Apresentado ao grande público no final de Novembro, o ChatGPT já conta com 100 milhões de utilizadores. Este agente conversacional dotado de Inteligência Artificial mostra-se capaz de escrever ensaios, cartas de recomendação ou poemas. E vai mudar o mundo.
Não se preocupe se o seu amante analfabeto começar a enviar-lhe poemas inflamados no Dia dos Namorados ou se os seus irmãos mostrarem um novo sentido de humor no WhatsApp. Isso não significa necessariamente que tenham sido raptados. Apenas começaram a usar o ChatGPT, um chatbot incorporando Inteligência Artificial (IA) que se tornou a aplicação comercial de crescimento mais rápido.
A IA pode representar a maior revolução da era industrial, mas até há pouco tempo o assunto pouco interessava à maioria das pessoas. Já não. Demorou apenas cinco dias após o seu lançamento, a 30 de Novembro, para que o ChatGPT registasse um milhão de utilizadores – número que a Netflix só alcançou ao fim de três anos. Segundo estimativas do banco suíço UBS, no final de Janeiro, quase 100 milhões de pessoas usavam o ChatGPT.
Em várias ocasiões nas últimas semanas, milhões de utilizadores foram confrontados com uma mensagem de erro que os informava de que o site estava “saturado” e os servidores sobrecarregados pela procura.
Seja para encontrar uma receita ou conseguir uma entrevista de emprego, agora somos todos ChatGPT. Qualquer pergunta que se faça, ele dá resposta – no estilo que se escolher. Uma polémica sobre as multas de estacionamento ao estilo de Boris Johnson, um poema sobre a independência escocesa, o código do programa para o site de um negócio de velas – tudo numa questão de segundos. Por outro lado, podemos pedir para escrever piadas reais ou algo “ofensivo”. Nigel Farage [político de extrema-direita britânico] já viu, neste robot escritor, um “enviesamento liberal e esquerdista”.
O Reino Unido está viciado: o interesse das consultas do Google em artigos relacionados com IA quadruplicou num ano. Na rede “mums parents.fr”, mães e pais usam-na para escrever histórias que ajudarão os seus filhos a aprender matemática. Durante uma bebida, homens de meia-idade trocam poemas escritos pelo ChatGPT. No entanto, os seus poderes continuam a ser limitados. “O ChatGPT não é muito bom em quiz”, diz o engenheiro de software Chris Wood, que lhe pediu para o ajudar a responder a um quiz no bar.
Sarina Kiayani, de 24 anos, vive em Chorleywood, Hertfordshire, e é uma das novas utilizadoras. “Pergunto-lhe o que posso cozinhar com os ingredientes que tenho à mão e dá-me receitas muito simples”, afirma, revelando que também o usou para ajudar amigos a preparar entrevistas de emprego.
Como funciona o ChatGPT? O programa foi “treinado” para detectar combinações dominantes em massas de muitos milhões de palavras. Estes textos provêm de artigos de jornais, de mensagens nas redes sociais, de páginas da Wikipédia, de livros e também de transcrições de conversas reais, como as ocorridas em serviços de atendimento ao cliente, por exemplo.
Isso significa que o ChatGPT sabe muito bem como os seres humanos gostam de comunicar. É uma ferramenta de conversa, e é por isso que tantas pessoas acreditam nela. Cada vez que inserimos um pedido, o programa usa probabilidades para prever o tipo mais útil de resposta. Quando surgir a próxima pergunta, terá em conta as interacções anteriores.
A empresa por trás do ChatGPT, a OpenAI [sigla anglo-saxónica para Inteligência Artificial], foi co-fundada por Elon Musk, em 2015 [saiu em 2018]. Há três anos, começou a produzir GPT-3, a tecnologia na qual o ChatGPT se baseia. Mas como num contexto ultra competitivo, a Google está a trabalhar na sua própria versão de IA, apelidada LaMDA, a OpenAI apressou-se a lançar o seu chatbot antes do Natal.
A aposta compensou: a empresa assinou um acordo de dez mil milhões de dólares com a Microsoft para integrar a sua IA no mecanismo de busca Bing e no pacote Microsoft Office. A procura é tal que o acesso teve de ser limitado: os utilizadores, agora, podem pagar 20 dólares por mês se quiserem um serviço melhor.
Os profissionais de marketing pressentiram o filão. Num anúncio para a Mint Mobile, o actor Ryan Reynolds lê um anúncio escrito pela IA, que fez um óptimo trabalho, imitando a sua maneira de falar. No WhatsApp, é possível até descarregar uma extensão [ChatGPT Buddy] que ajuda a escrever respostas para mensagens não lidas.
Controvérsia no ensino
É no campo da Educação que a controvérsia é maior. As escolas e as universidades não sabem se proíbem ou se adoptam o ChatGPT. Para Bhaskar Vira, vice-reitor em Cambridge, é necessário aprender a trabalhar com esta nova tecnologia.
A Alleyn’s School, escola privada do Sudeste de Londres, acabou com os ensaios feitos em casa, depois de os professores terem atribuído nota 20 a textos afinal escritos por IA. Agora, os alunos fazem uma “extensa pesquisa” antes da aula seguinte – algo que o ChatGPT ainda não pode fazer. Muitas das reacções são “incrivelmente epidérmicas”, disse Wayne Holmes, professor associado da University College London. “Se os alunos usarem o ChatGPT para escrever os textos, irão apresentar textos muito maus. Por enquanto, a IA só produz coisas muito superficiais. Isso não quer dizer que não existam boas maneiras de usar essa tecnologia.” O que faz é incentivar os seus alunos a usá-la para desenvolver o pensamento e ajudá-los a resolver problemas.
