Casta tinta – como o nome indica, por contraposição a todas as outras, brancas – da ilha da Madeira (Portugal), o Tinta Negra teve um percurso de vida atribulado, eivado de mal-entendidos e subvalorizado. Só mais recentemente as dúvidas quanto à sua origem e sinonímias foram esclarecidas.
Hoje, sabe-se que o Tinta Negra não é a mesma variedade que a casta Negra Mole, dominante no Algarve, em Portugal. É, sim, a casta Molar, da região de Colares, que terá sido levada para o Porto Santo no XVIII. Introduzida nos solos arenosos e ricos da ilha dourada, transformou-se na ‘menina dos olhos’ dos agricultores pelos elevados rendimentos por cepa.
E, já que falamos em sinonímia e arquipélagos, é a mesma variedade que a Saborinho dos Açores, que está a receber redobrada atenção nos vinhos do arquipélago.
Durante muitos anos remetida ao papel de actor secundário num palco recheado de estrelas, o Tinta Negra era conotado com volume. E não por acaso, pois representa 85% do encepamento dos cerca de 400 hectares de vinhas da Madeira e a esmagadora maioria das cerca de 4000 toneladas de uvas produzidas em 2021. Com efeito, a sua produção elevadíssima – pode chegar a 30 toneladas por hectare – reflecte o carácter da casta. A capacidade de resistência a pragas e doenças, como o oídio e a filoxera, no século XIX valeu a admiração dos agricultores.
Durante muitos anos remetida ao papel de actor secundário num palco recheado de estrelas, o Tinta Negra era conotado com volume. E não por acaso: representa 85% do encepamento dos cerca de 400 hectares de vinhas
A elevada produtividade tem como reverso as dificuldades de maturação, pelo que os vinhos desta eram utilizados sobretudo nos vinhos a granel e madeiras de entrada de gama, ou seja, de três e cinco anos.
Porém, desde meados dos anos 90 do século passado, algo mudou: produtores como a Barbeito e a Blandy’s começaram a envelhecer vinhos da casta em canteiro, engarrafando-os como colheita, ainda sem autorização de indicação da casta no rótulo.
A partir de 2015, a casta passou de autorizada a recomendada, viabilizando a sua comercialização como Frasqueira – vinhos com indicação do ano de colheita, da casta recomendada e produzidos pelo processo de canteiro, com envelhecimento mínimo de 20 anos em madeira. O Tinta Negra tem vindo a crescer, passando de 1389 litros, em 2015, para 50 063, em 2021, (terceiro mais vendido, depois dos vinhos das castas Malvasia e Boal).
De casta vigorosa, com a película fina e mole, logo se adaptou às condições edafoclimáticas da Madeira, vingando, sobretudo, no Funchal e Câmara de Lobos, a sul de Portugal e a norte, em São Vicente. O potencial da casta para produzir vinhos tranquilos tem vindo a ser aprofundado. É a derradeira vingança do ‘patinho feio’.