Algumas das decisões do Banco de Moçambique não têm, à primeira vista, favorecido a actividade empresarial embora, em pano de fundo, tenham apontado à estabilidade macroeconómica. Ao longo do ano, por exemplo, as taxas de juro de referência subiram 4 pontos percentuais. No balanço de 2022, e perspectivando o novo ano, há questões por alinhar. O Governo faltou ao debate, mas não faltaram os recados sobre como este deve conduzir a política fiscal e ajudar o BdM a reencaminhar a economia para a estabilidade.
De há alguns anos a esta parte, as conjunturas interna e internacional impõem sucessivos desafios ao ambiente de negócios. E as soluções assumidas pelas autoridades competentes para resolver os desequilíbrios dos mercados, no caso o Banco Central (através da Política Monetária) e o Governo (por meio da política fiscal), estão longe de satisfazer a classe empresarial.
Cada vez menos capaz de resistir à multiplicidade de obstáculos – que vão desde o covid-19 à guerra na Ucrânia, passando pelas elevadas taxas de juro, de inflação, cargas fiscais, etc. –, a classe empresarial sentou-se à mesa com o Banco de Moçambique (BdM) e procurou provar, com detalhes, que as soluções de política monetária adoptadas pelo regulador, afinal, desajudam as empresas.
As elevadas taxas de juro
É nas elevadas taxas de juro que as empresas encontram o maior obstáculo à sua actividade. Isto não é novo, mas ganhou uma dimensão considerável nos últimos tempos. Ricardo Sengo, presidente do Pelouro de Política e Serviços Financeiros da CTA (Confederação das Associações Económicas de Moçambique), começou por recordar que o ano 2022 foi caracterizado por sucessivos aumentos das taxas de juro de política monetária (taxa MIMO) e da prime rate.
No caso da MIMO, em Janeiro de 2022, o BdM manteve em 13,25% a taxa que vigorava desde 2021. Mas alterou-a para 15,25% em Março deste ano, e para 17,25% em Setembro, representando uma variação total do corrente ano em 4 pp (pontos percentuais).
Em relação à prime rate, que tinha sido fixada em 18,6% em Janeiro, subiu 0,5, 1,5 e 2 pp, em Maio, Julho e Outubro, respectivamente, resultando, igualmente, num acumulado de 4 pp durante o ano.
A sugestão do sector privado para 2023 é que o Banco Central procure actuar no sentido de promover maior previsibilidade e evitar grandes variações das taxas de juro do mercado
Outras taxas directoras, nomeadamente a Facilidade Permanente de Cedência (FPC) e a Facilidade Permanente de Depósitos (FPD), foram também ajustadas em alta na ordem dos 4 pp. A FPC passou de 16,25% para 20,25%, e a FPD de 10,25% para 14,25% entre Janeiro e Novembro do presente ano.
“A medida é, no seu todo, penalizadora para o sector privado e para a sociedade em geral, porque vai reduzir, em grande medida, o acesso ao financiamento, sem deixar de referir o aumento do custo do crédito para com a banca comercial em que os agentes económicos nacionais têm de incorrer”, referiu Ricardo Sengo. O dirigente considera que terão sido estes ajustes os responsáveis pelo crescimento tímido da economia em 0,45 pp no segundo trimestre em comparação com o primeiro, dado o “fraco desempenho empresarial.”
Assim, para o próximo ano, a sugestão do sector privado é que o Banco Central procure actuar no sentido de promover maior previsibilidade e evitar grandes variações das taxas de juro do mercado.
Negócios deram prejuízo
Através do Índice de Robustez Empresarial – relatório da CTA que acompanha a evolução do desempenho das empresas e do ambiente macroeconómico ao longo do tempo – o director-executivo da organização destacou a recuperação do dinamismo empresarial, graças a novos projectos de investimentos de diversos sectores.
Com efeito, o índice de robustez empresarial melhorou, ainda que em escala reduzida, na ordem de apenas 1 pp (de 28% para 29%).
Apesar disso, o cenário que se verifica é de aumento de custos acompanhado da queda de receitas, o que piorou as hipóteses de lucratividade das empresas.
Cálculos feitos pelo sector privado indicam que, em média, o custo por unidade de produção das empresas subiu de 6517 meticais para 6628 meticais do primeiro ao segundo trimestre. No mesmo período, a receita média por unidade de produção caiu de 6225 meticais para 6223 meticais. Este grau de deterioração do desempenho, na ordem dos 4,1%, resultou em prejuízos de 292 meticais por unidade de produção no primeiro trimestre, e 305 meticais no segundo trimestre.
No que diz respeito ao aumento de custos, a causa está muito ligada à subida dos preços dos combustíveis, que afectou todos os sectores, ao impactar directamente sobre os preços dos transportes e da indústria.
Os custos da actividade empresarial também foram agravados pelo aumento dos preços dos insumos agrícolas e pelo crescimento da inflação.
A análise do ponto de vista da produtividade empresarial (através do índice de produtividade) aponta para que, em cada metical investido num determinado sector, se percam 0,05 cêntimos em retornos numa perspectiva agregada. Este resultado não encoraja a realização de novos investimentos.
Estagnação no emprego
Quando há crise, não há emprego. Pelo contrário, é expectável que haja despedimentos. É o que destaca Eduardo Sengo com base em dados fornecidos pela Contact. Ao longo do ano não houve expansão de postos de trabalho.
“A economia foi sendo sustentada pelo emprego temporário e em tempo parcial porque os sectores que surgiram não tinham certezas sobre a sustentabilidade do seu negócio. Por exemplo, o turismo, que ainda se debate com vários obstáculos, e a comercialização agrícola que é sazonal por característica”, justificou.
