Dois anos e meio depois de assumir a liderança do FNB, Peter Blenkinsop concede a sua primeira entrevista em que explica os passos principais da estratégia de transformação do banco, iniciada a partir da base porque, diz, ”uma equipa sólida é o principal trunfo de uma organização viva e dinâmica”. Agora, revela, o caminho passa pela inovação e pela proximidade com a economia real do País
O First National Bank Moçambique (FNB), detido pelo FirstRand Bank Limited, o maior grupo financeiro de África por capitalização bolsista e uma das maiores instituições listadas na Bolsa de Valores de Joanesburgo, na África do Sul, com presença em 11 países africanos, e em Inglaterra, Emirados Árabes Unidos, Índia e China, está a mudar. E essa mudança é visível em Moçambique ao nível dos resultados (crescimento assinalável nos últimos relatórios financeiros do banco) e do posicionamento (caso do novo balcão em plena avenida Julius Nyerere).
Depois de anos de algum ‘adormecimento’ na forma como se posicionou no mercado interbancário, o FNB iniciou um processo de transformação interna alimentado pela ambição de passar a integrar a lista dos maiores bancos nacionais, numa aposta impulsionada pelas perspectivas trazidas pelos grandes projectos de petróleo e gás, mas também apontando a uma crescente proximidade e melhoria de experiência de serviço a empresas (pequenas, médias e grandes) e clientes individuais.
O que conduziu a estratégia do FNB nos últimos anos e como se processou esta mudança?
Com certeza que foi sempre a avaliação sobre o vasto potencial de Moçambique que, mesmo antes de termos uma visão mais clara sobre a exploração de gás, já era bastante positiva.
Mas o FNB está em Moçambique há já bastante tempo e, nesta nova etapa que iniciámos, começámos pelo básico e fizemo-lo de forma coordenada. A fase inicial foi trabalhar em equipa e construir confiança mútua no que cada um poderia acrescentar e depois incutir isso numa estratégia centralizada.
Fala de um trabalho mais holístico de transformação, podemos chamar-lhe assim. Que indicadores de sucesso dessa estratégia destacaria?
Penso que as pessoas geralmente só se sentem realizadas e atingem o seu pleno potencial quando actuam como equipa, e penso que o sentimento de pertença que criámos teve um grande impacto nisso. Outro aspecto que temos abordado é a cultura da empresa e das equipas. Quando as coisas não estão a funcionar tão bem como deveriam, as pessoas tendem a sentir-se desconectadas, o que afecta o desempenho individual e colectivo.
É por isso que este é um trabalho que tem de ser feito de forma coordenada para, a partir da base, tornar os processos mais eficientes para que a linha da frente possa fazer o seu negócio correctamente. Espero que essas melhorias sejam vistas pelo mercado, mas estamos ainda no princípio.
“A minha opinião sobre Moçambique é que existe aqui muito mais potencial do que as pessoas se apercebem à primeira vista e isso requer que todos trabalhemos em conjunto”
Tenho dialogado com a nossa equipa no sentido de sabermos que só acertámos no básico, lançámos literalmente as fundações. Precisamos agora de construir as paredes e colocar o telhado para nos tornarmos cada vez mais um banco de referência no mercado.
É um gestor com bastante experiência em diferentes mercados. Antes de Moçambique já tinha estado na Nigéria, por exemplo. Que similitudes e diferenças encontrou, quando chegou, há pouco mais de dois anos?
Penso que há mais semelhanças do que se pensa entre o mercado moçambicano e o da Nigéria, essencialmente ao nível dos desafios e do desenvolvimento tecnológico e digital de produtos na óptica de o sistema financeiro funcionar como parte de uma comunidade empresarial mais ampla, permitindo que os negócios funcionem da forma mais eficiente possível. Existem regulamentos em vigor que não permitem muitos destes desenvolvimentos e, para ser honesto, posso compreender de onde eles vêm. Eu trabalhei nos mercados de capitais no final dos anos 90, e quando a crise russa aconteceu vimos como os mercados desenvolvidos poderiam ter impacto na liquidez do mercado de divisas e na disponibilidade de dinheiro nos mercados mais pequenos. Nessa altura, apercebi-me de como é essencial a regulamentação em vigor.
No entanto, penso que por vezes poderíamos ir um pouco mais além. O que vejo em Moçambique é que os bancos têm boas ideias e a intenção de colaborar com o regulador neste desígnio. Acredito em avançar em parceria, não devemos vê-lo apenas como um esforço do regulador ou dos bancos, mas de todos em parceria e envolvendo a comunidade empresarial para tornar o ecossistema mais competitivo e num ambiente cada vez mais seguro.
Desde que chegou, qual é a sua opinião sobre o ecossistema financeiro que veio encontrar?
A minha opinião sobre Moçambique é que existe aqui muito mais potencial do que as pessoas se apercebem à primeira vista, e isso requer o que dizia, que as autoridades, os bancos e o sector empresarial, juntamente com os fundos de desenvolvimento, trabalhem em conjunto para desbloquear todo esse potencial. Uma das coisas que mais me surpreenderam aqui foram os elevados níveis de competências que, muitas vezes, lá fora, se diz que são menores quando comparados com mercados mais sofisticados como a África do Sul ou a Nigéria.
Nada mais errado! Recordo-me sempre de quando o ex-CFO da Coca-Cola me disse que ficaria surpreendido com o nível de competências em Moçambique se tentasse desvendá-lo. E fiquei de facto. Penso que quando partimos dessa base e lhe juntamos o potencial relacionado com a base de recursos naturais que este país tem e o potencial de fazer bons negócios de alta qualidade, seguros e de confiança, existem todas as razões para estarmos optimistas.
Os nossos analistas económicos ainda recentemente nos diziam que, de todas as filiais em que o grupo opera, nove delas em África, Moçambique é a que tem maior potencial de crescimento, mas também é a geografia com mais baixa notação de crédito. Olhando a tudo isto, penso que o movimento de todos os players deste sector, governantes, reguladores e sector financeiro vai no sentido de conseguirmos que a classificação de crédito melhore, fazendo negócios éticos, primando pela boa governação com um bom sistema judicial para a apoiar e alcançando bons negócios, para conseguirmos, por fim, que o custo do crédito se torne mais barato, se torne mais fácil transaccionar e, na verdade, que todos ganhem com isto.
Um sentimento comum no País é que algumas empresas acabam por, se calhar, fazer depender em demasia as suas estratégias de algo que há-de vir, como o gás natural, em vez do tal trabalho holístico de que falávamos. Concorda com a ideia?
Sim, e aí deixe-me voltar à sua primeira pergunta: o que muda a nossa estratégia para onde nos encontramos hoje? Temos sido um banco de retalho e na realidade um banco de massas. Provavelmente até 2017-2018 procurámos fazer a transição para uma abordagem empresarial e comercial. O foco esmagador para o FNB entre 2018 e 2020 foi esta expansão do petróleo e do gás.
Mas na abordagem que adoptámos, pensámos nos pequenos passos incrementais que podemos dar para construir um negócio sustentável. Por isso, se esses grandes projectos de infra-estruturas vierem, essa será a ‘cereja no topo do bolo’, mas precisamos de ser capazes de operar dentro de uma comunidade onde não estamos à espera destas coisas, mas antes ajudar a que esses passos holísticos incrementais aconteçam.
“O meu verdadeiro objectivo é não ter de apresentar o FNB hoje porque gostaria que nos tornássemos um banco que a comunidade apoia e recomenda pelas razões certas”
Assim, e para mim, é preciso pensar na tal ‘cereja no topo do bolo’ e nos grandes números quando chegam. Sentarmo-nos e esperarmos que cheguem não vai resolver nenhum problema, é preciso adoptar a tal abordagem holística e construir-se uma organização e um mercado de forma gradual.
