Em meio à pandemia do covid-19, o sector das life sciences tem desempenhado um papel fundamental na criação daquele que é o “novo normal”. Para lidar com a pandemia, vimos a união entre prestadores tradicionais, outrora concorrentes, para acelerar a pesquisa e desenvolver a geração de vacinas mais rápida da História. Governos, sistemas de saúde, investidores, farmácias e organizações sem fins lucrativos continuam agora a trabalhar em colaboração para fornecer uma ampla distribuição e administração por todo mundo.
Com a introdução de um “novo normal” social, no pós-pandemia, a digitalização vem ampliando o horizonte de novas possibilidades no sector das life sciences: ambientes de trabalho redefinido, mudança na prestação de cuidados de saúde e colaborações inovadoras são alguns exemplos que podem ser apontados e têm vindo a impulsionar uma mudança sem precedentes no sector, grandemente apoiada nos avanços tecnológicos. Vejamos.
1. Digitalização acelerada: novas formas de atendimento, novos papéis e MedTech
Com a ajuda de ferramentas de saúde digital, o atendimento virtual mudou fundamentalmente o acesso à assistência médica, com as teleconsultas a serem uma realidade cada vez mais presente e criando uma experiência de atendimento aprimorada. Mais: a digitalização no sector das life sciences gerou também um aumento de novos sistemas de ponto de atendimento, um fácil acesso a atendimento clínico em casa, configurações de farmácias digitais e vacinações em farmácias. No geral, um acesso mais fácil e eficiente aos cuidados de saúde.
Com todo este contexto, o financiamento arrecadado por empresas de saúde digital atingiu um recorde global de US$ 21,6 biliões em 20201 – um aumento de 103% em relação a 2019. E é expectável que os stakeholders continuem a investir e a financiar novas soluções em saúde digital nos próximos anos. Espera-se que os sistemas de saúde continuem a fazer investimentos, e um modelo híbrido virtual e presencial será, provavelmente, a norma pós-pandemia.
Por outro lado, a colaboração contínua entre Governos, indústria e grandes empresas financiará, provavelmente, tecnologias inovadoras para doenças generalizadas com base nos modelos mais desenvolvidos durante a pandemia.
2. Pesquisa e desenvolvimento: novos tipos de colaborações e ensaios clínicos reformulados
Tem sido amplamente defendido que a pandemia do covid-19 acelerou a transformação digital do sector farmacêutico em vários anos. Por exemplo, embora a média do sector para o desenvolvimento e revisão de um novo medicamento seja de 8,2 anos, as duas primeiras vacinas contra o covid-19 foram desenvolvidas, testadas e autorizadas em menos de um ano.
Como resultado, as empresas encontram-se agora num estágio de reavaliação dos seus processos e desafio em busca de maior eficiência, designadamente através de parcerias e soluções inovadoras. De entre estas, podemos destacar novos designs de testes virtuais e monitoramento remoto por meio de telemedicina e assistência médica móvel, que permitem maior envolvimento do paciente e melhoram a diversidade de testes clínicos para obter insights mais valiosos, ou a utilização de Inteligência Artificial e restantes novas tecnologias por parte das empresas biofarmacêuticas para inovar em ensaios clínicos.
3. O papel do regulador
Ainda no contexto da pandemia do covid-19, as autoridades regulatórias dos vários países acabaram tendo que acelerar os seus processos de aprovação, especialmente de vacinas. Esta nova abordagem daquela ferramenta regulatória, juntamente com outras, tais como autorizações de comercialização aceleradas e programas de uso compassivo, permitiram (pode-se até dizer que forçaram) desenvolver um novo ambiente colaborativo entre as agências reguladoras e a indústria.
Neste novo ambiente regulatório, novas estratégias e tecnologias podem ajudar as empresas e organizações a navegar, permitindo comprimir cronogramas e acelerar insights. A flexibilização das regulamentações durante a pandemia aumentou a adopção da telemedicina em muitos países, mas as políticas regulatórias pós-covid serão essenciais para a aceitação e desenvolvimento permanentes no sector das life sciences.
Podemos destacar novos designs de testes virtuais e monitoramento remoto por meio de telemedicina e assistência médica móvel, que permitem maior envolvimento do paciente e melhoram a diversidade de testes clínicos para obter insights mais valiosos…
Próximos passos para Moçambique
Moçambique, tal como os restantes países africanos, tem agora uma oportunidade para dar um salto no desenvolvimento, aproveitando-se da próxima onda de desenvolvimento tecnológico, incluindo biotecnologia e nanotecnologia. Enquanto retardatário, Moçambique não precisa voltar a testar e reproduzir o que já foi produzido por outros países. Ainda assim, há que investir na criação de condições propícias para a adopção e implementação da tecnologia e know-how.
Olhando agora para os três aspectos anteriormente abordados, salta à vista que Moçambique precisa actualizar o seu enquadramento regulatório de modo a permitir o desenvolvimento e acompanhamento das tendências mundiais.
Por exemplo, quando se fala de digitalização e MedTech, notamos que Moçambique não tem um quadro regulamentar aplicável aos dispositivos médicos e software como dispositivo médico:
• Por um lado, a Lei n.º 12/2017, de 14 de Janeiro, regula as actividades de produção, investigação, importação, exportação, distribuição, armazenamento, transporte, comercialização ou distribuição de medicamentos, vacinas, produtos biológicos, ou produtos de saúde para uso humano. Neste contexto, a Lei 12/2017 define produto de saúde como «todos os artigos médicos e substâncias usados nos cuidados curativos, paliativos, nutritivos, sanitários e estéticos que influem directa ou indirectamente no bem-estar do indivíduo».
• Sucede que tal definição é ampla e pouco clara. Parece ter o potencial de abranger os produtos normalmente conhecidos como dispositivos médicos, mas não oferece uma margem de certeza jurídica confortável.
Também no sector dos ensaios clínicos sobre produtos de saúde, sujeitos a autorização prévia nos termos da Lei 12/2017, está actualmente previsto que o Conselho de Ministros deve aprovar regulamentos sobre a condução de ensaios clínicos. No entanto, na nossa investigação não encontramos quaisquer regulamentos adicionais relacionados com ensaios clínicos, quer aprovados pelo Conselho de Ministros ou por qualquer outra autoridade competente.
Ora, este tipo de incerteza dificulta a criação de mercados regionais e a própria integração de Moçambique no mercado mundial, pelo que se impõem reformas significativas no quadro regulamentar.
1Segundo informação disponibilizada pela PwC, “Global Top Health Industry Issues 2021” – disponível para consulta em https://www.pwc.com/gthii2021 .