Países da Europa, Estados Unidos e China, por exemplo, definiram a grafite como um “recurso crítico” dado o seu elevado valor industrial e a elevada procura, actual e futura. Este é o caminho que Moçambique deveria seguir, de acordo com o consultor em Geologia e Minas, Reinaldo Gonçalves Júnior.
Mestre em Geologia e Minas, consultor na área de recursos minerais e com uma experiência de mais de 30 anos a trabalhar no sector da indústria extractiva, Reinaldo Gonçalves Júnior defende que o Estado deve induzir a industrialização alicerçada na exploração da grafite e de todos os recursos naturais que ocorrem no País, de um modo geral.
Fala, por exemplo, da possibilidade de produção de ânodo ou de baterias como forma de maximizar os ganhos da exploração da grafite em Moçambique e de garantir a sustentabilidade através da monetização do mesmo. Sublinhando o facto de que a industrialização envolvendo a grafite pode conduzir a uma verdadeira mudança estrutural da economia, o geólogo realça que tal deve ser feito com o envolvimento do empresariado moçambicano, o que, até agora, infelizmente, não está a acontecer.
Moçambique tem na grafite um recurso considerado estratégico pela diversidade da sua aplicação. Por exemplo, é um elemento indispensável no fabrico de baterias, que representam o presente e o futuro no desenvolvimento de energia limpa. Porque será que pouco se fala e se sabe sobre este recurso?
Eu diria que não se está a colocar a prioridade necessária sobre este recurso e outros. No mecanismo actualmente implantado de desenvolvimento de recursos minerais, esperamos que o investidor chegue ao País e diga como quer fazer as coisas e não como nós queremos que ele faça. Do ponto de vista da pretensão, se formos para a política e estratégia de desenvolvimento de recursos minerais, vamos ver que está lá prevista a questão da industrialização, mas, na prática, estas coisas não acontecem.
“Quando alguém despertar para esta situação será tarde demais porque já teremos perdido muito e assumido compromissos que, normalmente, são de difícil reversão”, Reinaldo Gonçalves
Quem regula a gestão dos projectos mineiros é o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), através do INAMI (Instituto Nacional de Minas), um processo que consiste apenas em licenciar, pagar taxas, apresentar o projecto (dizer o que quer fazer), realizar estudos de viabilidade, dizer que quer exportar e acabou. Isto é, o País não se está a apropriar dos recursos para criar riqueza, pólos de desenvolvimento industrial, investir em toda a cadeia de valor e consequentemente na mudança estrutural da economia, garantindo assim a sustentabilidade.
Não somos nós que definimos o que queremos fazer com o recurso, para em seguida chamarmos o investidor para participar no que já definimos, particularmente com a grafite, em negócios justos, onde há partilha de riscos e de benefícios entre todos os intervenientes.
Mas isto está tudo nos documentos aprovados tanto pela Assembleia da República como pelo Governo. O que está a falhar, essencialmente?
É um facto que este objectivo está plasmado na Legislação Mineira Moçambicana aprovada pela Assembleia da República, mas a Política e Estratégia dos Recursos Minerais vigente (resolução n.º 89/2013), aprovada pelo Conselho de Ministros, nunca foi transformada num plano estratégico ou operacional. Seria necessário que fosse elaborado um plano da sua operacionalização, com responsabilidades claras e objectivos específicos, mensuráveis e realizáveis num determinado período de tempo.
Isto significa que, actualmente, o investidor é que nos conduz o desenvolvimento dos recursos e não o contrário. Sendo assim, o nosso desenvolvimento não acontece como nós pretendemos, mas sim ao ritmo dos que têm capital para investir na extracção dos nossos recursos. Acredita que uma empresa que vem da Austrália, por exemplo, estaria engajada em defender os nossos interesses e querer adicionar valor na grafite? Claro que não.
Só vem e tira para vender no mercado internacional e/ou alimentar a indústria do seu país ou do local de interesse do seu grupo. Enquanto nós não exigirmos que uma concessão de exploração deve estar associada a um plano de industrialização, particularmente nos minerais críticos ou estratégicos, nada vai acontecer.
E como ultrapassar este aparente desencontro das regras legais e colocar o investidor a actuar dentro das regras que nos seriam favoráveis?
Posso dar exemplos. Em todos os países desenvolvidos, particularmente os da União Europeia, os Estados Unidos e a China, a grafite é um recurso considerado estratégico ou crítico, porque a procura, neste momento e nos próximos anos, deverá ser muito alta e superior à oferta.
Temos de criar regras claras, colocar o financiamento, tecnologia e outros elementos necessários à disposição dos privados e fazer acompanhamento e fiscalização. Todos fazem assim
Os países que estão a investir nas tecnologias de conservação de energia, como é o caso de baterias para os carros eléctricos, vão demandar cada vez mais por grafite, para se manterem, porque é um recuso fundamental e o maior componente das baterias.
Então, muitos países estão a desenhar e a implementar estratégias para garantir que o fornecimento deste recurso nunca falte, providenciando apoios às empresas do seu país para obterem o recurso pelo mundo fora. Nós também podemos ultrapassar este estado de coisas, desenhando e operacionalizando a nossa política de desenvolvimento, aproveitando esta correlação de forças internacionais, mas priorizando o nosso interesse e a participação activa dos moçambicanos. É preciso, acima de tudo, que haja uma liderança efectiva para que este processo se desenrole e funcione.
Geralmente, em mercados com pouco rigor na exploração de recursos como o nosso, a compra dos recursos não costuma ser a um preço justo. Não será este também o caso de Moçambique em relação à grafite?