E aqui entra também o processo de digitalização que está na vossa estratégia, é assim?
Sim, mas para avançar com a digitalização, precisávamos primeiro de ter o núcleo do banco em funcionamento pleno, antes de construirmos e nos tornarmos no banco que queremos ser.
Quando pensamos na Amazon ou em tantos outros casos de sucesso do mundo dos negócios digitais, todos eles começaram com um sistema estável no qual as transacções podem fluir eficientemente. Ainda não estamos nesse ponto, mas estamos a chegar lá muito em breve, já em 2023, com uma abordagem sensata. Haverá novidades sobre isso nos primeiros meses do ano.
Como pensa que o sistema financeiro em geral, e mesmo o FNB, se deve posicionar face à eclosão e rápido crescimento das carteiras digitais?
Este é um dos grandes desafios do sector financeiro, em que precisamos de encontrar a melhor forma de trabalhar em conjunto com plataformas como o M-Pesa e os reguladores para obter mais eficiência rumo a essa grande meta da inclusão financeira. Isto inclui a forma como baseamos as taxas de transacção entre operadores de redes móveis e bancos, como criamos a interface para que funcionem correctamente e o espaço suficiente para todos poderem funcionar da melhor forma para o cliente. Em última análise, se as bases transaccionais florescerem entre os operadores de redes móveis e os bancos, o País beneficia e haverá mais liquidez no sistema.
Qual é a sua perspectiva para este ano em termos económicos?
Penso que há já um consenso de que a inflação atingiu o seu pico nos mercados mundiais, o que significa que a questão mais crítica para os países da África Austral, e a que aludi anteriormente, é como conter essa inflação quando se é dependente das importações. Muitos indicadores para a estabilidade da moeda têm vindo a diminuir nos últimos anos e o banco central, na minha opinião, tem feito um grande trabalho para manter a moeda estável. Mas chega a um ponto em que essas reservas se esgotam assim como a sua capacidade de impactar os movimentos inflacionários. Penso que devemos estar atentos porque temos, provavelmente, um caminho mais longo a percorrer em Moçambique do que outros países, por disporem de mais liquidez em moeda estrangeira nas suas reservas.
Olhando ao portefólio de oportunidades que Moçambique oferece, quais são, para si, actualmente, as áreas com maior potencial para o investidor estrangeiro, para além do gás natural, claro?
Antes de ir aí, é preciso dizer que os investidores gostam de certezas e não de fenómenos sujeitos a factores que não podem antever e controlar em termos de regulamentação, legislação, impostos, propriedade, sistema judicial, etc. Na minha opinião, o melhor que Moçambique poderia fazer seria publicar um livro de regras para o investidor, com tudo o que este necessita de saber.
A clareza de regras é a forma de conseguir fazer entrar IDE (Investimento Directo Estrangeiro) num qualquer mercado. Quanto a segmentos que podem suscitar o interesse de investidores, e penso que o PIB diz tudo, eles são o agro-negócio, mas juntar-lhe-ia também a logística e os serviços.
Se falarmos em 2024, o que será o FNB nessa altura?
O meu verdadeiro objectivo é não ter de apresentar o FNB, hoje ou nessa altura, porque quero que os nossos clientes o façam por mim, ou seja, gostaria que nos tornássemos um banco que a comunidade apoia e recomenda, pelas razões certas. Quero que façamos parte da economia de Moçambique e do sucesso dos moçambicanos.
Dos valores que enunciou no princípio, quais é que para si resumiriam todo este processo?
Os clientes são o mais importante para nós. Nesse sentido, destacaria a união da equipa, a construção da confiança e a aposta na inovação. E ser ousado, algo que temos de ser, não operar num ambiente demasiado hierarquizado porque somos uma família. Estamos juntos e vamos apoiar-nos uns aos outros.
Veja a entrevista completa aqui:
Texto Pedro Cativelos • Fotografia e Vídeo Mariano Silva
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