Vem este artigo a propósito de uma intervenção que fiz sobre o tema “Empreendedorismo Industrial inovador em África” (1), e da qual extraí as seguintes conclusões:
- 88% da população da África Subsaariana considera a falta de oportunidades de emprego como a segunda questão mais crítica e inibidora de um crescimento inclusivo e capaz de proporcionar meios de subsistência decentes (2);
- Em consequência, ser empreendedor@ na economia informal (3) surge como uma válvula de escape para aliviar a pobreza;
- O que, embora não seja uma má solução (4), não contribui para o desenvolvimento económico dos respectivos países;
- Neste contexto, países como a Nigéria e a Zâmbia possuem as mais altas taxas de empreendedorismo do mundo: 39% da população activa gere um negócio com menos de três anos;
- E, surpreendentemente, 40% dos empreendedores africanos (em contraste com os empreendedores asiáticos, apenas 3%) providencia apoio financeiro ao seu círculo familiar, mesmo sabendo que tal apoio prejudica gravemente a saúde financeira dos seus negócios.
Em África, o peso da economia informal origina o empreendedor-necessidade como uma válvula de escape para aliviar a pobreza, sem que este contribua para o desenvolvimento dos países
É neste ambiente que vive o Empreendedor-necessidade. Neste artigo, convido o meu leitor@ a responder à seguinte questão: Podemos falar numa categoria distinta de empreendedor: o AfroEmpreendedor@?
Vejamos sucessivamente:
- O conceito de empreendedor;
- Existem atributos distintivos do empreendedor africano?;
- Conclusão.
1. O conceito de empreendedor
Na linha de Schumpeter (5), partilho a opinião que estaremos perante empreendedores (v.g. industriais, comerciais, sociais, artísticos) sempre e quando:
a) Pessoas físicas singulares (i.e., excluem-se do conceito as organizações),
b) Que fazendo parte e sendo estimuladas social e culturalmente por um ecossistema empreendedor (i.e., existe uma vontade de interagir e estabelecer parcerias com diversos stakeholders: Governo; Grandes Empresas; PME; Universidades e Centros de Ciência e Tecnologia; e Instituições Financeiras),
c) Apostam no reforço contínuo das suas competências (i.e., existe uma vontade de investir no desenvolvimento do seu talento),
d) [Competências] que permitem avaliar a envolvente externa, no sentido de detectar oportunidades e/ou problemas (i.e., existe uma vontade permanente de procura e descoberta),
e) [Oportunidades e problemas] que estão próximos de si (i.e., existe uma vontade de ligação empática a uma clientela, causa, comunidade, região ou território).
f) Quando tais pessoas assumem a responsabilidade (i.e., existe uma vontade, um propósito),
g) De desenvolver e entregar soluções inovadoras (i.e., existe uma vontade de aplicar a criatividade e processos estruturados para gerar valor),
h) Mobilizando com dificuldade, por sua conta e risco, recursos (i.e., existe uma vontade de tomar o risco de forma controlada e de extrair o máximo de utilidades dos activos),
i) [Soluções] essas que apresentam potencial de geração de rendimento e benefícios (i.e., existe uma vontade de gerar valor, impacto e de “fazer a diferença”),
j) [Valor] que é parcialmente poupado para ser reinvestido na expansão sustentável (6) do negócio (i.e., existe uma ideia de cuidar do futuro, de “deixar obra” feita, uma vontade de desenvolvimento e de foco no negócio).
É neste contexto que podemos encontrar o Empreendedor-escala (7), um role-model celebrado pelos media, que desperta a imaginação e inspira as novas gerações de candidatos a empreendedores.
2. Existem atributos distintivos do empreendedor africano?
Sim. E lancemos mão de algumas das lentes que utilizámos a propósito do conceito de empreendedor para referi-las.
Dimensão 1: São pessoas físicas, mas com peso muito acentuado da família alargada
Na ausência de uma rede de segurança social, os empreendedores africanos desenvolveram uma cultura de “ajuda mútua forçada”, onde aqueles com mais recursos têm a obrigação social – estima-se em 9% esta espécie de imposto de sangue – de partilhar os seus recursos com os seus familiares carenciados e família alargada.
Estudos (5) revelam que entre 8% a 12% dos africanos activos se auto-exclui da via do empreendedorismo em virtude desta pressão social redistributiva.
