Claro que há modas que vêm por bem e resistem e outras que não sobrevivem ao tempo, até se tornarem clássicos e ganharem um lugar especial nas preferências de quem primeiro as seguiu e depois as deixou ficar como parte da sua vida e personalidade. Esta lógica serve para o bigode e para o fraque, para as patilhas largas e para muitas curtas canções pop. E, claro, para os restaurantes.
Em Maputo, o fenómeno repete-se de forma natural. Especialmente num meio em que muitas tendências são feitas tendo por base essa fenomenal e pouco tecnológica ferramenta de marketing, inventada antes de todas as modernas técnicas de comunicação — o ‘boca a boca’.
Como falamos de gastronomia, e mesmo sendo uma definição pouco técnica, deixemos o conceito ficar assim, sobre a mesa. O Desfrute, restaurante situado na Rua da Argélia, bem acomodado no centro de Maputo, é o exemplo perfeito de toda esta introdução. Porque abriu portas em plena pandemia, navegou pelas águas turbulentas dos confinamentos parciais, dos horários reduzidos, das mesas separadas e das máscaras colocadas ainda com as mãos húmidas de álcool gel. E resistiu a esta descrição mais hospitalar que hoteleira, sem deixar incomodar os sentidos de quem então o descobriu e lhe fez jus ao nome, desfrutando-o. E por ali continuou.
Surge convidativo, não deixando de ser desafiador, o seu nome de baptismo. Mas é, agora que a pandemia não mais é do que memória, totalmente adequado ao tempo em que nasceu, fazendo lembrar o que se ameaçava durante esse tempo inodoro, incolor e sem sabor.
Porque a comida é para isso que serve, mais do que alimentar ou sobreviver. É para desfrutar e viver, elevando-se, por isso, à condição de lugar agregador, de amigos, relações, famílias, negócios e sentidos. Na ementa, o Desfrute tem na gastronomia madeirense a sua base. Mas não se fica pela ilha Atlântica portuguesa, de onde António é proveniente. Ele e a sua companheira de vida e aventuras gastronómicas, e que o acompanha nas lides da restauração, em Maputo, há já algum tempo. Fundaram a Tasca, na Julius Nyerere, mudaram-se para o Maria Calhau, na zona financeira da Baixa de Maputo, e desaguaram por ali. “É o sítio certo no momento certo”.
Se a comida deve servir para viver e desfrutar… o Desfrute é o lugar agregador de tudo isso. Amigos,relações, famílias, negócios e sentidos.
O berço e a família saboreiam-se na ementa, em elementos simples, como o bolo do caco (feito com base numa receita portuguesa, de Porto Santo), um pão de frigideira feito com batata-doce e farinha de trigo, ligeiramente salgado, com uma massa leve e casca fina, a espetada madeirense temperada com louro, o milho frito, e tudo acompanhado pela ligeiramente furtiva, pelo teor de álcool embebido e disfarçado no doce do mel, poncha madeirense.
Mas o Desfrute navega bem para lá das receitas portuguesas e das carnes de excelência, casos da picanha, que aconselhamos vivamente, do frango assado que é, porventura, dos melhores de Maputo, ou do cabrito assado, prato do dia dos domingos.
E ali as entradas são ‘obrigatórias’, se o objectivo do convívio for degustar, com a sugestão dos rabinhos de lagostim com molho de iogurte ou o escabeche de atum.
Se o seu apetite o/a levar mais para os peixes e mariscos, a garoupa assada ou o arroz de marisco são escolhas que não deverá querer ver passar para uma mesa que não a sua. Tal como as pataniscas de bacalhau, prato do dia das terças-feiras.
E nas sobremesas, aceite a sugestão do fondant de chocolate ladeado de gelado de frutos vermelhos. Peça-o assim. Não vem na lista, mas é um upgrade à oferta inicial.
Os pratos bem confeccionados e com boa apresentação, serviço competente, os preços são adequados à experiência, envolvida numa atmosfera convidativa onde até a música é bem seleccionada, num local que, sim, é verdade, está na moda, mas que se encaminha, prato a prato, para se tornar um clássico e por aí permanecer. E por falar em música, chame o António – ele estará lá para o acompanhar com um sorriso.
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva