O académico e jurista sul-africano André Thomashausen considerou esta terça-feira, 29 de Novembro, “kafkiano” o mais recente processo do Ministério Público moçambicano contra o ex-ministro das Finanças Manuel Chang, preso há quatro anos na África do Sul, a pedido dos Estados Unidos.
“É kafkiano e inconcebível, não se percebe essa alegada corrupção com a [construtora brasileira] Odebrecht, não tem nada que ver com a dívida oculta, é um assunto distinto. É possível que tenha havido alguns favores, é mais um processo, mas insignificante no contexto do processo das dívidas ocultas que tem um montante enorme de dois mil milhões de euros desaparecidos e não contabilizados e, por instrução do então ministro das Finanças Manuel Chang, pagos pelos bancos, que tinham feito o empréstimo a uma conta privada dos Emirados Árabes Unidos, em Abu Dhabi, pertencente a uma empresa privada. Um volume enorme de empréstimo contratado pelo Estado de Moçambique que depois é pago a uma conta bancária privada”, resumiu Thomashausen em declarações à Lusa.
A recente acusação faz parte de um segundo processo-crime por corrupção que Manuel Chang enfrenta em Moçambique, e está relacionada com alegados pagamentos indevidos efectuados pela construtora brasileira Odebrecht ao antigo ministro das Finanças e a outros três arguidos, incluindo o antigo ministro dos Transportes e Comunicações Paulo Zucula, segundo um comunicado do Ministério Público moçambicano, a que a Lusa teve acesso.
“Nestes termos, finda a instrução, em 31 de Agosto de 2022, sob a forma de processo comum, Manuel Chang foi acusado dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito, participação económica em negócio, abuso de cargo ou função e branqueamento de capitais”, refere-se na nota do Ministério Público moçambicano.
A nota, divulgada pelo Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), não precisa os valores em causa na investigação.
Manuel Chang é alvo de dois pedidos concorrenciais de extradição – dos Estados Unidos da América (EUA) e de Moçambique -, e encontra-se detido na África do Sul desde Dezembro de 2018, no âmbito de um mandado de captura norte-americano.
A extradição para os Estados Unidos de Manuel Chang, ordenada por um tribunal sul-africano em Novembro de 2021, continua a não ser “executável” enquanto correr um pedido para recurso do Governo de Moçambique na justiça sul-africana, considerou também hoje o jurista sul-africano à Lusa.
Na óptica do catedrático jubilado da Universidade da África do Sul (UNISA), a recente imputação do Ministério Público moçambicano contra Manuel Chang não influenciará o processo de extradição do antigo governante para os EUA.
“Estamos no fim da corrida, é a última petição que ainda podem fazer, este recurso ao Supremo Tribunal para que seja permitido um recurso contra o julgamento do Tribunal de Gauteng, que ordenou a sua extradição para os EUA”, sublinhou André Thomashausen, que é especialista em direito internacional e comparado.
Em Novembro do ano passado, o Governo moçambicano requereu ao Supremo Tribunal de Recurso (SCA) da África do Sul, em Bloemfontein, centro do país, autorização para recorrer da decisão do Tribunal Superior de Gauteng, e simultaneamente submeteu um pedido de acesso directo ao Tribunal Constitucional, em Pretória, que, no seu entender “está em melhor posição para a reapreciação da decisão” do tribunal regional de Gauteng.
Todavia, em Junho deste ano, o Tribunal Constitucional da África do Sul rejeitou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique para recorrer da extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para os EUA. O SCA ainda não se pronunciou.
O antigo governante moçambicano, detido na África do Sul desde Dezembro de 2018 a pedido dos EUA, está alegadamente envolvido no caso das dívidas ocultas, de mais de 2,2 mil milhões de dólares, contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimento Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.