Vem este artigo a propósito de uma observação feita por um colega professor, no âmbito da 5.ª edição do “Global MBA in Impact Entrepreneuship”1, realizada recentemente em Harare, o qual afirmava que no Zimbabué a grande maioria das MPME – Micro, Pequenas e Médias Empresas (sobre)vive em … ponto-morto (Break Even Point).
Como já tive ocasião de aqui escrever2, a [Economia] “Informal é normal” na região SADC3, arrisco-me a generalizar que não é só no Zimbabué que predominam as empresas Zombie.
Neste artigo desafio o meu leitor@ a responder à pergunta: porque (sobre)vive a maioria das MPME, na região SADC, em estado Zombie?
Vejamos sucessivamente:
– O que é a empresa Zombie.
– Porque não crescem as empresas Zombie.
– Conclusão.
1. O que é a empresa Zombie?
Na minha opinião, uma empresa Zombie caracteriza-se pela presença combinada dos seguintes elementos:
– Trata-se de uma organização económica (i.e., utiliza e transforma recursos escassos, em ambiente muito competitivo),
– [Organização] não necessariamente formalizada (i.e., na região SADC, até é maioritariamente informal, não registada, não pagadora de impostos e de contribuições para a segurança social).
– A qual [Organização] oferece, a uma clientela com fraco poder económico,
– Uma muito estreita gama de produtos e/ou serviços,
– [Produtos e serviços] de muito baixa qualidade e valor.
– Em consequência, a empresa Zombie pratica geralmente preços unitários muito baixos.
– Os quais são acompanhados por volumes de produção de bens e/ou serviços igualmente baixos.
– Operando neste contexto [de preços unitários baixos x volumes baixos] não é de estranhar uma muito baixa capacidade de geração de receita.
– A qual [Receita] cresce muito abaixo dos custos dos inputs, agravados pelo facto de a empresa Zombie operar em economias na região SADC com muito fraco desempenho económico.
– Fraco desempenho económico que tem sido agravado pelo aumento brutal dos custos dos inputs, resultante das crises combinadas do covid-19 e da guerra da Ucrânia.
– Com [preços unitários muito baixos x volumes de produção muito baixos – custos dos inputs muito altos], as empresas Zombie vivem praticamente sem margem.
– Situação que torna a empresa Zombie incapaz de acumular capital para inovar e reinvestir na expansão do negócio.
– Qual morto-vivo, a empresa Zombie apenas é capaz de ir gerando receita para cobrir os seus custos (fixos e variáveis) da operação: e (sobre)vivendo em permanente estado de Ponto-Morto de Vendas (PMV)4.
– E porque a empresa Zombie opera predominantemente na economia informal, não está assim exposta à acção persecutória do Estado, nem à pressão do serviço de dívida do sector financeiro, nem às regras do direito do trabalho e comercial, assim se vai livrando da liquidação certa.

2. Porque não crescem as empresas Zombie?
Um estudo5 muito interessante da Universidade de Nairóbi constatou que as PME quenianas, e dependendo dos sectores, demoram, em média, 16,74 meses a chegar ao Ponto-Morto de Vendas (PMV)⁴, registando um mínimo de três meses (nos sectores de marcenaria, padaria) e um máximo de 40 meses (supermercados).
E, ainda de acordo com o estudo, uma duração superior a 18 meses para atingir o PMV é claramente indiciadora de riscos futuros para o negócio e para a empresa.
Ora, as empresas Zombie nunca ultrapassam o PMV: é como se vivessem nele, permanentemente e numa espécie de limbo.
De acordo com Rothberg⁶, a duração para atingir o PMV é um excelente indicador para nos dar nota, respectivamente:
i) Da capacidade de planeamento e de gestão de recursos financeiros (atributo individual).
De acordo com o já citado estudo, o nível de formação em gestão financeira é a co-variável mais importante, explicando até 12,1% da variação na duração do PMV: quanto maior esta competência, menor a duração para atingir o PMV. Ora, na empresa Zombie esta competência inexiste.
ii) Da estrutura da firma e da sua capacidade em divulgar os seus produtos e serviços (atributo organizacional).
Os resultados do estudo indicam que:
Na região SADC, onde a “economia informal é normal”, a empresa Zombie surge como uma válvula de escape para aliviar a pobreza
– A percentagem de empresas que atingiram a PMV nos primeiros dez meses de funcionamento foi mais elevada entre as sociedades anónimas e mais baixa entre as PME que operam como empresas individuais. Ora, na empresa Zombie predomina o titular individual, e a informalidade é a norma.
– 28,5% das PME que publicitaram as suas mercadorias e serviços atingiram a PMV nos primeiros nove meses das suas operações, em comparação com 10,5% das que não publicitaram. Ora, na empresa Zombie orçamentos reduzidos, a par da falta de competências em marketing, impedem acções promocionais efectivas.
– A disponibilidade de recursos financeiros foi uma das co-variáveis mais importantes, explicando até 7,5% da variação na duração do PMV: as PME que investem pouco capital levam mais tempo para atingir o PMV. Em contrapartida, em níveis mais elevados de investimentos de capital, o tempo necessário para as PME atingirem o ponto de equilíbrio foi relativamente mais curto. Ora, na empresa Zombie os recursos financeiros são praticamente inexistentes.
– A dimensão das PME (medida em número de trabalhadores) foi uma das co-variáveis mais importantes, explicando até 6,8% da variação na duração do PMV: empresas de menor dimensão levam mais tempo para atingir o PMV. Em contrapartida, em empresas de maior dimensão, o tempo necessário para as PME atingirem o ponto de equilíbrio foi relativamente mais curto. Ora, na empresa Zombie predomina a muito pequena dimensão (um a três trabalhadores).
iii) Da qualidade das infra-estruturas (atributo ambiente de negócios).
Os resultados do estudo que temos vindo a acompanhar indicam que, e por esta ordem, os seguintes factores (resposta múltipla) atrasam significativamente o tempo médio para as PME quenianas atingirem o PMV:
– 30,03% dos respondentes indicou o alto nível de competição;
– 24,92% dos respondentes indicou a alta taxa de pobreza do país;
– 23,00% dos respondentes indicou o alto custo da energia.
Sem tirar nem pôr, estes três parâmetros fazem parte do dia-a-dia e condicionam o crescimento da empresa Zombie.
Em conclusão
Na região SADC, onde a “economia informal é normal”, a empresa Zombie surge como uma válvula de escape para aliviar a pobreza.
Contudo, o efeito combinado i) da falta de capacidade de planeamento e de gestão de recursos financeiros (atributo individual); ii) a par da estrutura individual da empresa e da sua incapacidade em divulgar os seus produtos e serviços (atributo organizacional); iii) e da qualidade deficiente das infra-estruturas (atributo ambiente de negócios) impedem que as empresas ultrapassem o Ponto-Morto de Vendas (PMV), possam conhecer o factor escala7 e contribuir para o desenvolvimento das economias da região.
A empresa Zombie estagna e aí permanece num ponto de equilíbrio muito precário, fazendo jus ao ditado popular “chapa ganha, chapa gasta”.