O Gabinete de Acção Financeira Internacional (GAFI) deu apenas dois anos para Moçambique melhorar a sua estrutura de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, a contar desde 21 de Outubro de 2022. Se falhar, sofrerá bloqueios nas transacções financeiras internacionais. A luta, agora, é com todas as armas.
Pressionado, o Governo acabou de criar o Comité Executivo de Remoção de Moçambique da Lista Cinzenta – que coloca o País entre os mais propensos aos crimes de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo – dirigido pelo académico Luís Cezerilo.
Em Março último, o GAFI recebeu o primeiro relatório de Moçambique sobre os progressos alcançados. Em Maio próximo, espera-se a remoção de dez recomendações de um total de 93 apresentadas pelo GAFI no ano passado.
Ainda que pareça difícil, ou até impossível, Moçambique mantém a esperança de melhorar a pontuação e de conseguir sair da lista cinzenta, de acordo com Luís Cezerilo, que fala dos avanços até aqui alcançados, e do que se deve esperar em termos de reformas nos 18 meses que restam para “arrumar a casa”.
Mas, primeiro, é preciso perceber como é que Moçambique falha uma avaliação que foi feita 12 anos depois de ter acesso às recomendações?
O que falhou?
Luís Cezerilo admite que tanto na conformidade como na efectividade, Moçambique teve resultados negativos e que tudo o que foi feito não foi suficiente para que o País fosse considerado cumpridor das 40 recomendações do GAFI. “Eu costumo usar uma metáfora para explicar o que aconteceu: ao GAFI não interessam as laranjas, mas sim o pomar. Isto significa que eles viram que temos instituições e legislação para prevenir e combater o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo, mas querem perceber, efectivamente, qual é a capacidade destas instituições no terreno”, explicou o responsável.
E prosseguiu: “nós preocupámo-nos em mostrar laranjas e não o pomar e, por isso, em 21 de Outubro de 2022, Moçambique foi colocado na lista cinzenta do GAFI. Nesta situação, somos considerados como uma nação de risco moderado de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, pois ainda existe a lista negra”.
O GAFI constatou apenas 11 deficiências, mas emitiu 96 recomendações para que, num período de dois anos, as instituições moçambicanas trabalhem no sentido de as suprir.
A tendência normal, de acordo com o dirigente do Comité Executivo de Remoção de Moçambique da Lista Cinzenta, seria encontrar justificativas do porquê de terem colocado o País na lista cinzenta e perder-se ainda mais tempo, “mas o Governo de Moçambique não agiu nestes termos.
Haverá algumas revisões pontuais da lei. Temos uma boa lei, mas o que o GAFI e ESAAMLG querem é que o gabinete jurídico das instituições aborde matérias sobre branqueamento de capitais
Foi assim que, a 6 de Dezembro de 2022, o Ministério da Economia e Finanças apresentou ao Conselho de Ministros uma estratégia de remoção de Moçambique da lista cinzenta. E a 22 de Dezembro, o Comité de Alto Nível, liderado pelo primeiro-ministro – e do qual fazem parte os ministros da Economia e Finanças, da Justiça, do Interior, da Indústria e Comércio, o governador do Banco de Moçambique, a procuradora-geral da República e o presidente do Tribunal Supremo –, reuniu-se para fazer a análise e aprovação do Plano de Remoção da Lista Cinzenta, dando recomendações para a criação de uma estratégia de implementação do plano do GAFI”, esclareceu.
Foi neste contexto que o ministro da Economia e Finanças assumiu a liderança da estratégia de reversão da situação. Tempestivamente, o governante criou uma estrutura executiva de enfrentamento deste processo.
A Estrutura da nova ‘força-tarefa’
O novo grupo de trabalho engloba, para além da liderança do ministro da Economia e Finanças, um coordenador nacional (neste caso, o nosso entrevistado, Luís Cezerilo), com três grandes áreas ou subsectores, nomeadamente o subsector de Assistência Técnica e de Coordenação, do qual fazem parte os parceiros de assistência técnica; o Grupo de Trabalho Multissectorial liderado pelo Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GiFim); e o sector privado e as organizações da sociedade civil.
“Portanto, o Comité Executivo de Remoção de Moçambique da Lista Cinzenta olha para esta situação de forma holística. Porque podemos ter muitas instituições funcionais na prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, mas se duas ou três delas apresentarem deficiências não vão passar no GAFI. Isto significa que seremos avaliados de forma integrada”, explicou o responsável.
Ou seja, as instituições devem estar a funcionar no sentido de mostrar que há uma articulação, desde o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) até aos tribunais entre outras instituições que devem condenar ou absolver as pessoas acusadas.
É necessário rever a legislação
Toda a acção necessária e prevista poderá impor algumas revisões pontuais da lei. Luís Cezerilo entende que o País até tem uma boa legislação, mas o que o GAFI e ESAAMLG (Grupo de Luta Contra a Lavagem de Dinheiro da África Oriental e Austral) querem que o gabinete jurídico das instituições, como é o caso da Inspecção-geral de Jogos, abordem matérias sobre branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Então, a recomendação é que se faça uma revisão para acrescentar esta matéria na lei.
Mas o que pode acontecer caso o País falhe no cumprimento das metas impostas pelo GAFI nos dois anos de prazo concedido?
