Numa época de grande vulnerabilidade perante os desastres naturais, com enormes prejuízos sobre as obras de construção, a Ordem Dos Engenheiros de Moçambique deveria estar a ganhar maior protagonismo enquanto entidade que pode conferir resistência e qualidade às infra-estruturas. Mas não é o que está a acontecer. Existe há 20 anos, ainda é pouco expressiva e atravessa uma série de obstáculos.
A entidade comporta um total de 16 atribuições previstas no seu estatuto, sendo primordial o dever de “liderar o progresso da engenharia pondo-a ao serviço do desenvolvimento nacional”. Como é que, ainda assim, permanece ‘anónima’?
Em Portugal, por exemplo, as recentes inundações levaram a Ordem dos Engenheiros daquele país a discussões acesas sobre como ultrapassar os estragos, tendo afirmado que aqueles fenómenos só se resolveriam com túneis de escoamento. A voz da Ordem ecoou nos órgãos de comunicação social portugueses, o que não tem sido comum em Moçambique. Porquê?
Ao DE, o bastonário da Ordem dos Engenheiros de Moçambique, Feliciano Dias, faz uma breve retrospectiva de como é a vida da agremiação e aponta algumas soluções para os problemas que assolam o País, sobretudo no ramo da engenharia de construção civil.
Nos últimos anos, Moçambique tem sido ciclicamente afectado por desastres naturais, fenómenos que têm obrigado à adopção de construções resilientes para se evitarem destruições frequentes das infra-estruturas. Afinal, o que é que pode ser feito para que as habitações sejam mais resistentes aos eventos climáticos adversos?
Antes do mais, há algo que é preciso saber: todo o dimensionamento em engenharia tem de respeitar um critério de dimensionamento. Se esse critério for respeitado, as infra-estruturas tornam-se resistentes. Mas se não for, todas as construções se tornam vulneráveis.
No Japão, por exemplo, há ciclones e sismos todos os anos. Mas porque é que até hoje o país se ‘mantém de pé’? Porque os responsáveis japoneses dimensionam os sismos, o que torna as estruturas mais caras. E nós temos de estar atentos a isso. Quantas vezes ocorrem sismos em Moçambique? A cada mil anos? Então, não vale a pena investir em estruturas com tecnologia mais resistente a estes fenómenos.
Agora, se tivermos sismos todos os dias, como no Japão, então vale a pena dimensionar o sismo. Naquele país, devido à ocorrência frequente dos tremores de terra, os japoneses erguem infra-estruturas a que acrescentam algumas técnicas no canto dos edifícios, que permitem a movimentação dos mesmos quando ocorre o fenómeno. No nosso caso, os edifícios iriam sofrer danos porque não temos esta componente, o que os torna muito rígidos.
Na engenharia, existem técnicas para fazer com que os edifícios sejam resistentes a eventos climáticos. Não há que inventar nada, a roda já foi inventada. As construções em Moçambique devem ser resistentes, disso não há dúvidas.
Mas porque é que as infra-estruturas moçambicanas são severamente afectadas pelos desastres naturais?
Todas as infra-estruturas têm uma vida útil e, ao longo desse período, temos de garantir a sua manutenção. Se não a garantirmos, a vida útil fica cada vez mais curta e em muitos casos aqui, em Moçambique, esse cuidado não existe. Por isso é que temos prédios em todas as cidades cujo estado de degradação é muito grande. Estão tão degradados que se torna muito caro proceder a essa manutenção porque as pessoas não têm dinheiro para o fazer.
Num prédio, pode existir um cano de água roto no último andar e a água começar a aparecer no rés-do-chão. O técnico começa, então, a palpar o tubo todo para ver onde está o defeito, de cima para baixo ou de baixo para cima, e às vezes pode concluir que, na verdade, é uma rosca mal colocada. Há pouco tempo, vi aqui na cidade de Maputo um prédio com uma inclinação de seis a nove graus. Tudo o que cai vê-se do lado para o qual o prédio está inclinado. Logicamente que a manutenção desta infra-estrutura é muito mais cara no estágio em que se encontra.
Se olharmos para os sistemas de drenagem da cidade de Maputo, veremos que, quando chove, o que mais se encontra nas ruas são garrafas, plásticos, papéis, etc., objectos que são arrastados para dentro da sarjeta e para dentro dos tubos, sendo que estes têm já uma certa idade. Em algumas zonas da cidade têm mais de 50 ou 100 anos. Logo, já não estão a funcionar na sua plenitude.
Em vários países, quando chove, o pessoal da manutenção das infra-estruturas vai para as ruas para tentar aliviar as valas de drenagem. Nós não. E aqui na cidade de Maputo já se sabe quais são os pontos críticos, logo deveríamos colocar profissionais nesses locais para que, na ocorrência dessas situações, estivesse sempre alguém para minimizar a situação.
Nós não temos esta cultura de limpeza e de manutenção, que é o que está a agravar algumas situações.
Quais as possíveis soluções que a Ordem dos Engenheiros antevê para resolver estes problemas?
Mas quem é a Ordem? A Ordem são os seus membros. Esta é uma situação delicada porque nós, enquanto organização, não temos ainda o reconhecimento que precisamos por parte da sociedade, e este é um dos desafios deste mandato. Nós, enquanto Ordem, ainda não temos nada feito. Se alguém nos vier pedir conselhos, temos a porta aberta, mas não temos actividades específicas nesse sentido.
E como é que a Ordem olha para os trabalhadores que estão no ramo, mas não têm nenhuma instrução técnica?
Esse é outro ponto que nos preocupa. Este mercado, principalmente de engenharia civil, tem muita gente que não percebe o que realmente está a exercer. Por exemplo: eu sou projectista, tenho um projecto com passos que devem ser seguidos para a sua execução. Devo saber explicar que passos são esses. Um empreiteiro pega neste papel e transforma-o num projecto de obra. Mas se ele não souber ler o que ali está, fará tudo menos o que é pretendido.
O betão, que é mistura de pedra, areia, cimento e água, está estudado, dependendo da utilidade e da função que se quer. As características desse betão têm de ser solicitadas. Em obras rodoviárias, por exemplo, tem de ser um betão com um mínimo de 30 mega pascais de tensão, o que significa dar-lhe uma certa resistência por forma a que, quando sofrer um impacto de um carro, não se estrague.
O que está a acontecer em muitas infra-estruturas construídas em Moçambique? O betão está a ser feito pelo trabalhador, que não tem noção do que está a fazer porque, a partir do betão BE25 (uma das medições do betão), exige controlo de qualidade. O betão deve ser ensaiado e medido regularmente, porque, menos do que este valor, pode ser feito algum controlo. Menos que BE20 já não precisa de controlo. Tudo isto está normalizado em termos de engenharia, e quem sabe destes termos são os profissionais qualificados.
Há muita gente que sai por aí a construir sem competência. Muitos recomendam materiais de construção que não são resistentes. Em certos pontos do País próximos do litoral, é normal ver pessoas a cobrir as suas casas com chapas de 0,3 milímetros, o que não é recomendável, pois para as pessoas que vivem nestas áreas, o mais certo é cobrir com chapas de 0,6 milímetros.
Neste caso, como se pode resolver esse problema?
Há várias questões de que podemos falar. Primeiro, é o ensino de engenharia. Temos de ter um ensino de engenharia que realmente ensine o que é engenharia. Se o ensino falhar, vai ser difícil corrigir isto.
Enquanto Ordem, existimos há 20 anos e uma das nossas tarefas é registar todos quantos queiram exercer a engenharia em Moçambique. Infelizmente, ainda não atingimos o nosso objectivo porque estamos com, mais ou menos, 6000 membros, sendo que o País deve ter, talvez, 30 mil licenciados em engenharia. O ensino de engenharia em Moçambique tem algumas deficiências, uma vez que muitos docentes têm pouca prática no ramo.
A este respeito, que acções tem a Ordem tomado para atrair mais profissionais a aderirem à agremiação?
A primeira coisa a dizer é que, para o exercício da actividade de engenharia em Moçambique, é obrigatório ser membro da Ordem. A segunda coisa é que estamos a tentar encontrar algumas matérias de interesse deste nível, como cursos de curta duração, para dinamizar algumas questões, e estamos também a expandir a Ordem nas províncias, uma vez que cada uma delas tem características e problemas específicos. Por exemplo, os solos de Niassa e Manica devem ser os melhores solos que existem no País, mas os solos de uma parte significativa de Nampula, Sofala, Inhambane e Cabo Delgado são fracos devido à proximidade com o litoral. Não têm resistência nenhuma. É por isso que queremos criar núcleos com interesses locais, sendo que, actualmente, já temos quatro. Mas a ideia é ver se até o final do nosso mandato conseguimos ficar em todas as províncias.
Texto Nário Sixpene • Fotografia Paulo Almeida