Moçambique perde anualmente cerca de 270 mil hectares de florestas como consequência de várias práticas inadequadas de exploração dos seus recursos. Acrescem ainda perdas de receitas resultantes da exportação ilegal que, nos últimos três anos, estão estimadas em cerca de 45 milhões de meticais.
Apesar de o País dispor de um grande potencial de recursos florestais, os seus ganhos ainda não são satisfatórios devido à fraca capacidade de fiscalização. Porém, nem tudo está mal: há vários casos de exportação ilegal, sobretudo da madeira, que têm sido abortados graças aos esforços empreendidos pelas autoridades nos últimos anos.
Ao Diário Económico, Arsénio Chelengo, chefe do Departamento de Fiscalização na Agência Nacional para Controlo da Qualidade Ambiental (AQUA), faz uma retrospectiva da instituição no âmbito da fiscalização dos recursos florestais no País.
A fiscalização dos recursos florestais em Moçambique e em África, no geral, constitui ainda um grande desafio devido a vários factores. Para o caso particular de Moçambique, como é que estamos em termos de fiscalização dos recursos florestais nesses últimos anos? Evoluímos ou nem por isso?
Há um cenário de relativa evolução para uma parte daquilo que é a nossa competência, e um outro que não é assim tão satisfatório. Continuamos com um grande desafio em relação à cobertura, sobretudo do alcance das áreas do corte, porque temos uma fiscalização que, de há um tempo para cá, queremos transformar para o lado da prevenção, alcançando as áreas de corte e evitando que sejam abatidas árvores de forma ilegal.
É aí, então, onde encontramos percalços, porque não estamos suficientemente equipados. Não temos viaturas suficientes para podermos alcançar as áreas de corte.
Um aspecto que estamos a lograr de positivo é a capacidade que temos de formar e capacitar, de forma regular, os nossos fiscais. Estamos a conseguir realizar acções de formação com os nossos parceiros para que eles [fiscais] tenham esta competência em termos técnicos.
Mas o grande desafio é depois transpor o que aprendemos teoricamente e implementar na prática, levando o fiscal de um posto de fiscalização para a área de corte onde queremos prevenir as acções. E são áreas remotas, de difícil acesso, ou seja, é preciso ter uma viatura com características próprias, e toda a logística necessária para que os fiscais consigam permanecer nesses lugares por muito tempo.
Portanto, se quisermos avaliar a nossa capacidade de fiscalização, se melhorámos ou não, posso assumir que sim, estamos a melhorar, embora tenhamos um cenário que flutue. Por exemplo, olhando para os últimos três anos, em 2020, e em termos das infracções que conseguimos detectar, elas são relativamente menores quando comparamos com 2021, ou seja, houve uma tendência crescente de casos que conseguimos abortar de 2020 a 2021.
Depois temos uma tendência de redução significativa de casos de infracções que detectámos já em 2022. Esta situação pode ter duas interpretações: uma delas prende-se com a forma pela qual já estamos a conseguir cobrir algumas províncias onde temos apoio de parceiros, como são os casos das províncias da Zambézia, Cabo Delgado, Tete e Niassa, para o reforço de meios necessários para fazer face à fiscalização.
Então, podemos considerar que, apesar de flutuarmos, a tendência das infracções é decrescente.
A AQUA é uma entidade recente ao nível do Governo, sobretudo na fiscalização dos recursos florestais. A sua actuação está a ter um bom impacto?
A AQUA foi criada em 2010, sendo que a componente de fiscalização de florestas foi agregada em 2015. É, sem dúvida, uma instituição recente, cuja criação valeu muito a pena, uma vez que se dedica inteiramente ao controlo da qualidade ambiental de uma forma geral. Mas também de uma forma específica no que diz respeito à fiscalização de florestas, uma vez que concentra esforços no sentido de garantir o uso sustentável dos recursos naturais. Logo, é um ganho.
Uma das coisas que sentimos é que melhorámos muito também na nossa interacção com outras entidades que também têm processos que passam por elas. Estamos a falar do sistema judiciário, Ministério Público, tribunais, Polícia da República de Moçambique (PRM), concretamente com a polícia dos recursos naturais e meio ambiente, alfândegas e outras entidades que achamos que fazem parte deste processo, numa situação em que a exploração florestal ilegal em si não se consubstancia numa simples infracção, tendo em conta que tem crimes conexos. Temos, pois, aqui uma plataforma de melhor comunicação com essas entidades.
Em que pontos do País é que ainda persistem mais atropelos à lei? Quais os atropelos mais frequentes?
Nos últimos três anos, registámos cerca de três mil casos de infracções e aplicámos 460 milhões de meticais em multas. Em termos de províncias com mais casos, diria que as zonas Centro e Norte são, por natureza, onde encontramos muitos cenários de atropelos à lei.
As províncias de Sofala e Manica são as que registam mais casos. Mas também, na zona Sul, temos a província de Maputo. Agora, há aqui uma questão a ter em conta: Maputo regista muitos casos pois é o ponto que drena quase todos os produtos florestais quando não são para exportação. Estamos a falar do combustível lenhoso que vem das províncias para abastecer esse ponto e da própria madeira. Tem havido casos de produtos que são transportados com base numa guia de trânsito viciada ou sem nenhum tipo de guia.
Os grandes atropelos foram registados nas províncias de exploração, onde encontrámos, na sua maioria, casos de exploração de recursos sem licença.
Os tipos de atropelos verificados têm que ver, na sua maioria, com a exploração florestal sem licença e estão a ter uma tendência decrescente. Se olharmos para os últimos três anos, o registo de casos de exploração tende a diminuir, e isso é graças à nossa presença, de alguma forma, em campo. Não é satisfatória, mas já conseguimos ir até às zonas de corte graças ao apoio dos nossos parceiros.
O caso que mais nos preocupa pela sua tendência crescente é o da exploração sem licença, sobretudo de produção de carvão sem autorização. É um facto que acreditamos estar associado à questão das necessidades energéticas nos principais centros comerciais.
Se atentarmos ao lote de preocupações, temos ainda a tentativa de exportação dos recursos florestais. São casos que, embora não ocorram em maior número, constituem uma preocupação porque podem significar um sinal de alguma fragilidade por parte da nossa fiscalização. Podem significar também que essas redes de contrabando de madeira ou de exploração ilegal estão à procura de sofisticação para lograr os seus intentos com mais rapidez.
Afinal, quanto é que o País ganha em receitas provenientes dos recursos florestais ao ano? E quanto é que perde?
Não falaria em termos de ganhos, pois isso dependeria da quota aprovada pelo País e pelo volume que é licenciado num dado período. Se olharmos para a questão da exploração, há uma quota que é aprovada para um determinado ano e, desta, para além dos ganhos relativos às taxas que são pagas pelos operadores para exploração florestal, há também o que o País pode tributar tendo em conta a taxa de exportação de produtos processados. É um dado que não podemos trazer aqui.
Focamo-nos mais naquilo que talvez seja o que procuramos interceptar para que não se constituam perdas. Portanto, esses casos de exploração sem licença a que me refiro, de produção de carvão sem autorização que conseguimos detectar, são os que interceptamos, mostrando, ao mesmo tempo, que se esse produto tivesse saído das condições em que estava e tivesse chegado ao consumidor, o País não teria encaixado um determinado valor.
No período entre 2020 e 2022, da análise que fizemos com base naquilo que conseguimos interceptar ou apreender através dos nossos fiscais, chegámos a um valor médio de cerca de 15 milhões de meticais que o País estaria a perder. Estamos a olhar apenas para aquilo que conseguimos interceptar.
Nos últimos três anos, o valor global pode ir até cerca de 45 milhões de meticais que pode ter sido perdido em taxas a serem pagas ao Estado. Acreditamos que o País está a perder muito mais do que isso quando olhamos para os casos de exportação ilegal que não é detectada eventualmente pelo facto de a nossa cobertura não ser suficiente ou cabal para todos os cantos do território nacional. Isto significa que a nossa capacidade de controlo ainda não é das desejáveis. No entanto, há um trabalho que está a ser feito.
Falando da exportação ilegal da madeira, qual é a real situação nestes últimos anos?
Bom, não deixou de ser um desafio. E se estão a ser desbotados casos na imprensa significa que a AQUA está a trabalhar.
Alguns usam a manobra, por exemplo, de transportar a madeira em toros esquadriados, mas temos vindo a melhorar a capacidade de detecção desses casos graças às sinergias que desenvolvemos com outras entidades.
Temos vindo a preparar-nos melhor para controlar a saída de produtos através dos nossos portos, sobretudo o de Pemba (província de Cabo Delgado), Nacala (Nampula) e da Beira (Sofala), que têm sido os mais usados pelos infractores para exportar a madeira de forma ilegal. Temos posicionados, nessas zonas, os nossos fiscais, em todos os postos, para garantir a interceptação dos produtos.
Mas também nos organizámos enquanto própria fiscalização, com brigadas móveis que vão fazendo a fiscalização quase que permanente pelos pontos onde ocorre o empacotamento. Há estaleiros que têm operadores florestais que compram a madeira para posterior exportação, e esses pontos precisam de uma permanente fiscalização.
Então, da nossa parte, o controlo está a melhorar. É por isso que estamos a reportar, à imprensa, casos de tentativas de exportação ilegal da madeira.
Quantos casos de tentativas de exportação ilegal de madeira a AQUA conseguiu interceptar só no ano passado? E quais os que tiveram um bom desfecho?
No ano passado tivemos 15 casos de tentativa de exportação ilegal de madeira, todos ocorridos nas regiões Centro e Norte do País, sobretudo no porto da Beira e no de Pemba. Tivemos casos também relacionados no porto de Nacala.
Nós damo-nos por satisfeitos na medida em que conseguimos abortar qualquer que seja o caso de tentativa de exportação. Esses 15 casos que conseguimos abortar são um marco. Contudo, persistem desafios, pois queremos accionar outras linhas que ainda não conseguimos para garantir o controlo efectivo.
Desafios
A nossa maior preocupação tem que ver com a necessidade de equipar os nossos fiscais para se fazerem ao campo. Precisamos de viaturas e motorizadas, mas há também uma grande necessidade de estarmos equipados com tecnologia. Precisamos de drones capazes de nos mostrar o que se passa no terreno de exploração em tempo real. Precisamos de aumentar cada vez mais a nossa capacidade de fiscalização, pois até agora só conseguimos responder cabalmente em quatro províncias para um universo de 11 que o País possui.
Infelizmente, a nossa fiscalização, em termos de recursos humanos, continua com um défice de 40%.
Texto: Hermenegildo Langa • Fotos: Mariano Silva