No continente africano, mais do que em qualquer outro lugar, as alterações climáticas estão a ameaçar a produção de café.
Nas encostas do Monte Elgon, um vulcão extinto situado na fronteira entre o Uganda e o Quénia, Kenneth Barigye cultiva café Arábica. Ele tem outras plantações na cordilheira Rwenzori e no distrito de Kisoro, no Uganda, um país que, em 2021, exportou mais café do que em qualquer outra altura nos últimos 30 anos. O negócio é bom, mas, como muitos cafeicultores em África, o director executivo da Mountain Harvest acredita que Kenneth Barigye deve preparar-se para o fim do Arábica, o grão mais popular do mundo.
“Estamos a sofrer grandes flutuações nos rendimentos devido ao mau tempo, às pragas e às doenças, que têm repercussões importantes no rendimento dos pequenos agricultores, diz. Estas dificuldades conjugam-se com o difícil acesso ao financiamento de despesas essenciais (novas variedades resistentes à seca, sistemas de irrigação, fertilizantes e ferramentas), o que resulta em solos pobres, baixa produtividade e má qualidade dos cereais.”
O Arábica está disponível na maioria das lojas de café, incluindo grandes cadeias internacionais como a Starbucks, Costa Coffee e Seattle Coffee Company. O arbusto cresce em maiores altitudes e temperaturas baixas, ao contrário do seu primo Robusta, menos popular, que é mais resistente e tem um maior teor de cafeína. O Robusta, mais amargo que o Arábica, pode crescer em altitudes mais baixas e temperaturas mais altas.
Nos últimos anos, o consumo global de café tem crescido, paralelamente ao aumento do custo de vida. Mas os modelos climáticos prevêem uma enorme queda nas colheitas à medida que as temperaturas aumentarem nos próximos anos. África, o berço do café, não vai escapar a isto, ameaçando um mercado de 2,5 mil milhões de dólares – tem mais países produtores de café do que qualquer outro continente. A Etiópia é o maior exportador africano, com cerca de 1,2 mil milhões de dólares por ano, seguida pelo Uganda, com 594,2 milhões de dólares, de acordo com o [portal de estatísticas] Statista.
Temperatura afecta rendimento e sabor
De acordo com um estudo publicado em Janeiro deste ano (2023), até 2050 os cafeeiros deixarão de estar adaptados ao clima em muitas partes do mundo. Em comparação com a castanha de caju e o abacate, o café provou ser a cultura mais vulnerável às alterações climáticas. E o café cultivado na África Ocidental pode ser particularmente atingido. Outro estudo de 2019 concluiu que 60% das espécies de café selvagem estavam em risco de extinção devido ao aquecimento global e à desflorestação, bem como a doenças e pragas.
“O café é muito sensível, mesmo a aumentos modestos de temperatura, e os impactos variam dependendo da maturidade das plantas”, precisa Michael Hoffmann, director executivo do Cornell Institute for Climate Smart Solutions [nos Estados Unidos da América]. “Um pequeno pico de calor no momento errado pode afectar o rendimento, o aroma e o sabor.”
A temperatura e a precipitação têm repercussões no rendimento, bem como na acidez dos solos. Em algumas áreas, as encostas íngremes e uma textura de solo desfavorável trabalham contra os agricultores. As pragas e as doenças, como a ferrugem negra, também proliferam com a subida das temperaturas. As inundações e as secas, que se tornarão mais frequentes de acordo com os modelos climáticos, arriscam também travar o crescimento das plantas. Chuvas excessivas podem causar bolor e perturbar a colheita; chuvas muito raras resultam em pequenas drupas (frutos do café).
A cultura do café foi introduzida na Ásia e nas Américas pelos colonos europeus. “A esmagadora maioria do café vendido hoje em dia é produzido nestes continentes. No entanto, a riqueza da diversidade genética continua concentrada nas terras ancestrais do café da actual Etiópia e no Sul do Sudão”, explica Melissa Wilson Becerril, responsável pelo desenvolvimento sustentável da [cooperativa de importação de café dos Estados Unidos da América] Cooperative Coffees. Preservar esta diversidade genética será essencial para manter um mercado dinâmico.
Para Michael Hoffmann, o aumento das temperaturas mundiais irá causar problemas aos produtores de café africano.
“As dificuldades só vão piorar à medida que os efeitos das alterações climáticas se intensificarem. Alguns cientistas prevêem que a área adequada para o cultivo de café em África pode ser reduzida para metade até 2050.”
De facto, muitos investigadores estão a integrar nas suas modelações um aumento de 4° C em relação à época pré-industrial, ou seja, 2,5° C acima da meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015. Em tal cenário, o clima será demasiado quente para o café Arábica em muitas das regiões onde é cultivado hoje, diz Kenneth Barigye.
Tanto a quantidade como a qualidade do café irão sofrer. A definição geralmente aceite de “especialidade” [topo de gama] é uma bebida que pontua, pelo menos, 80 pontos [em 100] no protocolo desenvolvido pela Specialty Coffee Association. O café é classificado como “muito bom” entre 80 e 84,99 pontos; “excelente” entre 85 e 89,99 pontos, e “excepcional” entre 90 e 100 pontos.
