Moçambique entrou, no passado dia 13 de Novembro, no mapa mundial dos países produtores e exportadores de gás natural com o anúncio do arranque da primeira exportação de gás natural liquefeito da bacia do Rovuma. É uma boa nova que o Governo e o sector privado entendem que abre espaço para fomentar o desenvolvimento económico do País através da captação dos impostos fiscais numa primeira fase.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também olha para este anúncio como uma nova etapa que poderá significar muito para a economia nacional. No entanto, alerta para certas cautelas que o Governo moçambicano deve observar para que estes recursos tenham, efectivamente, um impacto significativo para o País.
Em exclusivo ao DE, o representante do FMI em Moçambique, Alexis Meyer-Cirkel, lança um olhar sobre o início da exportação do gás natural no projecto Coral Sul liderado pela petrolífera italiana Eni.
Marcada pelo início da exportação do gás, o que deve esta nova etapa representar para as aspirações do desenvolvimento socioeconómico?
As grandes reservas de gás de Moçambique oferecem uma tremenda oportunidade, assim como alguns riscos. As oportunidades surgem porque o gás representa algo como uma “poupança” que permite gastos adicionais por algum tempo.
O desafio assenta neste ponto: como é que Moçambique converte essa poupança em riqueza nacional, que beneficie todos? Para isso, será necessário pensar como nação sobre as prioridades para a promoção do desenvolvimento socioeconómico e inclusivo.
“É um bom momento para o País definir as prioridades que o governo deve ter e como quer chegar lá”
Das várias prioridades, a educação de qualidade, melhores infra-estruturas de saúde, melhores estradas, [rede de] saneamento e redes de segurança poderiam estar no topo da lista pela capacidade de promover um desenvolvimento sustentável e inclusivo a longo prazo. Concomitantemente, é preciso trabalhar no fortalecimento da gestão desses recursos de gás.
O Fundo Soberano será apenas uma componente, dentro de um arcabouço fiscal mais abrangente que precisa de ser desenhado para lidar com os recursos naturais. Em resumo, é um bom momento para o País definir as prioridades que o Governo deve ter e como quer chegar lá.
Que impacto esperar no curto e no médio prazo?
Esta é uma questão importante, de facto. Para muitos moçambicanos, parece ter havido uma percepção errada da rapidez com que essas reservas de gás se traduziriam em melhores condições de vida.
Tomemos como exemplo o FLNG, que acaba de iniciar a sua produção. É importante lembrar aqui que esse foi um investimento caro, que precisa de ser reembolsado, e só aos poucos vai contribuir para as receitas do Estado. Mas, por outro lado, o impacto na balança de pagamentos e no Produto Interno Bruto (PIB) em geral será sentido imediatamente.
A economia moçambicana ganhará importância relativa e peso internacional, o que por si só é importante, e criará um novo sector dinâmico para o País, ainda que o impacto directo nas receitas do Estado seja marginal nos próximos anos.
A médio prazo, especialmente quando os campos de gás da Área 1 começarem a produzir, o impacto no crescimento será maior, mas também o será nas receitas do Estado, que aumentarão, e poderá ainda (tendo em conta algumas projecções) incrementar receitas adicionais de 30% a 50% no final da década.
Quais são os cuidados que devem ser tomados em consideração ao nível da governança para que as receitas do gás sirvam os objectivos de desenvolvimento?
Mais uma vez, uma questão muito importante. Existem dois ângulos principais a focar aqui: i) desenhar os objectivos de desenvolvimento socioeconómico a curto e longo prazo, e ii) ajustar a configuração institucional existente em torno da orçamentação e gestão das finanças públicas, por forma a permitir que esses recursos adicionais fluam dentro do processo normal de orçamento e despesas com toda a transparência. Isto tendo em conta os potenciais impactos negativos dos grandes fluxos na capacidade de absorção da economia, por exemplo, que poderia levar ao uso ineficiente dos recursos e a potenciais pressões de apreciação da taxa de câmbio, impactando noutros sectores de exportação como a indústria transformadora (problema da doença holandesa).
Que desafios se impõem, de uma maneira geral?
Os principais desafios surgiriam se o quadro fiscal do País não fosse ajustado adequadamente para lidar com o fluxo de recursos. Ou seja, é necessário um plano claro de gastos, e uma integração adequada dos fundos no processo orçamental normal, inclusive uma incorporação na Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE), nos planos quinquenais e nos planos anuais como o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE).
Finalmente, o plano de gastos deve ser orientado no sentido de permitir que os benefícios sejam compartilhados pela sociedade de forma mais ampla, incluindo a população local na origem dos recursos e os jovens. Se o crescimento não for inclusivo, o custo do descontentamento social será, provavelmente, alto.
Texto: Hermenegildo Langa • fotos: Mariano Silva