Inventar, reinventar, transformar, investir, arriscar… e sair da zona de conforto. Eis alguns dos verbos e expressões mais comuns quando se fala em empreendedorismo, imperativos para todo o empreendedor, de qualquer que seja a área. Neste texto em particular, “reinventar” talvez seja, entre todas, a expressão de eleição, a avaliar por tudo o que a própria história inspira.
Frederico Carvalho, português apaixonado por Moçambique de 42 anos, com formação na área de mecânica, chegou ao país em 2013 longe de imaginar que, um dia, seria empresário na área do agro-negócio, e especialmente, na criação de gado, influenciado por um amigo que trabalhava como engenheiro agrónomo para uma empresa do ramo agro-pecuário – a Beira Boi, criada em 2008, e instalada na cidade da Beira, no distrito de Nhamatanda, que opera na criação de bovinos de corte.
Como todas as empresas, está sujeita a riscos e, em 2020, a Beira Boi enfrentou uma crise de gestão e teve as estruturas danificadas durante a passagem da época ciclónica que fustigou severamente a região centro. Essa situação levou a que os antigos proprietários optassem por vender o empreendimento.
Como tantas vezes, foi na crise que se abriu a oportunidade para Frederico Carvalho entrar como sócio da empresa. Mas a “bolada” que lhe caiu do céu por mero acaso viria a tornar-se, nos primeiros momentos, numa herança, digamos, ‘maldita’.
Frederico teve de lidar, entre outros aspectos, com problemas legais, precisou de refazer as cercas da fazenda, reabilitar os edifícios destruídos e investir. E investir. E investir. A repetição não é casual. “Neste negócio essa foi a minha primeira aprendizagem: é preciso investir muito e ter paciência para garantir qualidade”, repete. “E só vale a pena se for para ser assim”, reitera.
“Investi todas as poupanças que fiz desde os 19 anos, e ainda tive o grande apoio da minha esposa e amigos, está tudo nesta empresa, mas nunca pensei em recuar apesar de todas as dificuldades”, conta, impelido pelo sonho e alimentado pela persistência. Desde então, conseguiu abrir um novo capítulo de sucesso à empresa.
“Sempre fui audaz, mas confesso que desta vez me superei. No entanto, nunca pensei em recuar apesar das dificuldades. Acho que o sonho vale a pena”
Hoje, a Beira Boi conta com uma manada de mais de mais de 1300 cabeças, com infra-estruturas de gestão melhoradas e, mais importante do que tudo, com boas projecções sobre o futuro do negócio.
Até ao final do ano, a empresa espera ter 1700 animais e projecta que, nos próximos anos, venha a ser o maior fornecedor de carne bovina da província de Sofala e de toda a zona Centro. “Moçambique tem um potencial enorme a este nível, uma população a crescer e, no limite, muitos mercados para absorverem a exportação, temos tudo o que precisamos no país para desenvolver a agro-pecuária”, diz. Actualmente, fornece uma média mensal de 25 cabeças para os supermercados da cidade da Beira que é, até agora, a única região que cobre.
“A genética é o ponto fulcral do negócio, e para isso tivemos de investir fortemente na saúde dos animais, na alimentação que agora aumentou devido aos custos da ração, mas com resultados que estão à vista, nomeadamente ao nível da taxa de prenhez de 86% e de uma baixa taxa de mortalidade”, assinala.
O único produto comercializado pela empresa, até agora, é gado de corte. No entanto, prevê vender também gado reprodutor, estando, por isso, a investir na aquisição de raças melhoradas de animais e em melhoramentos genéticos (por via do cruzamento de animais) para acrescentar qualidade à produção.
Depois, além de aumentar o número de animais, a Beira Boi está a trabalhar num projecto inovador, que irá evitar a propagação de doenças na manada, reduzir os custos veterinários e beneficiar outros criadores — um centro de serviços para gado, um lugar que servirá para análise da saúde dos animais, diagnóstico e tratamento de doenças, antes que sejam integrados na manada ou no terreno onde ficam, evitando o risco de propagação para outros animais.
Frederico Carvalho considera ainda “fundamental” o trabalho social que a empresa já desenvolve com as comunidades que estão na propriedade e que a Beira Boi continuará a apoiar, já a partir do início do ano escolar, através da doação de uma merenda escolar e de leite para os alunos das escolas comunitárias, sendo que irá continuar também a empregar quase exclusivamente pessoas da região.
Quem seria capaz de adivinhar que quem “veio para ser só mecânico” acabaria por se tornar num promissor e, esperamos, cada vez mais bem-sucedido produtor de ‘Nhama’ – que em tsonga, significa carne?
Texto: Filomena Bande
Fotografia: D.R.