A agência norte-americana Standard & Poor’s estima que a África Oriental venha a tornar-se no novo centro de projectos de grafite à medida que a indústria de veículos eléctricos for crescendo. Embora internamente não se encontrem sinais de crescimento do mercado moçambicano, por fora, o País é visto entre os que mais se projectarão neste negócio.
Espera-se que o crescimento sem precedentes na produção de veículos eléctricos gere um grande aumento na demanda e nos preços de grafite na próxima década. As vendas daquele tipo de veículos tiveram um crescimento considerável nos últimos anos, atingindo 9,4% da penetração global de veículos de passageiros em 2021 e devem triplicar até 2026.
A S&P Global Commodities Insights estima que as vendas de veículos cresçam a uma taxa de mais de 28% ao longo deste período. Como consequência, os materiais de bateria rapidamente se tornaram críticos para a cadeia de suprimentos automotiva, com grandes empresas a estabelecerem parcerias com fabricantes de células de bateria e mineradoras da matéria-prima.
De acordo com os analistas da Standard & Poor’s (S&P), uma bateria de iões de lítio precisa de dez vezes mais grafite do que lítio, com cada veículo eléctrico a exigir aproximadamente 55 kg de grafite em flocos para fazer o ânodo da bateria.
“E parece que os projectos africanos podem ser beneficiados”, estima a S&P Global Commodity Insights, sinalizando que o continente “poderá ser o lar do novo boom em projectos de mineração de grafite”.
De acordo com a Benchmark Minerals Intelligence, Moçambique está prestes a tornar-se uma importante região produtora de grafite em flocos, prevendo um aumento de cinco vezes até 2030
Historicamente, a maior parte da grafite foi extraída e processada na China, país que produziu 820 mil toneladas métricas de grafite em 2021, cerca de 79% da produção global total, de acordo com o US Geological Survey. Em comparação, o segundo maior produtor foi o Brasil com cerca de 68 mil toneladas, seguido por Moçambique com 30 mil toneladas, da Rússia com 27 mil toneladas e de Madagáscar com 22 mil toneladas. Mas outros países como os da península Escandinávia, da América do Norte, Austrália – e especificamente o Leste da África – estão a lançar novos projectos.
África é alternativa ao abastecimento chinês
De acordo com a Benchmark Minerals Intelligence – entidade que regula o mercado de matéria-prima em lítio, cobalto, grafite e níquel –, Moçambique está prestes a desenvolver-se como uma importante região produtora de grafite em flocos, prevendo um aumento de até cinco vezes mais até 2030 em relação aos níveis de 2021.
“Com a produção chinesa de grafite prevista para aumentar em 45% no mesmo período, e a demanda a jusante definida para escalar ainda mais, os players do mercado chinês podem buscar cada vez mais o fornecimento no exterior para atender às suas necessidades de matéria-prima, o que fará com que África actue cada vez mais como um centro alternativo de fornecimento de grafite em flocos”, refere a Benchmark, que prevê, igualmente, que a produção de flocos africanos representará 44,3% do mercado global até 2030, em comparação com 12,5% em 2021. Este cenário poderá, simultaneamente, ser favorecido pelo comportamento dos preços. É que embora os preços da grafite não tenham subido 400% como os do lítio, ao terem aumentado 22% em 2022 em comparação com o ano anterior fazem prever um cenário favorável.
Os preços da grafite em flocos pequenos adequados para o mercado de baterias estão acima de 800 dólares por tonelada, sendo negociados tradicionalmente entre 500 e 550 dólares por tonelada.
De acordo com a Benchmark Mineral Intelligence, a subida de preços acabou por ser influenciada pelo conflito Rússia-Ucrânia, que pode cortar 30 mil toneladas de oferta no mercado europeu da mina Zavalievsky da Volt Resources na Ucrânia e da mina Taginka da Ural Graphite na Rússia. Além disso, os ciclones no início deste ano em Madagáscar e os casos de covid-19 na China também causaram interrupções logísticas.
