África deverá ter o seu melhor ano de sempre no que diz respeito ao investimento através de veículos de private equity: segundo dados apresentados pela African Private Equity and Venture Capital Association1 (AVCA), o continente fechou o primeiro semestre de 2022 com um total de US$ 3,5 mil milhões investidos, e as projecções indicam que pode alcançar um recorde de sete mil milhões de dólares investidos no final do ano.
A AVCA destacou que a África Ocidental obteve a maior fatia de financiamento, com cerca de 33%, tendo a Nigéria como líder no continente (sendo seguida pelo Quénia).
E onde fica Moçambique nesta imagem?
Apesar da importância reconhecida ao sector, nomeadamente quanto à sua potencialidade para contribuir activamente para o desenvolvimento económico, a verdade é que diversos factores têm desencorajado a entrada de veículos de investimento de private equity no mercado moçambicano.
1. Os veículos mais apropriados ao abrigo do regime moçambicano, para realizar investimentos em private equity e venture capital, são as sociedades de capital de risco e os fundos de capital de risco (que deverão ser geridos pelas primeiras). Sucede que, mesmo com a aprovação de uma “nova” Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Lei n.º 20/2020, de 31 de Dezembro), as sociedades de capital de risco continuam a ser altamente regulamentadas, em paridade com outras sociedades financeiras que apresentam muito maior risco sistémico (e que por isso poderão ter repercussões muito significativas se forem liquidadas ou se se tornarem insolventes).
2. Outro obstáculo prende-se com a contabilidade dos fundos e sociedades de capital de risco. Nos termos da lei, a contabilidade dos fundos é organizada de acordo com as normas emitidas pelo Banco de Moçambique.
No entanto, tanto quanto é do nosso conhecimento, até à data não foi emitida qualquer regulamentação sobre esta matéria. Ora, esta omissão pode acarretar bastante incerteza junto dos stakeholders, nomeadamente quanto à valorização dos investimentos no balanço do fundo, e prejudicar gravemente a criação de novos fundos de capital de risco.
3. Por outro lado, também não existem ainda obrigações concretas de disponibilização de informação em relação à subscrição de unidades de participação em fundos de capital de risco: não existe qualquer obrigação por parte da entidade gestora de disponibilizar informação sobre o fundo aos potenciais participantes, salvo os casos em que estes sejam constituídos através de oferta pública.
“Apesar da importância reconhecida ao sector, nomeadamente quanto à sua potencialidade para contribuir para o desenvolvimento económico, diversos factores têm desencorajado a entrada de veículos de investimento de private equity no mercado…”
4. Do ponto de vista do investimento estrangeiro, ainda há poucos incentivos para as gestoras de fundos estrangeiros empreenderem actividades de gestão de fundos de capital de risco em Moçambique:
• A Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras obriga as sucursais de instituições estrangeiras a submeterem-se a procedimentos de autorização materialmente equivalentes aos das instituições nacionais, não estando previsto um regime de passaporte para as gestoras de fundos estrangeiros gerirem fundos ao abrigo da lei moçambicana.
• Não existe, ao contrário de outras jurisdições, um regime fiscal favorável para os investidores estrangeiros, e as pessoas singulares não residentes acabam por ser penalizadas em relação aos residentes, na tributação dos rendimentos de ganhos de capital.
5. O estado da regulamentação do sector tem também impactos negativos no interesse pelo mercado moçambicano e pela constituição de fundos de capital de risco, considerando, quer a falta de regulamentação, quer a dificuldade de interpretação e aplicação da regulamentação existente devido ou a regras contraditórias ou de aplicação incerta a este respeito. Este aspecto é especialmente evidente em determinadas áreas, tais como (i) método de cálculo do valor das unidades de participação e regras de valorização dos fundos; (ii) (o reduzido âmbito de) matérias reservadas à assembleia geral dos participantes; (iii) regras sobre a composição da carteira do fundo; (iv) requisitos de comercialização das unidades de participação; e (v) deveres de reporte. A ausência destas regras, mais do que um sinal de flexibilidade na estruturação dos fundos, será neste caso uma fonte de incerteza para potenciais promotores e investidores sobre o regime jurídico aplicável.
Depois desta incursão pelo regime em vigor, salta à vista que Moçambique tem ainda um caminho a percorrer no desenvolvimento da indústria do private equity e venture capital. Não ignoramos ser impossível destrinçar o desenvolvimento da indústria do contexto macroeconómico e institucional do País, mas, ainda assim, poderia ser benéfico implementar algumas das seguintes medidas:
1. alterações à Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, de modo a implementar, entre outros aspectos, um regime regulatório menos exigente para as sociedades de capital de risco, especialmente as que sejam de reduzida dimensão, e um sistema de passaporte para facilitar a gestão e comercialização de fundos de capital de risco por entidades estrangeiras;
2. alterações ao Decreto n.º 56/99 de 8 de Setembro, que estabelece o regime legal dos fundos de capital de risco e regula o âmbito, a gestão, a constituição e o funcionamento dos fundos de capital de risco. Estas alterações deverão incluir regras sobre, entre outros, método de cálculo do valor das unidades de participação, matérias reservadas à deliberação dos participantes, regras sobre a composição da carteira dos fundos e requisitos de comercialização dos fundos;
3. aprovação de um regulamento sobre fundos de capital de risco, de modo a colmatar as actuais lacunas no quadro legislativo quanto a aspectos relativos às regras de avaliação, estrutura das contas, deveres de reporte e detalhe sobre a informação a prestar aos investidores, entre outros;
4. alterações ao regime fiscal aplicável para tornar o investimento em unidades de participação de fundos de capital de risco mais atractivo, nomeadamente para investidores estrangeiros.
As recomendações aqui apresentadas foram pensadas tendo por objectivo a promoção dos fundos de capital de risco como uma fonte robusta e fiável de investimento alternativo em Moçambique, mas não esgotam toda a análise necessária nem as soluções possíveis – nem assim o pretendem –, servindo apenas para jump start de uma discussão rumo ao desenvolvimento deste sector no País.
1 O relatório, publicado em Setembro de 2022 encontra-se disponível para consulta em https://www.avca-africa.org/media/3064/02080-avca-vc-mid-year-report-sept22-online_2.pdf