Enquanto todos nos focamos num crescimento baseado nos recursos naturais, agricultura, infra-estruturas, diversificação da economia… há um mercado que vai passando despercebido, mas que tem o condão de inverter a rota do desenvolvimento para uma perspectiva de baixo (comunidades) para cima (economia no seu todo).
É o mercado de carbono. Moçambique é já um dos actores importantes em África enquanto mercado que tem a oferecer sustentabilidade ambiental ao mundo e ganhar milhões com isso. Estaremos a explorar adequadamente esta oportunidade? O que temos de fazer e o que é feito pelo mundo fora? É o que já vamos saber.
Reduzir o desmatamento, evitar a queima de combustíveis fósseis, adoptar o uso das energias renováveis e combater práticas de produção agrícola nocivas ao ambiente deixou de ser um objectivo meramente ambiental e passou a ser também uma importante fonte de divisas para os países.
E Moçambique já as está a ganhar dentro do contexto das várias iniciativas que compõem o mercado de carbono, que existe há já algum tempo, mas de que pouco se fala.

Uma análise recente a este mercado indica que, no ano passado, a emissão de créditos de carbono em Moçambique aumentou 1894%, sem precedentes, atingindo 1,7 milhões de créditos, um aumento assinalável se comparado com os cerca de 86 mil créditos do ano anterior.
Existem muitos processos que emitem carbono. Na natureza, existem outros que absorvem carbono do ar, como as árvores no seu processo de desenvolvimento
A análise, publicada pela FurtherAfrica – plataforma online de conteúdos com foco na história do desenvolvimento e crescimento do continente africano – revela que esse aumento é notável porque, historicamente, Moçambique, como a maioria dos outros países da África, tem beneficiado pouco dos mecanismos do mercado de carbono.
Ou seja, no período compreendido entre 2005 e 2019 (15 anos), o País tinha registado apenas 24 projectos com 121 836 créditos emitidos.
Mas, de repente, o cenário mudou drasticamente: desde o início de 2020, 30 novos projectos de carbono foram registados e mais de 1,8 milhão de créditos foram emitidos.

Outros 33 projectos de carbono iniciaram o processo de registo. Consta também o facto de que grande parte dos créditos de carbono emitidos no País no ano passado veio de projectos de troca de combustível, purificação da água e produção e massificação dos fogões eficientes.
Quanto ao potencial de Moçambique, projecções da Iniciativa dos Mercados de Carbono em África (ACME) – uma colaboração entre a Aliança Global de Energia para as Pessoas e o Planeta (GEAPP), a Energia Sustentável para Todos e a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) – estimaram que é possível gerar entre 10 milhões e 25 milhões de créditos de carbono por ano até 2030, com um valor anual em encaixes que varia entre 200 milhões e 500 milhões de dólares.

Com efeito, e graças aos avanços alcançados nos últimos anos na redução das emissões, em 2021, o País ganhou 50 milhões de dólares em créditos de carbono, dinheiro que resultou do compromisso do Governo com a redução de emissões por desmatamento no âmbito do Fundo de Carbono do “Forest Carbon Partnership” (FCPF).
Tornou-se, assim, no primeiro país a receber pagamentos de um fundo fiduciário do Banco Mundial para reduzir as emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal – conhecido como REDD+.
No mesmo ano, Moçambique tinha recebido, igualmente do Banco Mundial, 6,4 milhões de dólares por reduzir 1,28 milhão de toneladas de emissões de carbono.
Comecemos por perceber o que são créditos de carbono
O conceito surgiu a partir do Protocolo de Kyoto, de 1997, que visava a diminuição dos gases de efeito estufa. Esses créditos fazem parte de um mecanismo de flexibilização que auxilia os países que possuem metas de redução da emissão de gases poluentes a alcançá-las. A cada tonelada não emitida, gera-se um crédito de carbono.
Assim, quando um país consegue reduzir a emissão dessa tonelada, recebe os créditos que estarão disponíveis para serem comercializados com os países que não alcançaram as suas metas. Para melhor compreender o funcionamento deste mercado, a E&M conversou com o director para financiamentos inovadores da Biofund, Sean Marek Dyas Nazerali.
Quando um país consegue reduzir a emissão de carbono, recebe os créditos que estarão disponíveis para serem comercializados com outros países
A primeira coisa que fez questão de esclarecer, na conversa, é que a Biofund não está envolvida, de maneira nenhuma, no mercado de carbono, apesar de ser uma organização com interesse e várias intervenções com respeito à preservação do meio ambiente. Para melhor explicar o mercado, comparou as emissões de carbono com o envio de camadas e mais camadas de cobertores para a atmosfera, acabando por causar o aquecimento global e, por consequência, tempestades mais fortes. “Tal como existem muitos processos que emitem carbono, na natureza existem outros que absorvem carbono do ar, como as árvores no seu processo de desenvolvimento.

Os oceanos também sugam carbono da atmosfera e todos estes processos contribuem para a limpeza do ar. Então, o conceito geral por detrás dos créditos de carbono é o de sugar quantidades de carbono que estão na atmosfera.
A ideia é que, se alguém pode fazer algo para tirar um ‘cobertor’, então pode transaccionar com o que fabrica tais ‘cobertores’. Ou seja, o fabricante paga a quem retira os ‘cobertores’ e assim o impacto é zero.
E esse processo é tecnicamente designado por sequestro de carbono”, explicou. Um ponto positivo a favor de Moçambique, ainda de acordo com Sean Marek Dyas Nazerali, é que o carbono pode ser sequestrado em qualquer lugar (o que potencia os ganhos financeiros), mesmo que o País não seja um grande emissor.
Mas é também verdade que Moçambique emite uma certa quantidade de carbono, principalmente através do desmatamento.
Por isso, evitar esta prática é a maneira mais decisiva de reduzir as emissões e há aqui uma oportunidade de fazer uma série de investimentos neste âmbito, parte dos quais já está em curso.

E o que está a ser feito?
A E&M ouviu também a directora do Banco Mundial para Moçambique, Madagáscar, Ilhas Maurícias, Seychelles e Comores, Idah Pswarayi-Riddihough.
A responsável revelou que a sua instituição está a despender muito dinheiro em apoio ao fim do desmatamento em nove distritos da província da Zambézia (Alto Molocué, Gilé, Gurué, Ile, Maganja da Costa, Mocuba, Mocubela, Mulevala e Pebane). Nesses locais, as comunidades estão a receber incentivos para substituírem o uso do carvão e da lenha, bem como a receberem treinamento para evitarem a agricultura baseada no desmatamento.
Em troca, recebem uma parcela previamente acordada dos pagamentos em relação à sua contribuição “Neste quadro, existe um Plano de Partilha de Benefícios preparado junto das estruturas locais e das comunidades para garantir que os benefícios sejam canalizados aos que mais contribuíram para a redução do desmatamento. É uma estratégia, segundo a representante do Banco Mundial, que garante a contínua promoção da restauração de áreas degradadas, ao mesmo tempo que estimula modelos agrícolas favoráveis à conservação do ambiente.
No caso de projectos de redução de carbono, as emissões globais permanecem positivas. E os exemplos incluem investimentos nas renováveis
Estima-se que cerca de 43% ou 34 milhões de hectares de todo o País estejam cobertos por florestas naturais que foram severamente degradadas ao longo dos anos.
E o Banco Mundial acredita que este programa tem grande potencial para a melhoria da qualidade de vida das populações rurais abrangidas. A meta da instituição é que, até ao final de 2024, Moçambique possa evitar emissões de dez milhões de toneladas de carbono. O Forest Carbon Partnership Facility (FCPF), programa lançado em 2008 e através do qual o Banco Mundial intervém no mercado de carbono em Moçambique, é uma parceria global de governos, empresas, sociedade civil e organizações de povos indígenas com foco na redução de emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal, conservação de de stock de carbono florestal, gestão sustentável de florestas e aumento de de stock de carbono florestal em países em desenvolvimento.
O projecto dos fogões melhorados da MozCarbon
Uma das fontes de rendimento através dos créditos de carbono é a utilização de fogões melhorados. Ouvimos a MozCarbon, empresa responsável que é a empresa responsável por apoiar esta iniciativa, actuando transversalmente nos sectores de tecnologia limpa para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e promover o desenvolvimento sustentável em todos os seus componentes (ambiental, social e económico).
De acordo com aquela, a Global Alliance for Clean Cookstoves mostra que em Moçambique uma grande proporção da população (96%) ainda depende de combustíveis sólidos (lenha e carvão) para cozinhar. Isso apresenta sérios problemas, incluindo mortes relacionadas com a poluição do ar interno (13 mil anualmente, das quais 50% são crianças), desmatamento e combustíveis e fogões de cozinha inseguros e caros.
A partir desta realidade, a empresa está a implementar um programa de actividades denominado Cozinha Eficiente e Limpa para Agregados Familiares Moçambicanos de Baixo Rendimento, cuja meta é distribuir e monitorar o uso de pelo menos 250 mil fogões melhorados de biomassa (lenha e carvão) em todo o País.
A empresa garante que esta iniciativa é capaz de gerar uma poupança mensal de pelo menos 50% no orçamento alocado à energia para cozinha (carvão e lenha) pelos agregados familiares e permitir a utilização dessas economias noutras necessidades da família, bem como a redução de fumos, diminuindo significativamente as doenças respiratórias, que são uma das principais causas de morte em Moçambique. Acresce a estas vantagens que os fogões são vendidos a preços acessíveis a agregados familiares urbanos e periurbanos de baixo rendimento, através de um subsídio até 60% do custo do preço de mercado.
As grandes preocupações do mercado de carbono
Apesar da já bem aceite e reconhecida importância, a questão em torno da eficácia deste mercado ainda dá que falar. Especialistas ao redor do mundo consideram que é aqui que se coloca o problema de “adicionalidade”.

Por exemplo, se um proprietário de terra é pago para não cortar árvores, mas não tinha planos de cortá-las em primeiro lugar, o projecto não oferece economia adicional de emissões. O proprietário é pago para não fazer nada e as emissões do comprador não são compensadas.
No caso de projectos de redução de carbono, as emissões globais permanecem positivas. E os exemplos incluem investimentos nas renováveis
Ou seja, fornecer créditos de carbono para projectos que teriam sido implementados de qualquer maneira oferece mitigação climática zero e pode resultar em emissões globais maiores do que se os créditos não tivessem sido emitidos. Analistas entendem que este é um sério desafio para os mercados de compensação de carbono porque a adicionalidade não é mensurável, apesar das alegações da indústria.
Por outras palavras, embora os gestores de projectos possam alegar que não podem prosseguir sem financiamento, não há como saber se essas alegações são verdadeiras. Uma segunda questão aqui levantada é a permanência.

Quer dizer que as compensações de carbono devem ser permanentes porque as emissões permanecem na atmosfera por centenas de anos. E há o entendimento de que é quase impossível garantir que as emissões sejam compensadas por tanto tempo.
Argumentam, no entanto, que, no caso de projectos de redução de carbono, as emissões globais permanecem positivas. Exemplos de créditos de redução de carbono incluem investimentos em energia renovável.
Mesmo que o fornecedor do crédito de carbono não esteja a gerar emissões, o comprador continua a emitir e, portanto, o nível geral de emissões é positivo.
E a conclusão é que “a neutralidade de carbono não pode ser alcançada usando créditos de redução de carbono”.
Assim, deveria haver mais financiamento disponível para actividades de redução de carbono em África, mas os investidores não deveriam receber créditos de carbono para compensar as suas próprias emissões ao apoiar essas actividades. Tais investimentos seriam filantrópicos – para o bem do planeta, não para equilibrar as contas de carbono.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo & D.R.