Moçambique comprometeu-se a atingir a sétima meta dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que propõe o acesso universal à energia até 2030. Porém, esta tarefa não tem sido fácil tendo em conta a enorme extensão geográfica de difícil acesso que ainda não beneficiou de energia eléctrica, motivo pelo qual a empresa Electricidade de Moçambique (EDM) ainda se desdobra para fazer chegar este serviço nesses pontos.
O País empreendeu esforços significativos nos últimos anos para a electrificação. Os dados sobre o sector energético, constantes do portal energypedia.com, ilustram esta evolução, indicando que a taxa de electrificação aumentou de 5%, em 2001, para 24%, em 2017, e para 29%, em 2019, sendo que actualmente ronda os 44%. E, mesmo assim, o acesso à electricidade permanece baixo, concentrando-se principalmente nas áreas urbanas. Em 2019, 72% da população urbana tinha acesso à electricidade por comparação a 5% da população rural.
Este desequilíbrio representa um importante desafio para alcançar a electrificação do País até 2030, considerando que a grande maioria da população de Moçambique – 63% em 2019 – vive nas zonas rurais.
O Governo percebeu que, por si só, não vai conseguir electrificar todo o País até 2030. Por isso, desenhou estratégias para atingir a sua meta, procurando explorar outras fontes de energia, e integrando o sector privado na disponibilização da mesma.
Foi, por este prisma, que Maputo foi palco de debates, na semana passada, quando acolheu a Primeira Conferência Regional sobre o Quadro Regulatório para o Sector de Energia Fora da Rede.
No âmbito desta conferência, o Fundo Nacional de Energia e a Autoridade Reguladora de Energia (FUNAE) decidiu levar, na passada terça-feira, 22 de Novembro, os participantes (especialmente internacionais) a conhecer a Central Fotovoltaica do Posto Administrativo de Calanga, no distrito de Manhiça, uma mini-rede que abastece as comunidades ao redor.
“Esta é a Central Fotovoltaica de Calanga. Nominalmente, temos 60 quilowatts, mas a geração é de 67 quilowatts. Esta central está num terreno com cerca de 1ha e está vedada porque deve garantir segurança”, começou por explicar o técnico do FUNAE, João de Lima, para depois dizer que “o edifício tem uma parte administrativa, e outra parte tem baterias, acumuladores e um gerador, onde durante o dia são carregadas, e durante a noite electrifica as casas. Para casos em que ficarmos três dias sucessivos sem irradiação ou luz solar, a central tem capacidade de fornecer energia durante esse período”.
Continuando a sua explicação, João de Lima referiu que “nós temos um gerador para carregar as baterias e, nalguns casos, alimentar a rede. Esta central tem conversores da SMA (medidor de energia que determina os valores de medição eléctrica de forma precisa para cada condutor de fase e na forma de valores estabelecidos, e os comunica via ethernet numa rede local), e um sistema de monitoria remoto. Só que o gestor de dados está com problemas, pois não está a dar sinal”. Ainda assim, destacou: “esta central fotovoltaica está operacional há já um ano e meio. É fiável, moderna e cobre cerca de seis quilómetros, possui 274 painéis com 250 watts e beneficia, por enquanto, 101 clientes. Para a construção desta central, foi feito um investimento de 96 milhões de meticais vindos do Orçamento do Estado.”
“A justificação para se instalar esta mini-rede tem que ver com o facto de a rede nacional estar a 30 quilómetros e, se na estratégia de electrificação nacional as zonas recônditas não estiverem incluídas para beneficiarem da rede nacional dentro de cinco anos, decide-se instalar a mini-rede”, precisou João de Lima.
Mas o que acontece quando a rede nacional chegar? “O padrão desta mini-rede é de rede nacional. Quando esta chegar, será uma questão de fazer a interligação”, responde João de Lima, prometendo que “o FUNAE vai fazer instalar mais 25 mini-redes nos próximos anos”.
Quanto ao envolvimento do sector privado na distribuição de energia, o representante da Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), Carlos Xerinda, que também integrava a comitiva que visitava a central, considerou que “o envolvimento do sector privado na distribuição de energia vai ajudar muito, porque o Governo sozinho não pode garantir a todas as pessoas o acesso à energia. Logo, será importante o sector privado vir a apoiar” disse.
Carlos Xerinda justificou a sua posição pelo facto de o sector privado ter mais acesso a fundos (o que é uma vantagem), além de que “a legislação que estamos a aprovar incentiva o investimento nesse sector, porque tem algumas garantias, como o regulamento que trata as questões de dimensão, as taxas, como serão feitas as indemnizações e a integração das mini-redes”.
Sobre a questão das tarifas, Carlos Xerinda esclareceu que “não há motivos para preocupações, pois a ARENE é a entidade que aprova os preços. Por isso, vamos garantir que os mesmos sejam acessíveis e transparentes, ninguém irá vender energia a qualquer preço, a energia é regulada. O sector privado não terá como praticar um preço superior àquele estipulado pela ARENE”, concluiu.
Mas não é apenas de energia que a comunidade do posto administrativo de Calanga beneficia, pois, segundo João de Lima, “em centrais como esta, temos feito furos de água, e uma vez que a água é muita, temo-la fornecido à população. Prevê-se, ainda assim, a construção de um centro para a sua distribuição”.
Melhoria dos serviços sociais
Há muito que o posto administrativo de Calanga andava às escuras, até que a Central Fotovoltaica foi instalada, trazendo consigo energia eléctrica para a comunidade, que passou a ter serviços sociais melhorados.
“Antes de a energia chegar aqui ao Posto Administrativo de Calangue, tínhamos dificuldades para exercer as nossas funções, principalmente durante a noite. O serviço de parto era o mais crítico, porque tínhamos de usar lanternas e velas para tal. Hoje, tendo já energia eléctrica, as coisas mudaram, conseguimos realizar os partos com condições e já não nos sentimos intimidados quando nos fazemos ao caminho do hospital durante a noite”, contou a enfermeira Cátia Mondlane.
O Fundo de Energia de Moçambique (FUNAE) é a instituição pública responsável pela electrificação rural fora da rede (off-grid) com especial foco na energia renovável.
Dados do Banco Mundial (2015) indicam que, com o apoio monetário da Eletricidade de Moçambique, o FUNAE electrificou 580 escolas, 74 postos administrativos e 561 centros de saúde em 260 vilas em Março de 2019.
Em Maio de 2021, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Sustentável (USAID) aprovou um fundo para electrificar 92 instalações sanitárias na província de Sofala.
Há muitas iniciativas em Moçambique que trabalham para o acesso à energia para residências, que utilizam soluções fora da rede (mini-redes e sistemas solares domésticos) ou para melhorar a rede eléctrica.