A demissão silenciosa significa abandonar o empenho constante no trabalho e fazer o mínimo que é exigido. Os seus adeptos consideram que é uma resposta à cultura laboral abusiva dos dias de hoje, mas há também muitos críticos.
É um cenário comum a muitos trabalhadores. Chega a casa cansado, depois de já ter ficado além do seu horário. Continua a responder a chamadas ou e-mails em casa ou dedica-se a planear eventos laborais já fora de horas… Tudo isto para quê?
Foi esta a questão que motivou a nova tendência que está a varrer o TikTok e a fazer-nos repensar a nossa relação com o trabalho. Há cada vez mais pessoas a recusar a obsessão com a produtividade e a abraçar a “demissão silenciosa“.
Agora, em vez de trabalharem em excesso, saem do emprego à hora estipulada no contrato. Em vez de responderem a mensagens dos patrões fora do local de trabalho, simplesmente desligam as notificações e não vão ao e-mail até entrarem no próximo turno. É assim a vida destes “demissionários fantasma”, que se limitam a fazer o trabalho que lhes está atribuído sem nenhum esforço adicional.
Maria Kordowicz, professora de comportamento organizacional na Universidade de Nottingham, considera que esta tendência é a consequência natural do efeito que a pandemia teve nas nossas vidas, com a normalização do teletrabalho a dar uma maior sensação de liberdade aos funcionários.
“A busca por ‘significado’ tornou-se muito mais óbvia. A pandemia lembrou-nos da nossa mortalidade, algo muito existencial e que nos fez pensar ‘O que é que o trabalho deve significar para mim? Como é que posso ter um papel mais alinhado com os meus valores?’”, explica a especialista ao The Guardian.
O fenómeno da demissão silenciosa não é a única revolução que a pandemia trouxe ao mercado laboral. A “Grande Demissão”, por exemplo, varreu vários países e causou uma enorme escassez de mão-de-obra.
A tendência “I no longer dream of labor” (“Já não sonho com o trabalho”) também se tornou viral nas redes sociais, com muitos utilizadores, maioritariamente jovens, a partilharem que simplesmente não têm um emprego de sonho.
Na China, o fenómeno do ‘tang ping’ [ficar deitado] tem raízes semelhantes, com os jovens chineses a rejeitar a cultura do consumismo e do trabalho excessivo para “ficarem deitados”. A moda está a preocupar o Governo chinês, que teme que haja uma quebra na produtividade e um impacto na economia, tanto que a hashtag até já foi banida nas redes sociais e vários grupos de celebração do ‘tang ping’ foram apagados.
Natalie Ormond sentiu os ventos de mudança trazidos pela pandemia. “Deixei a minha carreira de 14 anos como assistente social em Setembro. Não tinha a ambição para subir na empresa e senti que estava a divagar — não estava a fazer o mínimo, estava só a fazer o meu trabalho e não me esforçava mais”, revela.
De demissionária silenciosa, Natalie passou a demissionária a sério. “No fim, senti que estava desligada mentalmente e senti alguma culpa”, explica. Desde então, Ormond demitiu-se para se dedicar totalmente ao seu próprio negócio.
A professora Maggie Perkins revelou à Time que decidiu demitir-se silenciosamente quase cinco anos depois de ter assumido o cargo. “Não importa o quanto eu me dedico ao meu trabalho, não há um sistema de crescimento ou um incentivo ao reconhecimento. Se eu não me demitisse silenciosamente, sofreria burn out”, diz.
Os argumentos contra
Se para alguns a demissão silenciosa é apenas uma forma para os funcionários se empoderarem e imporem fronteiras que garantam um equilíbrio saudável entre o trabalho e a vida pessoal, há quem questione o objectivo da tendência e as interpretações do seu significado variam.
“A demissão silenciosa parece-me muito passivo-agressiva. Se alguém sofre de burn out, deve haver uma conversa mútua e honesta sobre isso. Só dizer ‘vou fazer o mínimo absoluto porque tenho esse direito’ não ajuda ninguém. Não há nada mais triste do que desperdiçar toda a vida sem se gostar ou sem se estar empenhado no trabalho que fazemos”, defende o coach profissional Matt Spielman.
Também há quem considere o conceito confuso. “Quando li sobre a demissão silenciosa pela primeira vez, achei ridículo“, começa a especialista em recursos humanos Nikki Miles, que acha que a ideia implica que há pessoas a trabalhar mais do que aquilo que a a sua função exige.
“Isto significa que a expectativa é que se devemos fazer mais do que aquilo para que somos pagos e que isso vai resultar para nós. Isso não faz sentido para mim. Fazemos o trabalho pelo qual somos pagos e fazer mais do que isso não deve ser uma exigência”, acrescenta ao The New York Times.
Já Gabrielle Judge, que trabalha numa empresa tecnológica, questiona o impacto que estes demissionários silenciosos têm no resto da equipa. “Há pessoas que entendem isto como um afastamento passivo-agressivo, mas isso não é uma vitória para todos. Não é sempre tudo sobre ti. Estás numa equipa, estás num departamento”, critica.
As preocupações dos patrões
Naturalmente, ver um movimento de trabalhadores, especialmente jovens, a recusar empenhar-se no trabalho fez soar sinais de alarme para muitos patrões — numa altura em que o mais recente relatório global Gallup concluiu que a insatisfação no trabalho atingiu um novo recorde e que ter funcionários desinteressados resulta numa perda anual de 7,8 biliões de euros.
Arianna Huffington, fundadora do Huffington Post, criticou a tendência numa publicação viral no LinkedIn: “A demissão silenciosa não é só sobre desistir de um trabalho, é um passo para a desistência da vida. Enquanto empregadora, adoro quando as pessoas nas entrevistas dizem ‘dou 100% quando trabalho e estes são os meus limites’. Isso é muito diferente de ‘faço o mínimo que posso’”.
Em vez da demissão silenciosa, Grego Vari, CEO da plataforma de empregos Lensa, sugere que adoptemos a “persistência ruidosa” e que os patrões encorajem os empregados a falar abertamente sobre o que pode melhorar no trabalho.
“Quanto persistimos ruidosamente vamos ter um sentido de pertença e vamos ter interesse no rumo que a empresa está a seguir”, recomenda.
Zap