E porque as taxas de juro elevadas são o aspecto que mais prejudica o sector empresarial, Eduardo Sengo rebate o argumento apresentado pelo Banco Central para a manutenção das taxas de juro, e que assenta sobre o seu principal mandato (o de promover inflação baixa e estável e, dessa forma, proteger as camadas mais pobres da sociedade).
“Quando olhamos para a distribuição do crédito à economia, percebemos que é maioritariamente concedido a particulares e não a empresas. Tal significa que, de alguma forma, a subida das taxas de juro afecta os particulares, incluindo as camadas da sociedade que o Banco Central acredita estar a tentar proteger. Ou seja, tenta evitar a perda do poder de compra através de uma medida que retira o rendimento disponível das famílias”, criticou.
Banco Central garante ter “situação sob controlo”
No encontro, o Banco de Moçambique fez-se representar pela administradora da instituição, Silvina de Abreu, que ouviu atentamente os pontos colocados pelo empresariado.
Lembrou que o BdM tem como mandato primário a manutenção da estabilidade de preços, o que pressupõe que se tenha uma inflação baixa, ao nível de um dígito, e estável a médio prazo (dois anos). Assume, entretanto, que a ideia é proteger o poder de compra das famílias, incentivar investimentos e favorecer o crescimento económico de uma forma equilibrada e estável. Mas explica que, para assegurar a estabilidade monetária, o Banco Central tem como principal instrumento a taxa MIMO.
Silvina de Abreu esclareceu aos empresários que o Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique (CPMO) decide sobre a taxa MIMO conforme a análise que faz sobre as perspectivas de evolução da inflação no médio prazo. E sempre que notar que há um desvio em relação ao objectivo pretendido, ajusta, em termos de decisão, a medida mais adequada para manter a
inflação ao nível de um dígito. Assim, de acordo com a responsável, a decisão de manter as taxas de juro foi sustentada pelos elevados riscos e incertezas associados às projecções.
Entre os riscos mais importantes, destacou a prevalência da tensão geo-política na Europa cujo fim não é previsível; o abrandamento da procura externa; as perspectivas de abrandamento do crescimento mundial em 2023 devido, essencialmente, ao aprofundamento dos efeitos do conflito entre a Rússia e a Ucrânia; os isolamentos que têm lugar na China para travar novas ondas do covid-19; os agravamentos das taxas de juro de política monetária que os bancos centrais de quase todos os países do mundo estão a fazer para controlar a inflação; e a tendência do enfraquecimento do dólar perante as principais moedas, entre outros riscos”, justificou a administradora do Banco de Moçambique.
Ou seja, as condições que determinam a fixação das taxas de juro ao nível actual são impostas por um estudo minucioso dos riscos prevalecentes interna e internacionalmente.
“Quando tivemos condições de reduzir a taxa MIMO, fizemo-lo. Não é por prazer que o BdM continua com taxas de juro em níveis elevados. Mas só as poderemos reduzir quando estivermos num cenário em que as condições analisadas dos riscos e incertezas nos permitirem essa redução, o que não é o caso”, explicou.
O que se espera em 2023?
Coube ao vice-presidente do Pelouro de Política e Serviços Financeiros da CTA, Oldemiro Belchior, fazer a antevisão do desempenho da economia em 2023. “A incerteza vai permanecer elevada.
Na nossa óptica, teremos pressões inflacionistas que podem resultar em mais medidas restritivas por parte do Banco de Moçambique. Tais riscos incluem uma possível escalada da tensão entre a Rússia e a Ucrânia, bem como outros eventos geo-políticos e desastres naturais relacionados com as mudanças climáticas.
Também não excluímos efeitos de segunda ordem, seja através dos aumentos salariais mais elevados e persistentes ou através de medidas de estímulo fiscal mais fortes”, explicou.
Belchior estima que um cenário de aumento do preço das matérias-primas importadas em cerca de 50% acima das previsões poderá manter a inflação nos níveis actuais, o que quer dizer que poderá falhar a intenção do Banco Central de tentar mantê-la num dígito.
O efeito disso, segundo o responsável, é o impacto que se gera ao nível da procura de financiamento e na oferta do crédito bancário. “Do lado da procura, créditos mais caros tornam os investimentos privados menos apetecíveis, menos rentáveis e menos viáveis economicamente.
No frente-a-frente de balanço de 2022 e as perspectivas para 2023, o sector privado e o Banco Central deixaram clara a prevalência de elevados riscos para a estabilidade económica
E, do lado da oferta, a preocupação tem que ver com as vulnerabilidades do sector financeiro, já que o próprio Banco de Moçambique aponta o crédito mal-parado ou crédito não produtivo como um dos potenciais riscos que podem degradar a qualidade dos activos detidos em balanço nos bancos”, anotou.
“Por isso, mesmo cientes da prevalência de riscos no próximo ano, recomendamos que haja algum gradualismo na subida das taxas de juro, porque o sector privado é dependente do consumo de capital alheio que é disponibilizado pela banca comercial. Torna-se, por isso, crucial que haja uma melhor coordenação entre a política monetária e a política fiscal no sentido de reduzir as pressões inflacionistas, e de o Banco Central conseguir cumprir com o seu mandato principal”.
Ao mesmo tempo que teme pela subida das taxas de juro em 2023, Oldemiro Belchior antevê cenários que podem favorecer a sua descida, nomeadamente a queda da inflação ocasionada pelo início da exploração do gás na bacia do Rovuma, pela entrada de fluxos internacionais sob forma de desembolsos das
ajudas financeiras internacionais, pela retoma dos empréstimos multilaterais do FMI e do Banco Mundial, entre outros.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
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