Novo paradigma, mas os problemas de sempre, mesmo com o gás já a ser extraído da bacia do Rovuma, nada do que foi pensado para suportar a retenção dos petrodólares no País é efectivo. A percepção do Governo e a do sector privado divergem e não há qualquer sinal de que a situação possa mudar nos próximos tempos
Desde que foram descobertas reservas de recursos naturais de dimensão mundial – carvão, gás, ouro, areias pesadas, pedras preciosas, recursos florestais, etc. –, assistiu-se a um investimento sem precedentes na busca pelas melhores práticas que pudessem permitir a transformação desse potencial em riqueza efectiva.
Com este propósito, de há dez anos a esta parte, intensificaram-se, à escala nacional, inúmeros eventos, desde seminários, conferências, simpósios, e uma movimentação de empresários que tentava criar bases para posicionar-se melhor.
O maior interesse era construir um modelo de exploração de recursos que evitasse os erros dos países mal-sucedidos e replicasse as boas políticas de Conteúdo Local. Mas, aos poucos, o temor de que os recursos naturais tragam frustração vai dando lugar a um preocupante vazio, e a uma cada vez menor coordenação sobre o rumo a tomar.
“Do que tem sido perceptível nos últimos desenvolvimentos, a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA, a mais importante organização empresarial do País) tenta buscar junto do Governo uma solução, mesmo antes que a lei de Conteúdo Local seja aprovada, para que as empresas nacionais assumam uma posição vantajosa enquanto fornecedoras de bens e serviços aos projectos de gás. Já houve várias tentativas junto dos operadores, como a Sasol, para procurar uma saída”, revela o presidente do Pelouro de Desenvolvimento e Capacidades Locais, Bercêncio Vilanculos. Contudo, “a CTA enfrenta grandes impasses, sendo que o principal é o facto de os concursos para a contratação de serviços por parte das grandes empresas serem anunciados, e até adjudicados, fora do País, resultando, por isso, na contratação de empresas estrangeiras que, mesmo operando em Moçambique, estão registadas fora. Nestes casos, o interesse nacional em termos de emprego e de crescimento económico não é representado”, lamenta o empresário.
“Estamos empenhados na certificação de empresas e na promoção de parcerias a par de iniciativas de treinamento sobre o Conteúdo Local”
Bercêncio Vilanculos analisa igualmente o resultado da demora na aprovação da lei de Conteúdo Local como sendo um factor que pode ocasionar “oportunismo” dos megaprojectos, por operarem num contexto de ausência de regras claras. Entende, entretanto, que “a lei poderia até levar muito tempo a sair, mas se se fizessem arranjos ao nível sectorial para proteger as empresas nacionais haveria avanços, o que não está a verificar-se”.
A certificação
O responsável lembra que, para preparar as empresas, a CTA está a desenvolver um programa de formação e certificação, tendo já seleccionado 25 unidades na primeira fase, com a previsão de que até ao fim do ano consiga certificar mais 15. Num processo gradual, a organização projecta certificar mais 50 empresas no próximo ano e 100 em 2024.
Os sectores em que as empresas moçambicanas se apresentam preparadas para atacar os grandes projectos incluem a logística; obras e empreitada; fornecimento de produtos de primeira necessidade; alimentação; e produtos acabados de madeira. “Já perdemos muito tempo à procura de nos posicionarmos para estarmos à frente nos projectos de gás, mas se acontecer qualquer mudança positiva a partir de hoje, seja a aprovação da lei ou outra estratégia que salvaguarde o interesse nacional, iremos a tempo de ganhar alguma coisa”, concluiu o responsável da CTA.
Governo quer empresas mais actuantes
Enquanto o sector privado se queixa dos procedimentos que competem ao sector público tomar, o Governo entende que o esforço feito pelas empresas está muito aquém do necessário. Por exemplo, há poucas parcerias entre empresas nacionais e a TotalEnergies por causa da falta de certificação das pequenas e médias empresas. Apenas 30% dos contratos são celebrados entre empresas moçambicanas e a multinacional. No campo de operações da francesa TotalEnergies, os contratos devem atingir 1,1 mil milhões de dólares, mas foram celebrados até ao momento cerca de 300 mil dólares. “Isso preocupa-nos muito, queremos que os moçambicanos possam efectivamente ganhar contratos e, neste momento, restaram 800 milhões de dólares. É muito! São muitas as dificuldades devido à ausência de certificação das empresas moçambicanas a vários níveis, como os sistemas de qualidade, gestão do ambiente e higiene e segurança”, referiu o coordenador do Conteúdo Local do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), Henrique Cossa.
“Estamos empenhados na certificação de empresas moçambicanas e na promoção de parcerias empresariais a par de iniciativas de treinamento sobre o Conteúdo Local, pois cremos que contribuirão para o estabelecimento de uma visão comum”, explicou Teodoro Vales, secretário permanente do MIREME.
Prevê-se que, com a ajuda do Estado, 50 empresas nacionais sejam certificadas ainda este ano. “Iremos aumentar a probabilidade de as empresas vencerem os concursos, por um lado. Por outro, estamos a promover parcerias com as empresas internacionais”, concluiu Henrique Cossa.
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R: