Vem este artigo a propósito do resultado de um estudo1 no qual 63% dos gestores afirma não querer continuar na função e 37% acredita que o seu nível de gestão desaparecerá nos próximos cinco anos. E, mais espantoso ainda, apenas 9% dos não gestores aspira a ser gestor.
Surpreendid@?
Neste artigo convido o meu leitor@ a responder à pergunta: estará a função de gestor intermédio condenada à extinção?
Vejamos sucessivamente:
– O que é o gestor intermédio (adiante “GI”), e qual o seu papel nas organizações?
– Que ameaças pairam sobre as suas cabeças?
– Que alternativas de futuro para os GI?
Usaremos, de forma intermutável, as categorias “gestor/gestora”, “gestor intermédio”, “chefia intermédia”, “quadro intermédio”.
1. O que é o gestor intermédio e qual o seu papel nas organizações?
Na minha opinião estaremos perante um gestor intermédio quando:
– nas organizações, e qualquer que seja a sua natureza (i.e., pública, privada),
– que tenham alguma dimensão (i.e. nas pequenas start-ups não existem GI),
– e que, por consequência dessa dimensão, ocorra complexidade na organização do trabalho (v.g. com o surgimento da máquina a vapor e a revolução industrial, em Inglaterra, o modo de organização “artesanal” foi substituído pelo modo de organização “industrial”),
– e da qual [complexidade] resulte a necessidade da divisão e especialização do trabalho,
– requerendo estas maior e mais eficiente coordenação (i.e. a função de dispor, segundo uma certa ordem, e visando atingir, progressivamente e com o decurso do tempo, melhores resultados),
– dos meios de produção (i.e. capital humano, capital tecnológico),
– e quando tal coordenação já não for humanamente possível ser feita, por via da supervisão directa, pelo dono do negócio (i.e. o “mestre artesão” deixa de poder andar no “chão da oficina” e, no contacto directo, poder orientar pessoalmente todos os seus “aprendizes”),
– é escolhido, de entre os melhores “aprendizes do ofício”, aquele que também melhor conhece “a maneira como fazemos as coisas por cá!”,
– e a quem caberá a tarefa de assegurar que as equipas atinjam os resultados.
– Neste contexto, são tarefas-chave do GI: definir objectivos claros; tomar decisões; motivar e ajudar os “artífices” a desenvolverem as suas competências; fornecer feedback; eliminar obstáculos e assegurar a ligação entre o dono do negócio e a força de trabalho.
…só então, e na minha opinião, terá nascido o gestor intermédio.
2. Que ameaças pairam sobre as cabeças dos gestores intermédios?
Permite-nos a escrita, qual máquina do tempo, passar rapidamente da certidão de nascimento, para a certidão de óbito dos GI.
Mais estatísticas2 elucidam-nos do verdadeiro inferno em que se tornou o dia-a-dia do GI nas organizações, apanhado e preso no meio – a chamada função sanduíche – na qual, de cima, recebe as inúmeras pressões dos “donos do negócio” para a obtenção de maiores e melhores resultados; e de baixo, as pressões, queixas e lamentos dos “artífices” por melhores condições de trabalho e mais justa repartição da riqueza:
– Sete é o número médio de aprovações que os GI precisam para tomar cada decisão;
– 40% é a percentagem de tempo que os GI gastam na preparação de relatórios;
– 30% a 60% é a percentagem de tempo que os GI gastam em reuniões com outros GI;
– 40% a 80% é a percentagem de tempo que os GI consideram estar a ser gasta em actividades que não geram qualquer valor.
Atalhando, as ameaças resultam da tempestade perfeita e fatal entre a globalização, a revolução digital (i.e., Inteligência Artificial, big data, robots & cobots3 ), a pandemia COVID19 e a demografia – gerações Y e Z – as quais, em combinação, vieram gerar enorme complexidade nas organizações.
As organizações, em resposta à complexidade, ligaram “o nível máximo de complicação – o complicómetro” – criando as condições ideais para o que já se apelida de “organizações monstro-Frankenstein”4 : i.e. arranjos organizacionais emcima de arranjos, uma manta de retalhos feita de processos mal desenhados, tecnologias desadaptadas, força de trabalho sem as qualificações necessárias.
São tarefas-chave do GI: definir objectivos claros; tomar decisões; motivar e ajudar os “artífices” a desenvolverem as suas competências; fornecer feedback; eliminar obstáculos e assegurar a ligação entre o dono do negócio e a força de trabalho
Entre o aumento da complexidade e o aumento do complicómetro – v.g. entre 1955 e 2010, enquanto o nível de complexidade nas organizações aumentou x6, o nível de complicação cresceu x355 – , a combinação destes factores tem vindo a tornar redundantes as seguintes actividades centrais do GI:
i) A redução do contacto directo com “o dono do negócio” (fruto da globalização, algures sentado no outro lado do mundo) e, bem assim, a redução do contacto directo com os “artífices” (obrigados pela pandemia a trabalharem remotamente): é a morte anunciada da função “sanduíche” de ligação do topo, à base da organização.
ii) Sem palco físico, agora substituído pela infra-estrutura digital, o GI vê desaparecer aquela que é considerada uma das suas fontes de poder e de capital relacional, uma assinatura maior da sua função, qual seja, a de serem a cola da organização, e os “mestres do ofício”: é a morte anunciada da “gestão andando pela fábrica6”.
iii) E o golpe potencialmente fatal para o GI é um presente da demografia: a entrada das gerações Y e Z, estas mais orientadas para a busca do propósito do que para o salário e a tarefa, nativos digitais que cuidam da medição da sua performance com recurso a algoritmos e aplicações de gestão da eficiência do trabalho, que agora é feito em equipas semi ou totalmente autónomas, organizadas em matrizes de dupla dependência: é a morte anunciada do papel de “comando e controlo” do GI.
Em conclusão
(Que alternativas de futuro para os gestores intermédios?)
– O GI, tal como o conhecemos desde a revolução industrial, essencialmente configurado como um instrumento de resolução da complexidade, de coordenação indirecta e de ligação entre o dono do negócio e os “artífices” é, como nos mostram as estatísticas, uma espécie em vias de extinção: apenas 9% dos não gestores aspira a ser gestor.
– Hoje, contudo, à complexidade dos negócios, e como reacção, as organizações ligaram o complicómetro (i.e. burocratizaram-se) tornando o papel do gestor intermédio ainda mais necessário.
– Mas hoje procura-se um gestor intermédio com uma configuração diversa: não mais um instrumento de “comando e controlo”, mas um líder operacional (i.e. Agilidade), que se inspire na prontidão digital das gerações Y e Z (i.e. Juniorização); que traga a sua larga experiência e conhecimento a 360º da organização (i.e. Lateralização); que com maior foco nas preocupações dos “artífices” (i.e. Orientação para as Pessoas) assegure, a todo o momento, que a voz dos clientes (i.e. Orientação para o Cliente) esteja presente, de modo a assegurar que as peças do edifício, que são as organizações modernas, se mantenham unidas.
– Mas fundamentalmente, os GI são a antecâmara do futuro, o banco de ensaio e teste dos líderes ágeis das organizações de amanhã.
1BEAUCHENE, Vinciane et all “The end of management as we know it”, Maio 2020.
2 BEAUCHENE, Vinciane et all “The end of management as we know it”, May 2020 – BCG.
3Cobots: robots colaborativos (https://en.wikipedia.org/wiki/Cobot).
4HANCOCK, Bryan et all, “The Vanishing Middle Manager”, February 2021 – McKinsey & Company.
5BEAUCHENE, Vinciane et all “The end of management as we know it”, May 2020 – BCG.
6Na tradução inglesa da expressão “Managing by walking around”.