É óbvio que eles querem comprar pelo preço mais baixo possível, gastando o mínimo necessário. Chegar a Moçambique ou outro país qualquer onde é possível extrair a um preço baixo para depois irem processar nos seus países e desenvolver e fortalecer a sua economia, mantendo a hegemonia e o status quo existente, é o que pretendem a não ser que nos consigamos impor para equilibrar a balança.
Quando alguém, um dia, despertar para esta situação será tarde demais porque já teremos perdido muito e assumido compromissos que, normalmente, são de difícil reversão.
Neste momento, temos 53 licenças de prospecção e pesquisa de grafite em Moçambique, sendo que duas já estão na fase de produção e algumas outras na fase de desenvolvimento. Vamos a tempo de evitar que os que estão na fase embrionária produzam grafite exportada sem adicionar valor?
Bem, o número de licenças de prospecção e pesquisa é bom porque vai permitir-nos avaliar e quantificar os recursos e reservas que o País tem em termos daquilo que pode ser explorado. Agora, o problema está depois daí.
Após a identificação e quantificação do recurso, qual é o plano de desenvolvimento? Temos de ser nós, os moçambicanos, a definirmos o que queremos e não os investidores. Repito, uma liderança efectiva do Estado é fundamental e a participação activa dos moçambicanos é imprescindível.
Seria demasiado sonhador ter uma indústria de baterias, considerando o mercado da África Austral?
Tudo começa por aí. Produzindo o ânodo a partir da grafite, depois é só adicionar o catado – outra componente que é feita de metais como o manganês e/ou o níquel -, o cobre, que juntamente com os iões do lítio formam os minerais que compõem as baterias, e que são recursos existentes em Moçambique, alguns já em produção e outros por estimular ou promover a sua prospecção e exploração.
Portanto, precisamos de criar as sinergias necessárias para fazer isso acontecer, mesmo que tenhamos de ir buscar alguns componentes em falta nos países vizinhos ou no mercado internacional. Precisamos de começar a dar passos nesse sentido, começando por produzir o ânodo que está perfeitamente ao nosso alcance com a grafite que temos.
Em muitas das suas intervenções defende a participação do empresariado nacional. Não se coloca aqui a questão de interesse, capacidade técnica e financeira para se envolver numa área tão específica da indústria. Como se consegue isto?
O empresário moçambicano precisa do suporte do Estado para conseguir impor-se neste negócio, tendo em conta que o objectivo é o mesmo e todos os intervenientes devem comparticipar nesta empreitada, tendo em vista ganhos mútuos.
É verdade que estamos numa economia de mercado e o Estado não intervém directamente na economia, mas deve haver consciência que o empresariado local deve ser induzido para dar o salto. Por exemplo, os Estados Unidos, depois de declararem a grafite como um mineral crítico para o seu país, criaram um fundo público para ajudar as empresas privadas a irem buscar este recurso noutras partes do mundo, incluindo em Moçambique, para alimentarem as suas indústrias e necessidades de desenvolvimento.

Isto é assim em todo o mundo, na China acontece o mesmo. Por isso, temos de ter uma estratégia que estimule o empresariado moçambicano a participar activamente neste processo. Se não fizermos isso será tudo obra do acaso.
Normalmente os outros aproveitam-se quando se apercebem que não temos clareza no que queremos, não temos planos e não estamos organizados para alcançar o objectivo pretendido. Agora, será que é esse desenvolvimento que nós queremos para o País, onde tudo é obra do acaso? Não precisam de ser empresas do Estado, porque está provado que estas normalmente têm problemas de gestão e foco. A saída é criar regras claras, colocar o financiamento, tecnologia e outros elementos necessários à disposição dos privados e fazer acompanhamento e fiscalização. Todos fazem assim. Quem somos nós para nos mantermos na ilusão de capitalistas genuínos?
Temos capital humano capaz de dar vida às sugestões que apresenta?
Sim. Temos massa pensante, pessoas activas aqui em Moçambique, mais ou menos da minha geração, que têm por aí 20, 30 e 40 anos de carreira no sector dos recursos minerais, que trabalham como consultores ou como trabalhadores de multinacionais e que não estão a ser aproveitadas pelo Estado.
Não há nenhuma iniciativa para unir esse pessoal para ajudar a definir estratégias e planos de desenvolvimento do sector com foco na industrialização.
As organizações profissionais existentes, como a nossa AGMM (Associação Geológica-Mineira de Moçambique), lutam por se afirmar como parceiros do Governo na formulação e partilha de ideias, mas não há uma plataforma formal e clara de engajamento e aproveitamento. Isto é feito em todo mundo.
Por exemplo, aquando da crise financeira de 2008, nos Estados Unidos, o Presidente Barack Obama acabava de entrar no poder, e foram chamados para uma sala na Casa Branca grandes professores, empresários e investidores do país, que deram ideias de como reverter a situação.
Nós, infelizmente, ainda pensamos que investidor é quem vem de fora e esquecemo-nos que este investidor tem interesses, que não são os mesmos que os nossos, e que nós temos de salvaguardar os nossos interesses, participando activamente no processo.
E depois temos a questão de exportação de capitais…
Pela forma como actuamos neste momento, fica muito pouco para o País, para além de ainda ficarmos com os impactos ambientais negativos da exploração destes recursos. Quando a exploração acaba tudo acaba. Mas se criarmos pólos de desenvolvimento industrial ligados a esta matéria-prima que está a ser extraída, temos a possibilidade de continuar a produzir mesmo quando já não temos o recurso.
Texto Manuel Mandlaze • Fotografia Mariano Silva & D.R.