Apesar de a sua dimensão ser, actualmente, pouco representativa à escala global, da produção e consumo, a produção algodoeira tem vindo a demonstrar evidentes sinais de evolução ao longo dos últimos anos, embora se veja confrontada, ainda assim, por inúmeros factores adversos, o mais evidente de todos, o escalar da instabilidade provocada pelos ataques terroristas em Cabo Delgado, província com história na produção de algodão.
Nos últimos tempos, o cultivo do algodão tem sido uma actividade segura, devido à garantia do mercado e à melhoria permanente do preço de compra, o que estimula vários produtores moçambicanos a nele apostarem, mesmo apesar da ascensão de novas culturas de rendimento que disputam o mesmo espaço.
Ao Diário Económico (DE), o presidente da Associação Algodoeira de Moçambique (AMM), Francisco Ferreira dos Santos, olha, em perspectiva, para os desafios deste subsector no curto é médio prazos.
Em que ponto está a indústria algodoeira nacional, actualmente?
Está com um nível de organização cada vez melhor. Por um lado, verificamos que está mais alinhado com o Governo e parceiros, com óptimas perspectivas futuras na produção de um algodão de qualidade, óleos e mesmo biodiesel, e a contribuir para a regeneração dos ecossistemas, integrando outras culturas alimentares e de rendimento no seu sistema de produção.
Por outro, há uma situação que requer uma solução rápida. Temos uma das principais empresas algodoeiras a enfrentar uma crise, por diversos factores internos da mesma e alguns outros conjunturais, e isso tem um enorme impacto em milhares de produtores e nos números globais do subsector.
Quais é que são os grandes desafios que a indústria se depara hoje em dia em Moçambique?
Neste momento, o principal desafio passa por encontrar uma solução para a situação em Cabo Delgado, que é uma região algodoeira histórica, e onde o algodão é a principal fonte de sustento para dezenas de milhares de famílias. Tirando isso, o subsector tem um programa em curso e deve manter-se consistente no seu rumo de evolução por forma a alcançar o sucesso desejado.
Como presidente da Associação Algodoeira de Moçambique, qual é a estratégia que está a ser seguida para maximizar a produção de algodão no País e, por outro lado, minimizar os desafios de que falava?
A estratégia da AAM está enquadrada na agenda global e nos objectivos de desenvolvimento das Nações Unidas. Essa estratégia assenta em três principais pilares: o primeiro é implementar sistemas de produção integrados, capazes de regenerar os ecossistemas e de contribuir para o sequestro do carbono atmosférico, estando neste momento em estudo a produção orgânica. Depois, o segundo, passa também por implementar tecnologia para garantir total rastreabilidade do produto, até à machamba do produtor. Por fim, o terceiro e último pilar assenta em garantir a utilização total dos subprodutos, em particular óleos, bagaços e sabões, incluindo ainda a produção de biodiesel, em alinhamento com o programa do Governo.
Como é que Associação olha para a nova tarifa de comercialização de algodão fixada recentemente pelo Governo?
O preço do algodão-caroço para o produtor segue o estabelecido no mercado internacional e a taxa de câmbio. Esta campanha, de 2021/22, contou com um preço extraordinário, tendo o algodão sido uma das culturas com preço mais alto e mais rentáveis do meio rural. Ademais, sendo uma cultura resistente à seca, foi menos fustigada que outras culturas pelo regime atípico de chuvas desta campanha, o que foi fundamental para garantir um rendimento mínimo para milhares de famílias produtoras.
Como é que o algodão moçambicano está posicionado, termos da sua competitividade nos mercados internacionais desta commoditie?
Um dos principais desafios de Moçambique é ter de competir num mercado em desigualdade de circunstâncias. Dados oficiais dos órgãos da tutela, nomeadamente do Comité Consultivo Internacional do Algodão (ICAC) mostram que cerca de 70% do algodão produzido globalmente beneficia de apoios ou subsídios aos seus produtores. Isto promove a produção global, leva ao aumento da oferta e conduz à redução dos preços internacionais, afectando assim os países que não tenham a mesma capacidade de intervir na cadeia de valor.
“Um dos principais desafios de Moçambique é ter de competir num mercado global em desigualdade de circunstâncias, onde muitos dos produtores recebem subsídios e apoios. Moçambique produz menos de 1% do algodão global. Por isso, acreditamos que a aposta deve passar cada vez mais pela qualidade e em continuar a trabalhar em mecanismos que permitam gerir e compensar a distorção dos mercados provocada pelas principais economias mundiais produtoras de algodão”
Francisco Ferreira dos Santos
Esses países incluem todos os principais produtores, sem excepção, incluindo a China, os EUA e a Índia. Por exemplo, neste último, um país de base produtiva semelhante à de Moçambique, o algodão beneficia de um forte apoio ao produtor sendo, por isso, uma das culturas mais rentáveis para o agricultor familiar indiano. Também a África Oeste tem vindo a implementar políticas semelhantes, com um impacto extraordinário.
Estes apoios não surgem por filantropia. Surgem apenas porque se justificam, e porque essas economias conseguem recuperar esse investimento no impacto social, na estabilização demográfica e no valor gerado ao longo da cadeia de valor.
Por exemplo, segundo a mesma fonte, em 2019/2020, só os Estados Unidos da América (EUA) disponibilizaram quase 2 mil milhões de dólares de apoio directo ao produtor de algodão. Os EUA não têm sequer indústria têxtil relevante, pelo que imaginamos que esse retorno seja recuperado na indústria da semente, óleos e bagaços, fundamental para a produção animal e alimentação humana.
Moçambique produz menos de 1% do algodão global. Deve apostar, cada vez mais, na nossa opinião, em produzir um produto de qualidade. Para além disso, tem de continuar a trabalhar em mecanismos que permitam gerir e compensar a distorção dos mercados provocada pelas principais economias mundiais produtoras de algodão.
Nos últimos anos, fala-se de algum défice ao nível da indústria algodoeira, nomeadamente ao nível das unidades de processamento a nível nacional. Isso é um problema real ou a capacidade de transformação instalada é suficiente?
Não é uma questão actual essa. Neste momento, Moçambique tem capacidade industrial suficiente e adaptada, capaz de responder ao programa de crescimento desejado pelo subsector.
Texto: Hermenegildo Langa • Fotos: Mariano Silva