A E&M e o Diário Económico trazem a experiência de uma empresa que conseguiu o tão desejado link com um grande empreendimento a operar no sector do Oil & Gas em Cabo Delgado, a TotalEnergies, e a visão que prevalece sobre a realidade no terreno, no que diz respeito às oportunidades de negócio por parte das Pequenas e Médias Empresas locais.
Bruno Pinheiro, sócio-gerente da Mussiro Investments e delegado provincial da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) de Cabo Delgado, revela haver muita frustração dos empresários locais pela dificuldade de conseguir um lugar na prestação de serviços aos grandes projectos de gás na fase de prospecção.
Apesar de a Mussiro – uma empresa de capitais 100% moçambicanos, com sede em Pemba, capital de Cabo Delgado, e com pouco mais de cinco anos no mercado – ter conseguido organizar dois grandes eventos solicitados pela TotalEnergies, Bruno Pinheiro entende que para que haja melhoria no acesso às grandes empresas pelas empresas locais é necessário que se melhore a comunicação sobre as oportunidades existentes.
Conseguir um contrato de prestação de serviços às multinacionais que operam nos diversos projectos em Cabo Delgado é uma tarefa difícil. Como é que a vossa empresa, a Mussiro Investments, conseguiu a ligação com a TotalEnergies?
Conseguimos prestar serviços à Total Energies e fornecer os nossos produtos através de contactos locais e por meio da apresentação de propostas financeiras que, acreditamos, estiveram de acordo com o orçamento previsto. Acreditamos que a confiança depositada anteriormente nos pequenos serviços em que estivemos envolvidos, realizados com total responsabilidade e qualidade, contribuiu significativamente para o nosso sucesso na realização de dois grandes eventos que ocorreram em Palma, patrocinados pela Total.
Além da TotalEnergies já prestámos serviços de fornecimento de produtos para grandes projectos, como os casos da Saipem, Halliburton, ENH, Smith Lamnalco Mozambique, Plan International, Radarscape Mozambique, UN-Habitat, UNDP, Advanced Maritime Transport (AMT), Bollore Transport & Logistic, Montepuez Ruby Mining e muitos outros.
Qual foi o feedback dessas empresas em relação à vossa capacidade na prestação dos serviços?
Podemos afirmar, categoricamente, que o feedback foi positivo, pois conseguimos superar as expectativas e garantir a confiança dos nossos clientes em relação à nossa prestação.
Como avalia o acesso à prestação de serviços aos grandes projectos em Moçambique? O que deve ser melhorado?
A prestação de serviços aos megaprojectos está, obviamente, relacionada com o seu peso no investimento, emprego, produção e comércio. No entanto, a riqueza gerada pelos grandes projectos pertence às corporações que os possuem e controlam e não à economia como um todo. O impacto da riqueza produzida pelos megaprojectos na economia nacional está relacionado com o grau de retenção e absorção dessa riqueza pela economia e não apenas pela quantidade de riqueza produzida.
Ainda há dificuldades para as PME. Não têm tido facilidade na prestação de serviços aos megaprojectos porque estes exigem requisitos que ultrapassam as nossas capacidades
Ainda há dificuldades na prestação de serviços pelas PME moçambicanas, isto é, não têm tido facilidade na prestação de serviços aos megaprojectos porque estes exigem requisitos que ultrapassam as nossas capacidades. Felizmente, o Governo está preocupado com a aprovação da Lei do Conteúdo Local, o que, na minha opinião, vai beneficiar, em grande medida, as comunidades receptoras dos grandes projectos, em particular, e o País, em geral. Mas que fique claro que, neste momento, a ligação entre os grandes empreendimentos e as empresas locais é fraca. Há muito por melhorar.
Pode enumerar as questões por melhorar?
Para que haja melhoria neste processo, deve-se criar exposições regulares de informações para que as PME locais possam estar devidamente informadas sobre as oportunidades de negócios nos megaprojectos.
Uma vez que o fenómeno das multinacionais é novo e encontrou as PME despreparadas, é importante que se crie um centro de desenvolvimento empresarial de excelência para promover o crescimento das empresas moçambicanas de modo que as torne competitivas. Penso que devem existir créditos financeiros bonificados, subvenções, entre outras vantagens, sem muita burocracia para aceder.
O Governo deve assumir um papel de liderança neste processo como um grande interlocutor entre as multinacionais, comunidades, PME e sociedade civil. É ainda importante que haja planos sustentáveis para o envolvimento das comunidades locais, isto é, não basta apenas construir esta e aquela infra-estrutura sem que haja esforços para se incluir o Conteúdo Local. Quer dizer que os empresários locais e comunidades devem estar envolvidos em todos os processos de tomada de decisão e terem direito a que parte dos lucros advindos da exploração de recursos minerais sejam investidos para o bem da comunidade.
Até que ponto os grandes projectos de Cabo Delgado têm mudado a vida da população local, pelo menos à volta do local em que está situado o vosso empreendimento?
Ninguém pode duvidar do impacto dos megaprojectos. São transformadores, isto é, alteram a vida das comunidades locais para o bem ou para o mal, mudam a geografia local de forma rápida e visível. Assim aconteceu em Cabo Delgado com as descobertas de jazigos naturais. Na fase de prospecção do projecto de Gás Natural Liquefeito (GNL), a província de Cabo Delgado assistiu à entrada de grandes empresas oriundas de todos os continentes, nasceram algumas estâncias turísticas e outras infra-estruturas para fazer jus à chegada dessas multinacionais. Verificou-se a emigração de pessoas de outros cantos do mundo e do País para Cabo Delgado a fim de procurar oportunidades. Com isso, era expectável que o projecto de GNL fosse um bom pontapé de saída rumo ao desenvolvimento socioeconómico das comunidades locais de Cabo Delgado devido à sua capacidade de empregabilidade, movimentação de bens e serviços e outras variáveis.
Sucede que naquela província, as grandes empresas não absorveram como era esperado o número de cidadãos locais, nem consomem bens e serviços locais. E nem as PME foram incluídas, sob o pretexto de que não há capacidade local. A única saída encontrada foi a contratação de mão-de-obra não local, até para casos em que existem pessoas qualificadas no País.
Esta medida frustrou, em grande medida, os empresários locais porque alguns recorreram a créditos bancários para responderem aos padrões das multinacionais. E como consequência, temos os nossos empresários endividados e a pagarem letras com muitas dificuldades.
Porém, há que salientar que, com o advento do GNL, o Governo entendeu que era altura de olhar para Cabo Delgado, e, neste momento, estão a ser criadas algumas instituições para que haja educação de qualidade nas comunidades, incrementando, sobretudo, o ensino técnico-profissional e cursos de curta duração. Estão também a criar-se condições para que haja infra-estruturas de qualidade (água, saneamento do meio, saúde, estradas e pontes) para benefício da população. Entendo que poderia ser feito mais, mas o terrorismo está a inviabilizar o desenvolvimento.
No geral, há muita frustração dos empresários locais em Cabo Delgado por não terem conseguido prestar serviços na fase de prospecção do projecto de GNL.
O que se pode esperar da Mussiro Investments na relação com os grandes projectos?
Sermos uma empresa robusta e totalmente qualificada, considerada e reconhecida pela excelência por parte dos nossos clientes e parceiros, como a melhor opção do ramo em que actuamos.
Por este motivo, podem esperar que aproveitemos mais oportunidades de negócios que o mercado oferece e prestemos serviços para mais megaprojectos que actuam em Moçambique, particularmente em Cabo Delgado.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo