Para a leitura deste artigo é, antes do mais, necessário que se compreendam os conceitos de:
– Perda e desperdício alimentar (PDA) (2) – diminuição, independentemente da causa, de alimentos originalmente destinados ao consumo humano, em todas as fases da cadeia alimentar, desde a colheita ao consumo.
– Perda alimentar ou desperdício da qualidade dos alimentos(2) – diminuição de um atributo de qualidade dos alimentos (nutrição, aspecto, microbiologia, etc.), ligada à degradação do produto, em todas as etapas da cadeia alimentar da colheita ao consumo.
– Sistema alimentar(5) – todos os elementos (ambiente, pessoas, insumos, processos, infra-estruturas, instituições, etc.) e actividades relacionadas com a produção, processamento, distribuição, preparação e consumo de alimentos, e os resultados dessas actividades, incluindo os socioeconómicos e ambientais.
– Sistema alimentar sustentável (5) – sistema alimentar que oferece segurança alimentar e nutricional para todos, de forma que as bases económicas, sociais e ambientais para gerar segurança alimentar e nutrição para as gerações futuras não sejam comprometidas.
2) A perspectiva em números:
- Em 2021, aproximadamente 821 milhões de pessoas passaram fome.(1)
- Cerca de 1/3 da produção mundial, equivalente a aproximadamente 1,3 biliões de toneladas de alimentos por ano, é perdida ao longo da cadeia alimentar desde a produção ao consumo.(2)
- As perdas e desperdício alimentar atingem cerca de 280 kg – 300 kg/capita/ano na Europa e América do Norte e de 120 kg – 170 Kg/capita/ano na África Subsaariana e Sul/Sudeste Asiático.(3)
- Quase 3,1 biliões de pessoas não têm poder de compra sequer para a dieta saudável mais barata, o que compromete a sua saúde e bem-estar.(3)
Se os dados lhe parecem aberrantes e considera que é urgente implementar medidas de correcção eficazes para a sua reversão, estamos alinhados. Se não, vejamos:
Para além da imediata diminuição da quantidade de alimentos disponível para a alimentação humana, a PDA implica o gasto dos recursos utilizados (como água e a terra, entre outros). Além disso, os agentes da cadeia alimentar afectados têm prejuízos económicos que poderão conduzir a uma diminuição ou anulação da sua capacidade produtiva.
Portanto, a PDA conduz à diminuição da sustentabilidade dos sistemas alimentares, colocando em causa a alimentação e nutrição das gerações actuais e futuras. Por isso, a sua redução é um meio relevante tanto para aumentar a disponibilidade de alimentos e diminuir a fome a nível mundial, como para reduzir o impacto ambiental da produção alimentar.
Várias causas podem estar na origem da PDA que ocorre e aumenta progressivamente, da produção ao consumo. Por exemplo, mau planeamento e momento da colheita, ausência de boas práticas em diversas fases da cadeia…
Tal justifica que a agenda de objectivos de desenvolvimento sustentável estabeleça como meta, no ponto 12.3, “reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita” até 2030.
Entretanto, várias causas podem estar na origem da PDA que ocorre, e aumenta progressivamente, da produção ao consumo. Por exemplo, mau planeamento e momento da colheita, ausência de boas práticas (incluindo de manipulação e de higiene) em diversas fases da cadeia alimentar, escassez de equipamento apropriado, presença de contaminações (físicas, químicas e biológicas) que ponham em causa a saúde humana e falta de informação dos consumidores.
Assim, a sua diminuição deve ser trabalhada em várias frentes ao longo da cadeia alimentar.
Uma política e ambiente de negócios favoráveis promovem e facilitam a adopção de práticas que podem conduzir à redução da PDA. Por exemplo, em Moçambique, a aposta na infra-estrutura logística, no controlo da qualidade alimentar e na industrialização terão certamente um impacto positivo nesse âmbito. Contudo, além da intervenção do Estado é necessário que toda a cadeia, dos produtores aos consumidores, se oriente para minimizar a PDA, nomeadamente através de:
Implementação de boas práticas agrícolas, veterinárias e de processamento, incluindo de higiene, que contribuem para evitar a ocorrência de contaminações físicas, químicas e biológicas e de danos físicos nos produtos. Em particular, a adopção de meios de armazenamento e conservação que reduzem a proliferação de microorganismos e atrasam a maturação (como o uso de sacos herméticos e de equipamentos de frio) poderão ter um papel fundamental na manutenção da qualidade e segurança dos alimentos.
Adopção de soluções, incluindo tecnológicas, que facilitem o transporte, processamento e embalamento de alimentos. Medidas simples, como a protecção da carga por lonas que evitem o sobreaquecimento e a realização do transporte de alimentos e animais às horas de menor calor e movimento, poderão ter um impacto significativo na qualidade dos alimentos para consumo humano. Por outro lado, ao nível do processamento, o recurso a boas práticas de manipulação e embalagens que facilitem a utilização integral do produto, a aquisição de doses individuais, a diminuição da proliferação de microorganismos, a desaceleração do estado de maturação e a conservação do produto após abertura poderão também contribuir para a redução da PDA.

Aposta em recursos e tecnologia que previnam a PDA na hotelaria e restauração. Neste sector, os gestores deverão balancear o custo/benefício das soluções a adoptar. Por exemplo, a aquisição de um gerador poderá ser ressarcida na indisponibilidade prolongada de energia. O investimento em formação poderá ser compensado pela redução do descarte de alimentos e aumento da confiança dos consumidores. E sistemas adequados de frio permitirão certamente um aumento do tempo de conservação e qualidade dos alimentos. Por outro lado, o conceito de comida a peso ou de meia-dose poderá diminuir o desperdício.
Redução das PDA ao nível doméstico, que também permitirá diminuir os gastos dos consumidores com a alimentação. Por exemplo: fazer uma lista de produtos a adquirir, que ajudará a evitar as compras por impulso e a dosear a quantidade de alimentos que se leva; evitar a compra de comida para um período demasiado longo; ler e perceber a informação no rótulo relativa ao prazo para consumo e regras de conservação, utilização e reutilização dos alimentos; conservar os produtos de forma adequada; ajustar a quantidade confeccionada ao consumo, evitando sobras; utilizar técnicas de preparação e confecção que permitam a utilização integral da parte comestível dos alimentos; aprender a conservar e reutilizar sobras: por exemplo, procurar receitas que permitam a sua transformação criativa.
A escassez de recursos e aumento dos preços dos alimentos reforçou a necessidade de “fazer mais com menos”. Porém, reduzir a PDA só é possível com um esforço colectivo, de produtores a consumidores, no sentido de promover alimentos sem valor comercial e relegar para último a opção de descarte.
Garantir a sustentabilidade dos sistemas alimentares em prol do bem-estar das gerações actuais e futuras é um dever de todos. A construção do futuro é hoje e depende de si e de nós.
(1) IFAD, 2021. Transforming food systems for rural prosperity. Rural Development Report 2021.
(2) Committee on World Food Security, 2014. Food losses and waste in the context of sustainable food systems. A report by the High-Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition.
(3) FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO, 2022. The State of Food Security and Nutrition in the World, 2022. Repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable. Rome, FAO.
(4) FAO, 2016. Food Loss Analysis: Causes and Solutions. Case studies in the Small-scale Agriculture and Fisheries Subsectors. Rome, FAO
(5) A Research Agenda for Food Systems, Colin L. Sage 2022