A 31 de Janeiro, a OpenAI disponibilizou uma ferramenta para detectar se os textos tinham sido escritos por IA ou por um ser humano, alertando que o produto dos robots ainda não era perfeitamente confiável. Na rede social TikTok, adolescentes compartilham dicas para contornar detectores de IA.
“Escrever ensaios é uma coisa do passado… Não há necessidade de fazermos o trabalho sozinhos”, diz um deles.
Em trocas formais, em que o estilo é essencial, a IA está a mudar radicalmente as regras do jogo. Alguns utilizadores usam o ChatGPT para escrever comentários, outros para encontrar um novo emprego. “Desde Outubro, enviei 49 cartas de apresentação e consegui apenas uma entrevista”, escreveu uma pessoa que está desempregada desde Julho. “Na sexta-feira passada, comecei a usar o ChatGPT para escrever as minhas cartas de apresentação e candidatar-me a mais empregos mais rapidamente.” Uma abordagem que lhe permitiu obter três entrevistas após 12 candidaturas.
A carta de apresentação que pedimos ao ChatGPT para responder a um anúncio de emprego aqui, no Sunday Times, revelou-se profissional, mas desenquadrada. Respondeu ponto a ponto ao anúncio, mas deixou entrever que o autor não havia lido nenhum dos nossos artigos…
O ChatGPT poderia trabalhar no jornalismo? Nic Newman, investigador associado do Reuters Institute em Oxford, admite que esta ferramenta torne alguns empregos no ramo das notícias redundantes dentro de alguns anos. “As inteligências artificiais talvez possam escrever editoriais, mas imagino que possam ser sobretudo usadas para identificar gralhas e erros gramaticais de forma mais eficaz do que os humanos.”
Em contrapartida, a IA não escreve artigos de jornal. O site norte-americano CNET teve de publicar um número “significativo” de correcções depois de permitir que uma IA escrevesse artigos sobre finanças pessoais. Não só tinha erros em nomes próprios como deu conselhos financeiros disparatados, sugerindo, por exemplo, que os leitores poderiam ganhar 10 300 dólares em juros depositando dez mil dólares numa conta remunerada a 3%.Um repórter da Business Insider também descobriu que a IA inventou citações, atribuindo-as a pessoas reais para lhes conferir credibilidade.
Um site em segundos
O ChatGPT fez recentemente uma grande actualização para melhorar o seu nível de matemática. Até então, os internautas conseguiram convencê-lo de que 2+2 = 5. Agora, quando se trata de associar criatividade e matemática – caso da programação de computadores –, o ChatGPT poupa uma quantidade considerável de tempo. É possível fazer um site em segundos. Um menino de 11 anos conseguiu fazer um jogo inspirado no mundo de Harry Potter.
Há, no entanto, um problema sério: se o programa se impõe pela sua capacidade de gerar linguagem, não pode, contudo, produzir investigação original.
“O ChatGPT não conhece os factos, como os que podemos encontrar no Google”, afirma Holmes. “Contenta-se em dizer que esta palavra está, muitas vezes, posicionada ao lado desta outra palavra. E identifica uma relação. Se tivesse sido inventado na década de 1950, o ChatGPT teria dito que ‘fumar é bom’, porque era o que a maioria das pessoas dizia naquela época.”
Também não está nem perto de passar num teste de História na escola. Perguntem-lhe os nomes dos cinco primeiros-ministros mais antigos do Reino Unido e ele responderá que Margaret Thatcher lidera com 2912 dias, seguida de Sir Robert Walpole, com 2901 dias. Uma declaração que vai irritar os aficcionados por História, que sabem que Walpole esteve em funções 7619 dias, em comparação com os 4226 de Margaret Thatcher.
“O ChatGPT não entende as palavras que escreve, nem sabe o contexto em que essas palavras são usadas”, disse Rose Luckin, fundadora do Instituto de IA Ética na Educação.
É por isso que muitos acreditam que não deve ser usado para tratar de temas importantes ou moralmente complexos. A 30 de Janeiro, o juiz colombiano Juan Manuel Padilla usou o ChatGPT para o ajudar a decidir se a apólice de seguro de uma criança autista deve cobrir o custo do seu tratamento. A IA salientou, com razão, que, na Colômbia, as crianças estavam “isentas de pagamento, como parte da sua terapia”. A ideia de que uma Inteligência Artificial possa tratar de questões mais complexas gera algum desconforto, especialmente se não conseguir entender o contexto.
Para os especialistas em IA, um passo terá sido dado quando um chatbot for capaz de produzir pesquisas originais. Alguns acreditam que a integração do ChatGPT com o motor de busca Bing [anunciada, pela Microsoft, a 7 de Fevereiro] poderia ser uma etapa no bom sentido.
Por agora, o ChatGPT ainda não o consegue fazer. A aplicação é apenas um assistente pessoal com gosto pela provocação e um certo desprezo pela verdade. Vai mudar a forma como trabalhamos, brincamos e comunicamos. Mas não lhe peçam para pensar.
Autor: Tom Calve . Órgão: The Sunday Times