Espera-se défice estrutural já em 2023-2024
A produção da grafite natural pode enfrentar um défice estrutural a partir deste ano e no próximo, à medida que se verificar o crescimento da demanda global por grafite processado (também conhecido como grafite esférico). Com a procura a superar a oferta, estima-se um défice natural de grafite de 3,7 milhões de toneladas até 2030, representando cerca de 37% do mercado.
Embora os ânodos de grafite para veículos eléctricos possam ser sintéticos ou naturais, até 2030 espera-se que estes materiais representem quase metade da demanda mundial de grafite
Embora os ânodos de grafite para veículos eléctricos possam ser sintéticos ou naturais, até 2030 espera-se que estes materiais representem quase metade da demanda. “Prevemos que o peso de mercado da grafite natural em flocos aumente devido à sua pegada ambiental favorável, especialmente à medida que as indústrias se tornam cada vez mais focadas na sustentabilidade da cadeia de suprimentos”, considera Ilka von Dalwigk, gestora de política da EIT InnoEnergy na European Battery Alliance, entidade fornecedora de dados de referência e apoio ao estabelecimento de um ecossistema europeu de baterias.
Este cenário reforça a previsão de que os próximos anos serão de oportunidades nunca antes vistas para os países produtores e com reservas de grafite, e Moçambique pode ganhar se a partir de agora fizer o devido acompanhamento da trajectória do mercado global e tomar medidas para assegurar um posicionamento de destaque também no que diz respeito à transformação deste minério.
Os projectos mais destacados de África
A S&P Global Commodity faz menção, mais uma vez, à Syrah Resources. Lembra que este projecto arrancou em Balama, província de Cabo Delgado, em Novembro de 2017 e, até ao primeiro trimestre do ano passado, havia produzido 46 mil toneladas de grafite natural com 76% de recuperação e com 35 mil toneladas vendidas.
Até ao final do primeiro trimestre do ano passado, a empresa tinha um saldo de caixa de 205 milhões de dólares. A instalação de material de ânodo activo de 11,25 ktpa (quilotoneladas por ano) deve iniciar a produção no terceiro trimestre de 2023.
Outro projecto africano de relevo está também em Moçambique e é o da Triton Minerals, cuja actividade tem lugar no distrito de Ancuabe, também em Cabo Delgado. A empresa anunciou que assinou um acordo vinculativo de aquisição com o fabricante chinês de produtos de grafite, a Yichang Xincheng Graphite (Xincheng), em Novembro de 2021.
Sob o acordo, a Triton fornecerá à Xincheng até 10 mil tpa (toneladas por ano) de concentrado de grafite em flocos da sua planta piloto comercial em Ancuabe. O negócio, com a duração de cinco anos, tem potencial para aumentar para um volume maior após a construção completa do projecto, que tem uma capacidade nominal de 60 mil tpa, caso a fase inicial seja bem-sucedida.
O plano era construir, inicialmente, uma planta piloto comercial de pequena escala, capaz de produzir concentrado de grafite em flocos de forma comercial dentro de 18 meses, até Setembro de 2023 corrente. Em seguida, a empresa expandir-se-ia para uma mina de grande escala, conforme previsto em 2017.
A Tritton tinha 3,2 milhões de dólares em caixa em 31 de Março de 2022.
O terceiro grande projecto é tanzaniano e é desenvolvido pela Black Rock Mining no projecto de grafite denominado Mahenge. O potencial actual é avaliado em 213,1 milhões de toneladas. Em 2021, a empresa concluiu a operação de uma campanha de qualificação em larga escala na China, que processou 500 toneladas de grafite a granel do projecto Mahenge.
“A demanda global por grafite continua a crescer, com ventos positivos no mercado, proporcionando à Black Rock uma oportunidade excepcional de se tornar num grande produtor de grafite na cadeia de fornecimento de energia limpa”, disse a empresa num dos seus relatórios de desempenho.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo