Analistas disseram hoje, 31 de Janeiro, à Lusa que o novo ano lectivo em Moçambique vai arrancar, mas com velhos problemas estruturais, como a má qualidade do ensino, deficiente formação dos professores, atrasos na distribuição de manuais e insuficiência de parques escolares.
Mais de dez milhões de alunos do primeiro ao 12.º ano começam as aulas na quinta-feira, 2 de Janeiro, cumprindo um calendário escolar que se vai prolongar até Novembro, época em que se realizam os exames finais.
Para João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural (OMR), organização não-governamental (ONG) moçambicana, a educação em Moçambique “atingiu um nível de fraude” em que as crianças que estudam nas escolas públicas “chegam à quarta e quinta classes sem saber contar nem escrever, literalmente”.
Para Feijó, a degradação do ensino em Moçambique é mais acentuada nas zonas rurais, onde até os professores não lêem, mas soletram, e nem sabem calcular uma área.
“Os professores, muitas vezes, nem estão na sala, o número de desistências escolares é assustador e os índices de aproveitamento escolar são também assustadores”, observou.
Cientes de que não há investimentos suficientes no ensino público, principalmente no primário, nem há vontade política para alterar o panorama negativo, os dirigentes colocam os seus filhos em escolas privadas, que têm maior qualidade, acrescentou.
De acordo com João Feijó, o desequilíbrio entre o ensino público e o privado está a criar no País duas cidadanias: a dos que têm boa formação e a dos que estão mal preparados.
O investigador considera que se trata da reedição de um modelo de ensino que imperou no tempo colonial, em que havia escolas para alunos brancos, dotadas de melhores condições, e escolas para indígenas, que eram integrados em contextos curriculares precários, prosseguiu.
A mudança do cenário na educação em Moçambique passa por acções como a constituição de associações de pais, com poder de pressão por melhores políticas públicas, e maiores investimentos no sector, defendeu aquele investigador.
João Feijó assinalou ainda que a maior aposta das autoridades na construção de infra-estruturas escolares, a que se tem assistido nos últimos anos, justifica-se pelo facto de as obras públicas criarem renda para as elites e esquemas de corrupção.
À volta da educação, continuou, gravita uma “economia que beneficia a classe política dirigente e as elites empresariais do sector de construção”.
Célia Claudina, directora executiva da ONG Rede de Comunicadores Amigos da Criança (RECAC), criticou a massificação do ensino não acompanhada de qualidade, notando que a degradação da educação é um obstáculo ao desenvolvimento do País.
“É de louvar que o Governo consiga colocar todas as crianças no Sistema Nacional de Educação, mas as condições em que vão estudar são muito mais importantes para que essa absorção tenha efectivamente sentido”, considerou Claudina.
Aquela activista dos direitos da criança notou que muitos alunos do ensino primário vão continuar a estudar ao relento, debaixo de árvores ou em salas degradadas, expostas a doenças.
O financiamento à educação, continuou, não pode priorizar a capacitação institucional da sede do Ministério da Educação e dos seus dirigentes, mas deve ser canalizado para os verdadeiros actores do processo de ensino e aprendizagem.
“Não conheço nenhuma sociedade que se desenvolva sem educação. Quando temos uma nação com indivíduos formados e alfabetizados, resolvemos a maior parte dos nossos problemas”, realçou Célia Claudina.
O presidente da Comunidade Académica para o Desenvolvimento (CADE), Cassamo Nuvunga, olha “com muita preocupação” para o rácio aluno-professor, “que, segundo o Governo moçambicano, era de 65 alunos para um professor, em 2021, com uma perspectiva de redução para 61 em 2024”.
O activista criticou o desfasamento entre os currículos escolares e as reais necessidades do País e salientou que “formar não deve ser somente colocar alunos em escolas, é preciso formar para os enquadrar na sociedade para que possam colher os benefícios da instrução”, concluiu.