A celebrar 13 anos no mercado, Carlos Parreira, CEO da agência criativa Brand Lovers, conta à E&M de que se fez o percurso à frente da agência que um dia idealizou “embora ainda falte muito para lá chegar”, e de como esta, até pela natureza do próprio negócio em que actua, mudou e foi sendo mudada pelas grandes tendências evolutivas do País, e do mundo, ao longo de mais de uma década.
O que é, hoje, a Brand Lovers no mercado das agências de publicidade ou criativas no País?
É uma agência 360˚ totalmente moçambicana, que abriu em 2009 quando cheguei a Moçambique. Comecei a viajar de Portugal, na altura com o objectivo de ver se havia espaço para uma agência criativa, e comecei a sentir que havia aqui o enquadramento e o negócio que procurava, nomeadamente nas áreas do design e do branding, segmentos que ainda estavam por desenvolver na sua plenitude.
Havia muita publicidade nos meios tradicionais, mas a perspectiva da web ainda estava muito crua. E no entanto, havia algumas empresas que começavam a ter curiosidade em ter presença no online. Quando me apercebi disso, pensei que havia aqui um mercado para se trabalhar nestas áreas e foi assim que começámos a dar os primeiros passos.
De então para cá, e se pensarmos no que é a comunicação no digital nas suas múltiplas dimensões, muito se alterou. No vosso caso, isso fez também com que, dessa ideia original do início da década, muito se tenha mudado no negócio. É assim?
Sim, sem dúvida. Repare, os nossos primeiros clientes foram a KPMG, em que começámos a fazer aquele projecto das “100 maiores empresas de Moçambique” ao nível de paginação das revistas e a parte do branding, aí ainda numa visão mais convencional do negócio. Mas, à medida que iam entrando novos clientes, fomos crescendo com as suas necessidades e com as nossas ideias. Depois começámos por fazer activação de marca para a Mcel, e outras, nas áreas da educação; no sector informal também (que aqui tem muito peso), ao nível de produtos de higiene e alimentares, por exemplo. Por essa altura, o digital e especialmente a gestão de redes sociais começou a ganhar um peso específico na nossa actividade.
Essa será a grande mudança da comunicação das marcas nos últimos dez anos, no mundo, como no País. Concorda?
Há várias mudanças nos últimos anos, mas essa é decisiva, sem dúvida. No nosso caso, já hoje, e a nível de recursos, esse é o maior departamento que temos. Tem sido interessante acompanhar e fazer parte do desenvolvimento deste mercado em Moçambique.
As pessoas e as marcas, antes, preocupavam-se apenas com o seu website e eu tentava explicar-lhes, muitas vezes, que o site não é mais do que uma loja, e quando se tem uma loja num shopping, por exemplo, tem de pagar a renda, ter staff, ter os produtos bem posicionados e dar o seu negócio a conhecer, para atrair clientes para lá.
Desenvolvemos, nessa altura, vários websites e, por via desse awareness que faz parte da visão inicial do que pretendíamos que fosse a empresa, e que está espelhado no próprio nome, também a estratégia de marca digital por detrás desses produtos.
Aí começámos a integrar e a ter uma visão mais 360˚ sobre o mercado digital, a trabalhar os clientes a nível de social media e a gerar resultados para os seus negócios. Depois, o mercado da gestão digital, especialmente com a questão das redes sociais e a importância e tracção que adquiriram, tornou-se incontornável e um novo segmento foi crescendo e desenvolvendo-se ao longo deste tempo. Primeiramente, havia, e ainda há, uma cultura de que fazer um post é algo banal, não existia a cultura de como é que ele deve ser feito e qual o seu objectivo estratégico enquanto ferramenta de comunicação. Claro que isso foi mudando, mas ainda estamos nesse processo.
“Havia, e ainda há, uma cultura de que fazer um post é algo banal, não havia uma visão estratégica de como é que deve ser feito e com que objectivo para a marca”
Hoje, esta é, porventura ‘a’ tendência do mercado nacional e, diria, mais que isso, é uma certeza que se acentuou ainda mais com a pandemia.
