Uma das particularidades de ser Africano é que uma grande maioria acreditamos na enigmática eficiência da medicina tradicional e, em algum momento da nossa vida, compramos algum remedio ou fizemos uma consulta com um curandeiro. A baixa proporção de médicos convencionais em relação aos pacientes, particularmente nas áreas rurais, deixa poucas oportunidades de consulta com médicos academicamente formados. Por outro lado, os médicos tradicionais ou curandeiros, são muito mais acessíveis para a maioria da população.
Um artigo da OMS de 2013, na ocasião do Dia Internacional do Médico Tradicional, afirmava que a medicina tradicional desempenha um papel significativo em Moçambique, onde cerca de três em cada quatro moçambicanos procuram a medicina tradicional antes dos cuidados institucionalizados quando enfrentam um problema de saúde. O mesmo relatório alegou ainda que a cidade de Lichinga durante o mesmo período, contava com 32 médicos e mais de 2000 médicos tradicionais.
Os curandeiros são consultados para atender as mais variadas condições médicas, incluindo doenças de transmissão sexual, problemas de saúde mental, pressão arterial/problemas cardíacos, SIDA, infertilidade, epilepsia, diabetes e até câncer. As práticas tradicionais de cura dão um valor igual ou superior a cura de distúrbios de origem paranormal, como maldições de espíritos malignos e demônios, doenças espirituais, má sorte, atrair riqueza e até feitiços de amor.
A maior parte dos remédios tradicionais são de origem botânica, e o uso de productos derivados de animais é muitas vezes tratado como um tabu e, portanto, não está extensamente documentado. No entanto, é sabido que os animais selvagens utilizados como medicina tradicional compreende uma vasta gama de espécies. Para além do uso de peles de leão ou leopardo para fins culturais e tradicionais, o uso de ossos, chifres, gordura e óleos, garras e unhas, elefantes, rinocerontes, várias espécies de abutres, hiena, porco-espinho e vários répteis para fins medicinais, é significativo.
Enquanto que as peles e partes de leões e leopardos concedem força ao seu portador, outras partes de animais são usadas para dar protecção contra inimigos, como amuletos em casos de justiça, inteligência em crianças em idade escolar, prosperidade e boa sorte, para fortalecer relacionamentos, ou mesmo para ajudar um indivíduo a cometer um crime. Na verdade, é muito comum encontrar poções mágicas e amuletos entre os pertences dos caçadores furtivos capturados.
O uso de espécies selvagens na medicina tradicional levanta preocupações quanto ao seu potencial impacto nas populações de animais selvagens, particularmente em espécies ameaçadas de extinção. Embora alguns aspectos dessas práticas possam ser realizados de forma sustentável, o uso de algumas espécies resulta na captura propositada de algumas espécies, o que pode comprometer a longo prazo a sobrevivência de espécies ameaçadas. Tais eventos podem ter efeitos negativos para a sustentabilidade, biodiversidade e protecção do habitat. Estes efeitos são agravados pelo rápido aumento e crescimento generalizado do comércio de animais selvagens para outras regiões geográficas, principalmente a Ásia.
Muitas vezes somos influenciados a apontar o dedo para os mercados asiáticos que dominam grande parte dos circuitos de comércio ilegal de vida selvagem em todo o mundo. Não há dúvidas sobre os efeitos devastadores da demanda crescente e contínua daquela parte do mundo. Mas é igualmente importante assumir a responsabilidade individual pelo consumo de produtos domésticos da vida selvagem para fins tradicionais. Talvez seja hora de quebrar os tabus e falar abertamente sobre como a cultura enraizada e as práticas tradicionais podem ajudar a proteger a vida selvagem.