Dimensão 2: Não fazem parte e não são estimulados social e culturalmente por um ecossistema empreendedor
O empreendedorismo, particularmente na África Subsaariana, por questões culturais, tem sido considerado negativamente, com a maioria das pessoas a acreditar que é preciso ser corrupto para ser um empreendedor de sucesso. Contudo, a forma moderna de empreendedorismo parece estar a desenvolver uma reputação independente e a ganhar aceitação pública. O apoio público a traços empresariais críticos, como a assumpção de riscos, a criatividade, a inovação e a iniciativa individual, parecem estar a crescer constantemente (8).
O primeiro país africano num dos mais importantes rankings globais de ecossistemas de empreendedorismo, o Startup Blink Report 20209, surge na posição 52/100 – a África do Sul. O Quénia surge na posição 62/100, o Ruanda na posição 65/100 e a Nigéria na posição 68/100.
E em relação ao relatório anterior, de 2019, tais países pioraram as suas posições relativas no citado ranking: a África do Sul, -1, o Quénia, -10, o Ruanda, 1 e a Nigéria, -12.
Dimensão 3: Copiam, Imitam & Adaptam, ao invés de desenvolver e entregar soluções inovadoras.
Para a maioria dos empreendedores africanos, a inovação não se baseia na pesquisa, invenção ou co-criação. O empreendedor/a apropria-se dos processos de produção, distribuição, marketing ou organizacionais novos, ou significativamente melhorados, através da cópia, da imitação e da adaptação (10).
Em conclusão
Em África, o peso da economia informal origina o empreendedor-necessidade como uma válvula de escape para aliviar a pobreza, sem que este contribua para o desenvolvimento dos países.
Aplicando as dez lentes de análise usadas neste artigo, é possível constatar que em muitos países africanos a matriz de empreendedor-necessidade já não responde, convivendo com a de empreendedor-escala, mas com três excepções. Efectivamente, o enorme peso cultural da família alargada e do sistema de “ajuda mútua forçada”, a par da inexistência de ecossistemas empreendedores vibrantes, culminado em práticas de pré-inovação baseadas na cópia, imitação e adaptação, afastam, por agora, o continente africano da matriz empreendedor-escala.
Mas tais excepções, a par de outras características, tais como i) a ausência de processos de planeamento formal; ii) o peso do curto prazo na tomada das decisões; iii) a dispersão de recursos e tempo em vários negócios em simultâneo; iv) o não reinvestimento dos resultados na expansão sustentável do negócio; v) o enorme peso do financiamento por via dos doadores; vi) as expectativas pouco realistas sobre a rentabilidade do negócio justificam a criação de uma categoria à parte: a do AfroEmpreendedor@.
(1) Workshop “Empreendedorismo e Contratação Industrial Inovadora”, realizado no passado dia 22 de Setembro, fruto de uma parceria entre o Programa +Emprego, a plataforma MIT – Moz Industry Talks (Jason Moçambique, Isctem e Media4Development).
(2) BHERRINGTON, Mike et all, “The national entrepreneurship framework conditions in sub-Saharan Africa: a comparative study of GEM data/National Expert Surveys for South Africa, Angola, Mozambique and Madagascar”, Journal of Global Entrepreneurship Research, https://doi.org/10.1186/s40497-019-0183-1.
(3) Sobre o tema da economia informal cfr. GOMES, João “Informal é Normal”, Revista Economia & Mercado, Setembro de 2021.
(4) Idem, para uma análise do contributo da Economia Informal para o PIB e Emprego na região da SADEC.
(5) KUADA, John, em “Entrepreneurship in Africa – a classificatory framework and a research agenda”, African Journal of Economic and Management Studies, em http://dx.doi.org/10.1108/AJEMS-10-2014-0076
(6) “SDG’s – Sustainable Development Goals”, em https://sdgs.un.org/goals
(7) Crescimento versus Escala: Crescimento significa adicionar receita ao mesmo ritmo que está a adicionar recursos. Escala significa adicionar receitas a uma taxa muito maior do que o custo.
(8) MOLAMU, Keitumetse, “African Entrepreneurship Ecosystems: A Comparative Study of The Top Five”.
(9) Startup Blink (https://www.startupblink.com/)
(10) GOMES, João “ Copiar, Imitar & Adaptar: Inovação na Economia Informal”, Revista Economia & Mercado, Outubro 2021, https://tinyurl.com/y7rxjb2e