dívidas desses países.
Rui Verde, no final de Junho, no decurso do 2.° Congresso Internacional de Angolanística, referiu um despacho produzido no Verão de 2022 pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola que, em seu entender, resume a história da relação recente entre Angola e China.
“Na essência, percebe-se que aparentemente sob a coordenação e supervisão de Manuel Vicente, que em Angola foi respectivamente presidente do conselho de administração da Sonangol, ministro de Estado da Coordenação Económica e vice-presidente da República (1999-2017), se arquitectou uma fórmula sofisticada segundo a qual uma boa parte dos empréstimos e pagamentos da China para fins públicos foram apropriados por entidades privadas”, considerou o jurista.
Segundo Rui Verde, “essa arquitectura legal e financeira terá assentado na criação de empresas privadas angolanas, com alguma participação de entidades chinesas, como a China Sonangol ou o China Investment Fund (CIF) pelas quais terão saído avultados montantes para pessoas privadas, quando objectivamente os fundos deviam ter sito transmitidos para o erário ou companhias da esfera pública. Contas por alto só nesse processo podem chegar a mais de dois mil milhões de dólares desviados dos objectivos de interesse público para apropriação privada”.
Este valor pode ainda ser muito mais elevado. Nas contas de Rafael Marques, fundador do Maka Angola, metade da dívida de Angola à China não acabou em projectos públicos mas sim em contas bancárias privadas.
Por isso, sustenta Rui Verde, “a China está obrigada e deve analisar a dívida que tenha sido eventualmente constituída com propósitos corruptos ou de benefício ilegítimo e a dívida de Angola deve ser revista exaustivamente, nessa perspectiva”. O facto de a China se disponibilizar a ouvir esta abordagem é um indício de que está sensível a este dossiê.
A PGR resolveu, na semana passada, desmentir a notícia do Negócios de que se tinha deslocado ao Dubai com o objectivo de deter Isabel dos Santos, tendo pedido para tal ajuda das autoridades do Emirado. O desmentido é infeliz na forma e coxo no conteúdo, aquando por confirmar de forma sub-reptícia a informação divulgada pelo Negócios. “Ninguém de sã consciência e conhecedor das leis e dos tratados internacionais se arroga à pretensão de ir pessoalmente a outro país, sem poder de jurisdição, para efectuar uma detenção”.
O PGR tem-se deslocado a vários países para o reforço da cooperação com instituições congéneres, no âmbito de acordos bilaterais e multilaterais existentes”, afirmou o porta-voz da PGR angolana, Álvaro João, admitindo de seguida que Héldez Pitta Gróz “esteve nos Emirados Árabes Unidos para tratar de questões correntes, e de interesse comum, pelo facto de a Procuradoria-Geral da República ser a Autoridade Central para a Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal”. Para bom entendedor meia explicação basta.
Fonte: Negócios