Num parecer lido hoje, o juiz Robin Knowles criticou a falta de envolvimento dos advogados britânicos que representam a República de Moçambique no processo de selecção de documentos oficiais e urgiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana a providenciar maior acesso.
“A República [de Moçambique] não está a cumprir com as obrigações de divulgação, em especial com documentos detidos pelo gabinete do Presidente [da República], pelo SISE [Serviços de Informação e Segurança do Estado] e pelo Conselho de Estado”, disse, durante uma audiência preliminar.
Segundo o magistrado, estes organismos estatais não permitiram nem à PGR nem aos advogados britânicos qualquer acesso para seleccionar eventuais documentos relevantes.
A divulgação de provas documentais por todas as partes, vincou, é essencial para “garantir a justiça do julgamento” e de uma decisão final.
O juiz referiu em particular o Presidente da República, Filipe Nyusi, do qual depende a autorização para o acesso a documentos de Estado confidenciais, mas que também está nomeado neste processo.
“Se precisar de exercer o meu poder de anulação para garantir o cumprimento das obrigações da República e deveres de divulgação, fá-lo-ei porque é o meu dever para garantir a justiça do julgamento”, vincou.
O magistrado disse que vai reservar o direito de anular o caso a qualquer momento, mas, mesmo assim, deu a possibilidade à PGR de Moçambique de tentar novamente aceder aos documentos necessários e providenciá-los às restantes partes envolvidas.
O Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior (`High Court`) de Londres, tem programado para começar em 3 de Outubro o julgamento principal sobre a validade das dívidas.
Na origem está uma acção judicial iniciada pela PGR em nome da República de Moçambique contra o Credit Suisse e a Prinvinvest para tentar cancelar parte dos mais de 2,7 mil milhões de dólares de dívida contraída entre 2013 e 2014 por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado então pelo Presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do Parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de “dívidas ocultas”.
No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como Guebuza, o antigo ministro das Finanças Manuel Chang – detido na África do Sul – e o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que na altura era ministro da Defesa.
Num julgamento relativo ao mesmo caso que foi concluído em Dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,7 mil milhões de dólares.
Os três visados são Ndambi Guebuza, filho do ex-presidente Armando Guebuza, e dois ex-dirigentes do SISE, Gregório Leão e António Carlos do Rosário (ex-director-geral e antigo líder da `inteligência` económica, respectivamente), que receberam uma pena de 12 anos de prisão cada um.