“A actual trajectória climática terá outros efeitos na nossa actividade, diz Kenneth Barigye. Eu, como exportador de cafés especiais, preciso de condições que me permitam alcançar pontuações acima dos 84 pontos nas degustações. Estas condições incluem o crescimento lento da cereja para maximizar a absorção de açúcares e depois uma secagem lenta. Com o aumento das temperaturas, haverá uma aceleração do crescimento que afectará a absorção dos açúcares e o tamanho da cereja; depois, uma aceleração da secagem que também afectará a qualidade da bebida.”
Oportunidades e soluções
Daniel Habamungu Chinyabuguma, director da cooperativa agrícola Muungano na República Democrática do Congo, explica que os produtores estão a viver uma maior instabilidade climática. “Quando chove muito, a erosão lava os campos, o granizo danifica as drupas, e nós perdemos a colheita. Quando o sol brilha muito forte, a evapotranspiração é muito elevada e as reservas de nutrientes esgotam-se, por isso os pés de café florescem, mas não conseguem alimentar as drupas.” Os rendimentos sofrem inevitavelmente com as consequências. Como o Arábica cresce nas encostas das montanhas, fortes chuvas, combinadas com desflorestação e erosão, podem causar deslizamentos de terras nas explorações.
Ainda que a maioria dos produtores de café seja afectada negativamente pelo aquecimento global, as perturbações irão criar novas oportunidades noutros países. O estudo, publicado em Janeiro, prevê que algumas regiões da África Oriental e Austral vão beneficiar porque os meses mais frios do ano serão ligeiramente menos frios.
Denis Murphy, professor emérito de Biotecnologia da Universidade do Sul do País de Gales, explica que “uma faixa de 500 quilómetros de largura, do Sul do Sudão à Costa do Marfim”, poderá beneficiar das mudanças, “mas ainda há incerteza e precisamos de olhar para dados concretos, sobre os padrões de precipitação, para refinar as previsões. O contexto geopolítico da região torna muito difícil a instalação de explorações e cadeias logísticas fiáveis para o Litoral. É também possível que alguns dos principais actores, como a Etiópia e o Uganda, sejam bastante resilientes e sobrevivam”.
Muitos cafeicultores irão perder, a menos que tomem medidas para mitigar os efeitos das alterações climáticas. “Para mim, a solução é promover a agroflorestação e aumentar a densidade dos cafezais nas parcelas”, diz Kenneth Barigye.
Este sistema agrícola poderia restaurar a cobertura florestal, aumentando a produtividade do Arábica em pelo menos 69% (de cerca de 1600 para 2700 árvores por hectare). Este acréscimo na produtividade aumentará a capacidade dos agricultores para investir na irrigação.
“A segunda solução consiste em preparar-se para o pior cenário possível: a impossibilidade de cultivar café. Se isto acontecer, é necessário diversificar as fontes de rendimento, com espécies resistentes ao calor e produtoras de dinheiro, como o abacate, que felizmente podem ser intercaladas com plantas de café no quadro da agroflorestação.”
Michael Hoffmann também concorda que os agricultores poderiam favorecer as culturas que fornecem sombra, tais como abacates, bananas, goiabas ou mangas, para proporcionar frescura aos cafeeiros e constituir outra fonte de rendimento, parte da qual pode financiar medidas de adaptação climática. “Em algumas partes do mundo, as árvores de sombra aumentam as populações de aves que se alimentam de pragas de insectos das plantas do café. Outra opção é mover as plantações para altitudes mais elevadas, assumindo que isto é possível e que não prejudica a protecção da floresta nessas áreas.”
E prossegue: “Para se adaptarem, os agricultores precisam de saber o que fazer, e as cooperativas de café podem organizar mais formações. Através dos serviços que oferecem, podem ganhar mais dinheiro, o que lhes permitirá investir mais em práticas amigas do clima.”
Melissa Wilson Becerril, por seu lado, acredita que “as melhores medidas de mitigação são preventivas”. As plantas saudáveis são mais resistentes às pragas e à seca e são mais produtivas. Os solos ricos produzem plantas saudáveis. Uma poda regular pós-colheita e a gestão das sombras regulam a temperatura ambiente nas explorações. Isto atrasa a erosão e permite às plantas direccionar os nutrientes para novos rebentos, aumentando a produtividade.
Mais do que tudo, os agricultores precisam de dinheiro para se adaptarem. Instituições privadas e bancos poderiam fornecer microcréditos aos pequenos produtores de café. Os comerciantes conseguiriam ajudá-los a maximizar os rendimentos, fornecendo grãos mais fortes e monitorizando a produção.
África produz dos melhores cafés do mundo, mas falta-lhe a produtividade de outros continentes produtores de café. As intervenções governamentais, tais como iniciativas para apoiar e treinar os produtores de café, poderiam desempenhar um papel-chave. Os governos devem investir na investigação para desenvolver culturas mais resistentes e políticas mais sustentáveis.
As alterações climáticas podem levar a preços mais altos do café, qualidade inferior e a uma escassez dos melhores grãos. A indústria e os decisores políticos devem agir agora, se quiserem evitar que estes problemas se repercutam no consumidor.
Autor: Jack Dutton . Órgão: African Business