Para Cezerilo, desde logo, Moçambique sofreria um dano reputacional, pois seria considerado país não seguro no sistema financeiro internacional, na medida em que permite que dinheiro ilícito seja introduzido no sistema, tornando-o lícito. “Poderemos ter restrições na utilização de sistemas de pagamentos internacionais. Os cidadãos sentem rapidamente esta situação porque o seu cartão de crédito deixa de funcionar nos outros países, com todos os transtornos que isto pode representar. As consequências são mais drásticas. Seriam as sanções políticas e económicas, como no caso da Coreia do Norte e Mianmar que não são países do sistema financeiro internacional”, exemplificou.
Que trabalho já foi feito para colocar o País no caminho certo?
“Em meados do mês de Março, apresentámos o nosso primeiro relatório ao GAFI. E no dia 29 de Maio do corrente ano, o GAFI vai reunir em Conselho de Ministros para analisar um documento submetido pelo Governo moçambicano, e que resulta de uma contestação pelo facto de não termos concordado com dez das 93 recomendações que nos foram feitas na sequência da avaliação de 2021”, revelou Luís Cezerilo.
Ainda de acordo com o responsável, Moçambique terá sido relativamente mal avaliado “porque a nossa situação não é aquela. Ora, o ESAAMLG já considerou que os dez pontos submetidos tinham sido, de facto, mal avaliados, sendo que se o Conselho de Ministros do GAFI anuir com o posicionamento de quem trabalha no terreno, Moçambique poderá rapidamente melhorar a sua pontuação. Agregado a este relatório, que até já foi apresentado ao público, existe a esperança de que não sairemos já da lista cinzenta, mas teremos dado sinal de um cometimento político sério sobre o engajamento do Governo e de outras instituições do Estado neste processo. Temos a expectativa de que nos possam dizer que tomaram boa nota sobre o nosso trabalho”, garantiu.
Moçambique está, agora, na lista cinzenta do GAFI, o que indica haver vulnerabilidade do sistema para o financiamento ao terrorismo que, aliás, é uma das preocupações actuais do País
Entretanto, o tempo está a passar para a conclusão dos dois anos e o Comité Executivo de Remoção de Moçambique da Lista Cinzenta entende que o GAFI tem noção de que há acções imediatas e outras de natureza estrutural neste processo.
Isto é, “os resultados imediatos são estes que se reflectem no nosso relatório. Por exemplo, a realização de workshops, formações e revisão pontual de uma lei. Agora, montar um sistema de interconectividade que liga a Polícia, a procuradora-geral da República e os tribunais leva o seu tempo. Falo da demanda de recursos – como equipamentos e softwares -, que já temos, para a sua implementação”, explicou.

Entretanto, o relatório enviado pelas autoridades moçambicanas confirma que a realização deste trabalho já começou, pelo que agora o País está a formar pessoal e a testar os equipamentos para a implementação do sistema.
“Uma das coisas que se pretendem com a interconectividade é que, no dia em que uma sentença transite em julgado, ela entre imediatamente no registo criminal do cidadão em causa, e o GAFI tem consciência que isso não será feito de hoje para hoje”, disse Luís Cezerilo.
O que o GAFI quer que mude
Na linguagem comum, o GAFI quer saber quem é o dono da propriedade ou do dinheiro que circula nos mercados. Por exemplo, no caso de existir uma empresa que é uma Sociedade Anónima e não se conhecer o dono, o GAFI preocupa-se em saber quem é a pessoa possivelmente escondida.
É um trabalho que está sob a égide do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. E é também para descortinar este tipo de situações que se vai rever a lei. “O que posso dizer é que eles querem saber quem é o último dono ‘da coisa’. Porque podemos ter alguém que está ali como ‘capa’, enquanto existe outra pessoa por trás. Então, temos de destapar o rosto invisível nos negócios, em particular do sector imobiliário”, revelou.
O GAFI está também preocupado com os crimes de raptos e de tráfico de drogas, pelo que exige informações convincentes sobre os protagonistas e a sua responsabilização.
Em termos de legislação, mais uma vez, Moçambique está bem. O que falta é a sua aplicação. Mas em relação aos raptos e de tráfico de drogas são crimes precedentes aos de branqueamento de capitais.
Quando há um suspeito destes crimes, o que deve ser feito é uma investigação que visa a apreensão e recuperação dos activos a favor do Estado. É isto que o GAFI quer. No fundo, que haja priorização destes processos na justiça. Por isso, tanto no Tribunal Supremo como na Procuradoria-Geral da República houve formação de magistrados com o objectivo de consciencializar a classe sobre matérias relacionadas com os crimes de branqueamento de capitais e a necessidade de priorização dos mesmos nos processos de investigação e julgamento para que, neste trabalho colaborativo, possam ajudar Moçambique a sair da Lista Cinzenta do GAFI.
A articulação com o Banco de Moçambique
O Banco de Moçambique, na qualidade de supervisor do sistema financeiro, trabalha com os bancos para identificar transacções suspeitas. Por exemplo, um indivíduo que declara ser vendedor de água, mas que tenha na sua na conta bancária cinco mil meticais e, de um momento para o outro, começa a depositar cinco milhões de meticais, significa que deve ser investigado.
Isto é, o Banco de Moçambique tem o poder de análise e de reporte para que possa saber o que está a acontecer. Portanto, não só informa, como também age quando detecta irregularidades no funcionamento de um determinado banco ou instituição financeira, principalmente através da aplicação de multas correspondentes à infracção.
Texto Manuel Mandlaze • Fotografia D.R.