De acordo com dados do Banco Mundial, Moçambique registou um crescimento económico médio acima de 7% entre 2001 e 2015. Esta tendência veio a abrandar de 2016 a 2021 com taxas de crescimento a variar num intervalo de -1.2% e 3.8%, sendo a mais baixa registada em 2020. Este abrandamento económico teve como principais causas a instabilidade político-militar na região centro do país, a suspensão do apoio externo e, por fim, as medidas de confinamento adoptadas por vários governos/países com objectivo de conter o surto do Covid-19 e evitar o colapso dos sistemas de saúde. As medidas restritivas tiveram impactos directos nas cadeias de distribuição e produção, na restrição de viagens, no cancelamento de vários eventos, com impacto directo na restauração e turismo.
A pandemia do Covid-19 e a qualidade do crédito
O desempenho dos principais sectores da actividade económica é um indicador relevante para avaliar a capacidade dos mutuários liquidarem as suas obrigações junto dos seus financiadores, o qual, por sua vez, impacta directamente a qualidade do crédito concedido pelos Bancos.
Desde a sua declaração como pandemia em 11 de Março de 2020, o Covid-19 colocou à prova a performance dos principais sectores da economia, desde o produtivo até ao de serviços. Os mais afectados em 2020, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, foram os sectores da “Hotelaria e Turismo” e “Indústria Extractiva”, cujas retracções foram, respectivamente, de 22% e 15%. No entanto, em 2021, apesar de se verificar uma inversão desta tendência em parte significativa dos sectores de actividade, os sectores da “Hotelaria e Turismo” e da “Indústria Extractiva” mantiveram-se em posições negativas de 1% e 0.6%, respectivamente.
Qual foi o impacto da pandemia do COVID-19 no sector financeiro, nomeadamente sobre as imparidades dos Bancos?
As empresas, no geral, ao prepararem as suas demonstrações financeiras, devem estimar as quantias recuperáveis dos seus activos e caso estas sejam inferiores às quantias registadas contabilisticamente, os diferenciais devem ser reconhecidos como uma perda por imparidade, impactando as respectivas situações patrimoniais. A Norma Internacional de Relato Financeiro 9 (IFRS9) trouxe uma nova abordagem de reconhecimento destas “perdas por imparidade”. Esta abordagem, contrariamente à Norma Internacional de Contabilidade 39 (IAS39), na qual as perdas por imparidade eram reconhecidas quando incorridas, estabelece que as mesmas sejam reconhecidas numa perspectiva de futuro, recorrendo a ponderadores que incorporem os respectivos riscos de ocorrência de um incumprimento.
A pandemia do Covid-19 trouxe incertezas quanto à fiabilidade de alguns indicadores que eram utilizados para a determinação das perdas por imparidade, obrigando muitas das instituições a calibrarem os seus modelos de apuramento de imparidade para incorporarem factores de riscos adicionais trazidos pela pandemia do Covid-19.
Para minimizar o seu impacto, nomeadamente sobre a degradação da qualidade do crédito concedido, as instituições bancárias concederam moratórias que consistiram no alargamento do prazo de pagamento, carências no pagamento do capital financiado, bem como a redução de taxas de juro. A título de exemplo, o Banco de Moçambique, disponibilizou em Março de 2020 uma linha de crédito de 500 milhões de dólares aos Bancos comerciais com objectivo de financiar a aquisição de bens primários destinados a reduzir os impactos sociais causados pela pandemia. Paralelamente, o Governo moçambicano lançou uma linha de crédito para combater a pandemia no montante de 1 bilião de meticais destinado a apoiar as micro, pequenas e médias empresas, afectadas, ou aquelas que mesmo não estando afectadas poderiam contribuir para o aumento da produção e geração de empregos.
O gráfico abaixo sumariza de forma agregada a informação dos 5 maiores bancos do país (Millennium BIM, Banco Comercial e de Investimentos, Standard Bank, Moza Banco e Absa Bank), cujo volume de activos representa uma quota de mercado que excede 80% em 2021.
Como pode ser verificado, no triénio em análise, o volume de crédito a clientes aumentou em cerca de 17 mil milhões de meticais (+8.6%), enquanto que o nível de perdas por imparidade reconhecidas manteve-se estável, apresentando no período em análise, um crescimento ligeiro de cerca de 400 milhões de meticais (+2%). Com esta evolução do crédito concedido e de imparidades registadas, o rácio de cobertura “melhora” ligeiramente, passando de 9% em 2019 para 8,5% em 2021.
A nível do mercado europeu o “crédito concedido a clientes” e as “perdas por imparidade”, no triénio compreendido entre 2019 e 2021, tiveram comportamentos distintos face à realidade moçambicana. Conforme pode ser confirmado no quadro abaixo, apesar do crescimento de 15% do “crédito a clientes”, as “perdas por imparidade” aumentaram significativamente mais (cerca de +93%), evidenciando uma clara deterioração do crédito e prudência nas expectativas de recuperação.
Comparando os dois mercados, nota-se que os indicadores em análise não sofreram uma degradação significativa em Moçambique. A resiliência do sector financeiro moçambicano é visível, devendo-se sobretudo à distância das zonas mais impactadas (e consequente menor risco de contágio e exposição), às medidas de confinamento menos restritivas, a baixa exposição a sectores de logística e turismo e por fim as iniciativas do regulador e dos bancos tendentes a encontrar pontos de equilíbrio entre a situação financeira dos mutuários e o reembolso das prestações de crédito. Neste contexto, pode concluir-se que a pandemia não teve impactos muito expressivos na qualidade de crédito dos Bancos em Moçambique.
Expectativas futuras
Apesar da melhoria da situação sanitária, causada pela pandemia do Covid-19, e das perspectivas de crescimento económico de Moçambique nos próximos anos, impulsionadas pelo início da extracção do gás na Bacia do Rovuma, surgiram alguns eventos recentes, nomeadamente, o conflito militar que opõe a Rússia à Ucrânia e a instabilidade militar que se vive na região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, que trazem alguma incerteza quanto ao desempenho futuro da economia moçambicana. Face ao contexto peculiar que se vive, deve existir uma continua monitorização, principalmente, dos potenciais efeitos que os referidos eventos possam vir a ter na cadeia de produção, canais de distribuição, variação do preço de commodities, (ex. cereais) e na redução das transacções comerciais com os países envolvidos no referido conflito, impactando sobretudo a capacidade dos mutuários honrarem os seus compromissos e, por conseguinte, a qualidade do crédito.
1Obtido através do quociente entre o “crédito concedido a clientes” e as “perdas por imparidade”
2Obtido através do quociente entre o “crédito malparado” e o “crédito concedido a clientes”
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