Analistas disseram esta terça-feira, 7 de Fevereiro, à Lusa, que a opção da TotalEnergies de pedir uma avaliação sobre Cabo Delgado a um especialista em direitos humanos visa tirar a responsabilidade à petrolífera francesa sobre o futuro da sua presença em Moçambique.
Caso decida retomar o projecto, suspenso desde Março de 2021 na sequência de um ataque armado a Palma, “não vai assumir o ónus de que é uma decisão da TotalEnergies, mas, sim, que há uma avaliação independente que garante que existem lá condições”, disse à Lusa Rui Mathe, investigador na área da indústria extractiva do Centro de Integridade Pública (CIP), organização não-governamental moçambicana.
Mathe avançou que a multinacional francesa poderá usar a avaliação do perito independente – Jean-Christophe Rufin, médico, escritor e diplomata falante de português – para legitimar a opção de reiniciar o empreendimento na bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, mesmo num contexto em que a insurgência armada continua activa na província.
“Está a perceber que a situação de segurança não vai ser normalizada num período curto e a janela de tempo [para a produção de gás natural] vai-se fechando. Então, vai-se buscar esta entidade independente para dar o aval para a TotalEnergies voltar”, assinalou aquele investigador.
Rui Mathe considerou que o aumento da volatilidade do sector energético provocado pela guerra Rússia-Ucrânia abriu uma oportunidade para as petrolíferas presentes em Moçambique acelerarem os seus projectos.
“A TotalEnergires está a proteger-se a ela própria e aos seus parceiros” em relação à retoma ou não do seu projecto em Moçambique”
Nesse sentido, prosseguiu, a TotalEnergies pode ter repensado a sua posição inicial de que apenas retomaria o empreendimento em Cabo Delgado com a segurança restaurada em toda a província.
“A TotalEnergies exigia aquela paz efectiva”, no norte do País, para não operar num “cordão de segurança em volta do projecto”, notou Rui Mathe.
Já para Fátima Mimbire, activista social com análises no sector da indústria extractiva, ao optar por uma avaliação independente à situação dos direitos humanos e de segurança, a multinacional francesa poderá pretender credibilizar a decisão de “um cinturão de segurança” na área de implementação do seu projecto de gás natural, com o argumento de que os riscos prevalecentes são “mitigáveis”.
“Estas empresas gostam muito de ser uma ilha dentro de um território, e este documento que há-de vir de um consultor de segurança independente deverá, eventualmente, dizer que existe risco, mas que é um risco mitigável, se a TotalEnergies ainda tiver interesses em Moçambique”, destacou Mimbire.
A empresa, continuou, pode ter abandonado a ideia de só voltar a operar em Cabo Delgado com garantias de segurança em toda a província, por se ter convencido da “complexidade” da situação.
Fátima Mimbire considerou que uma aferição independente da situação dará sempre respaldo a qualquer decisão da empresa, incluindo negociar mais benefícios com o Governo moçambicano, sob pretexto do incremento do esforço com a segurança.
“A petrolífera TotalEnergies encarregou Jean-Christophe Rufin de avaliar a situação em Cabo Delgado, para decidir se há condições de se retomar a construção da fábrica de liquefacção de gás natural”
A TotalEnergies também pode recorrer ao relatório da avaliação independente para sair do País, “o que seria estranho, porque as petrolíferas conseguem operar em territórios turbulentos, com guerras e crises”, salientou.
Por seu turno, Fernando Lima, jornalista e analista, também considerou que com a escolha de um especialista em direitos humanos a TotalEnergies pretende proteger qualquer decisão que venha a tomar sobre o futuro da sua presença em Moçambique.
“A TotalEnergires está a proteger-se a ela própria e aos seus parceiros” em relação à retoma ou não do seu projecto em Moçambique, frisou Lima. Se algo correr mal, a empresa “pode dizer que os próprios assessores independentes disseram que não havia condições para a retoma do projecto”, argumentou.
Por outro lado, a posição da petrolífera mostra que a situação de segurança e dos direitos humanos em Cabo Delgado é “complexa e delicada”.
“Apesar de reconhecer avanços no combate aos grupos armados, as forças governamentais ainda não têm a situação completamente controlada, como demonstram os ataques da última semana em alguns troços de estrada em Cabo Delgado”, acrescentou Fernando Lima.

Para aquele jornalista e analista, com os recentes ataques, os insurgentes querem mostrar que “a situação está insustentável”.
A decisão foi comunicada pelo director executivo da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, ao Presidente da República, Filipe Nyusi, após uma visita à região.
Cabo Delgado enfrenta um conflito desde 2017 que aterroriza as populações. Grupos de rebeldes armados têm pilhado e massacrado aldeias e vilas um pouco por toda a província e uma variedade de ataques foi reivindicada pelo ‘braço’ do autoproclamado Estado Islâmico naquela região.
O conflito já provocou mais de 4000 mortes (dados do The Armed Conflict Location & Event Data Project) e pelo menos um milhão de deslocados, de acordo com um balanço feito pelas autoridades moçambicanas.
Desde Julho de 2022 que uma ofensiva militar de Maputo, com apoio do Ruanda, e posteriormente da SADC, possibilitou um clima de maior segurança na região que não era sentido há anos, e recuperou localidades que estavam controladas pelos rebeldes, como a vila de Mocímboa da Praia, ocupada desde 2020.