Para quem quer comunicar algo, num mundo em que as pessoas já não absorvem informação nos meios tradicionais, em que escolhem o que querem ver, em que seleccionam os seus conteúdos, isso é um grande desafio para as marcas e um ainda maior para as agências.
Como é que, na perspectiva de uma agência que trabalha a imagem de marcas e o seu posicionamento, muitas delas associadas a consumo, foi vivido o período da pandemia que, em larga medida, restringiu o contacto entre pessoas e afectou o próprio consumo?
Verdade, sim, mas também é um facto que, no ano passado, crescemos em volume e em valor de facturação. E gosto de pensar que isso aconteceu porque apostámos na altura certa em recursos humanos mais qualificados, temos tido profissionais que vêm de fora para dar formação aos nossos quadros e isso faz a diferença nas alturas de crise, como a que vivemos durante a pandemia.
Basicamente, com um grande problema, vieram várias oportunidades de sermos melhores e mais criativos, mas a base, a nossa pelo menos, passa sempre por estarmos preparados para dar uma resposta de qualidade, de acordo com as várias circunstâncias, mesmo aquelas inesperadas como foi a que o covid-19 nos colocou.
Todo este caminho que me está a descrever advém da própria evolução socioeconómica e, muitas vezes, colocam-se desafios sobre como compatibilizar isso com a realidade nacional, nos seus múltiplos contextos próprios. É esse o maior desafio?
A nível interno sim, mas eu diria que o desafio… mais desafiante, passo a redundância, são os recursos humanos. Este mercado é muito volátil, a questão financeira é demasiado marcada e, por vezes, é o único factor decisor.
Aconteceu-nos isso no início, porque nos reconheciam qualidade, acho, e as agências chamadas grandes iam-nos buscar os nossos melhores profissionais.
Portanto, o nosso desafio foi, com o tempo, sermos mais do que apenas uma empresa e mais uma marca para a nossa equipa, o que nos ajudou um pouco a reter talentos, embora continue a existir esse factor.
Fora da empresa, e em relação ao mercado, essa adaptação das linguagens e das trends mais recentes da publicidade e da gestão de marcas às especificidades do mercado foi, também ela, e continua a ser, um grande desafio – tentar fazer passar aos departamentos de marketing, aos CEO, aos boards de direcção, um determinado tipo de visão para a qual não estariam tão despertos, por ser nova até lá fora. Mas esse é um desafio que acaba por ser estimulante.
Isso leva-me a uma questão que se debateu na pandemia e, imagino, em todas as grandes empresas em que a comunicação é vista como custo e não como investimento. Deparou-se certamente com isso. Terá havido mudanças nestes 13 anos que leva à frente da agência?
O factor particular da pandemia fez com que isso acontecesse drasticamente. Antes, os budget eram sempre desvalorizados em alturas de crise.
O investimento em imagem, marketing, comunicação nem sempre é imediato como as activações de marca, em que somos fortes também. Estas, sim, são claramente acções que incidem sobre a venda e têm um efeito mais dinâmico.
Mas existe, por vezes, alguma confusão entre o que se pretende de determinada campanha, que pode ser aumento de vendas, ganhos de notoriedade ou simplesmente criação de awareness, e aí o efeito na venda é menos observável no imediato. Mas se o trabalho for bem feito dá resultados mais à frente, diluídos no tempo.
Creio que isto acontece por, nestas alturas de turbulência económica, os departamentos comerciais estarem sob tensão e terem de mostrar resultados, entrando por vezes em conflito com os departamentos de marketing. Creio que isto é uma cultura que acontece em muitas empresas, mesmo nas grandes.
Qual é, na sua opinião, o grande desafio do mercado moçambicano da comunicação e do marketing nos próximos tempos?
Olhando para dentro da nossa estrutura, a estratégia prevê crescimento a nível de volume e uma aposta forte na especialização. Neste momento, a necessidade que tenho, enquanto gestor, é de agarrar a equipa que tenho, dar-lhes oportunidades de crescer na empresa.
Se pensar para fora, analisando o mercado, acho, como dizia anteriormente, o desafio que todos teremos pela frente passa por acompanharmos no mercado interno a enorme evolução tecnológica e de abordagem aos diferentes targets que se está a fazer
lá fora.
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva